Planejamento, turismo e cultura: o contato como o outro como fator de sustentabilidade para movimentos identitários.

 

Fernanda Beraldo Maciel Leme

Sandro Campos Neves

 

Introdução

As minorias étnicas muitas vezes não possuem força política efetiva devido às estruturas de poder centralizadas, ficando a promessa de melhoria socioeconômica desses grupos no discurso e na chamada ideologia política . O objetivo desse artigo é o de justamente, analisar como o turismo pode ser uma alternativa para que as conquistas dos movimentos de resgate e afirmação cultural de um grupo étnico sejam sustentáveis e perduráveis. Parte-se do argumento de que, com o turismo possa-se atender às necessidades econômicas da comunidade e também divulgar sua cultura, através da tendência percebida por alguns autores, de se ter cada vez mais a demanda de turistas cuja principal motivação é o contato com uma cultura que não a dela. Isso, discutindo-se a importância de um planejamento turístico que tenha como foco: o beneficiamento do grupo étnico, o suporte para a auto-gestão e auto-organização do grupo, a sensibilização dos turistas frente ao movimento de reivindicação daquela cultura, através de um turismo onde há uma interação efetiva entre turista e comunidade receptora.

Nesse estudo se buscou analisar as ligações entre o resgate e afirmação da identidade étnica em questão, e a implantação de um projeto turístico, verificando de que forma essas ligações atendem às necessidades de sustentabilidade cultural e ambiental. Utiliza-se como método para se discutir o argumento levantado a análise do movimento identitário dos Tupinambá de Olivença (Ilhéus/BA), que já almejam um projeto turístico em sua comunidade após obterem espaço físico e social através do movimento que estão realizando, e análise do Projeto Jaqueira de Ecoturismo dos índios pataxós em Porto Seguro (BA), já implantado. Para realizar a análise do caso proposto, foi utilizada uma metodologia qualitativa com observação e entrevistas semi-estruturadas com a comunidade pataxó de Porto Seguro e Tupinambá de Olivença e pesquisa bibliografia referente a casos semelhantes onde o resgate cultural acabou sendo a base para a implantação de projetos turísticos.

Os "ciclos" dos movimentos identitários e a questão da autenticidade.

Alguns autores como Hall (2003), questionam atualmente o que vem a ser uma identidade nacional e até mesmo a real existência dessa identidade. Isso porque, as identidades nacionais tendem a ser identidades unificadoras que anulam e subordinam a diferença cultural existente dentro de um mesmo país. Em um país como o Brasil, com histórico de colonização e de diversas imigrações, conceber a idéia de uma cultura homogênea é quase inaceitável. Como relatado por Assis (2005),

 

" Segundo a Funai, 0,2% da população brasileira é composta por índios. Mas esse percentual considera apenas os índios que vivem nas aldeias. Há ainda entre 110 e 190 mil que estão vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas".

Mas, como é tratada a pluralidade cultural no caso específico do Brasil?

Fazendo um histórico das intervenções pública e privada nos grupos étnicos e, conseqüentemente, na cultura dessas minorias, o que se pode observar são medidas de opressão, indiferença, exploração e tentativas de homogeneização cultural. Esse histórico repercutiu, e formou o atual cenário de algumas minorias, como a indígena, onde como constatado por Damatta (1986), o problema secular indígena ainda é visível como o descaso sobre a questão. É fruto desse histórico e do descaso que surgem então os movimentos identitários.

Segundo Certeau (1995), os movimentos realizados por minorias podem tomar forma política ou cultural e sempre se iniciam com a afirmação de determinado grupo em ser portador de traços, desejos e necessidades que diferem dos demais que estão ao seu redor. Essa atitude de afirmação que ocorre e que impulsiona um movimento, traz muitas vezes a tomada de consciência onde são questionadas forças de repressão que permaneciam invisíveis ou menos visíveis aparentemente.

Quando o movimento trata de reivindicações de uma minoria étnica, esse tem seu início intrinsecamente ligado ao resgate e afirmação cultural do grupo, onde a identidade em comum é o que une os membros e que os faz ter o desejo de ser entendido como portadores de especificidades. Certeau ( Op. Cit. ), vem então com a seguinte pergunta: Como se encontrar uma identidade quando os pontos de referência que a tornavam possível se apagaram ou se tornaram inoperantes? Segundo o autor, em resposta a essa pergunta há o retorno violento às tradições locais, à língua própria, mas "[...] como algo que já se tornou estranho: retorna-se a algo que ainda é seu (um meio de identificar), mas já outro, alterado" (p. 148).

O resgate cultural deve ser não apenas para coletar dados sobre os traços culturais de uma etnia, ora perdidos, mas também deve ser uma exumação das implicações sociais e políticas que foram envolvidas no "apagamento" e opressão que aceleraram o processo de mudança nos hábitos, saberes, crença e outros elementos de uma cultura. A partir desse momento em que a cultura é uma ferramenta para se ter mudanças políticas contra a centralização social ou cultural, os elementos resgatados de uma identidade não são mais redutíveis ao passado, nem a objetos folclóricos nacionais, como defendido por Certeau (id.). É a utilização de elementos do passado para se viver de forma mais consciente o presente. O trabalho de resgate cultural foi utilizado pelo movimento identitário dos índios Tupinambá de Olivença, como relatado por Jamopoty, atual cacique da tribo.

Olivença é uma área pertencente ao município de Ilhéus que teve sua origem baseada na povoação indígena da região. Com o desenvolvimento da cacauicultura na região, as comunidades indígenas locais perderam seu espaço para a construção de casas de veraneio para os coronéis, e Olivença se torna um balneário. Durante o período chamado de áureo da cacauicultura em Ilhéus, os índios da comunidade sofreram dura opressão por parte dos coronéis à sua identidade. Além da expulsão dos índios de suas terras e do massacre indígena na batalha do Cururupi, os coronéis tentaram sufocar a expressão identitária indígena impingindo-lhes o epíteto de caboclos. Através desse nome, os coronéis tentavam negar aos nativos de Olivença o direito à herança indígena, que incluía as terras agora utilizadas como balneário. Após o declínio do poderio econômico dos coronéis, bem como o da própria cacauicultura na região, o saldo deixado em Olivença foi de uma área com casas de veraneio quase abandonadas e uma imensa miséria das populações descendentes dos índios.

Nesse contexto, surge o movimento identitário dos índios Tupinambá que obedeceu a um ciclo, mais ou menos comum a esse tipo de movimento, como será visto no caso dos Pataxó de Porto Seguro. O primeiro momento desse ciclo é o de resgate da identidade, que seria um meio pelo qual a comunidade passa a conhecer a história de seu povo, seus costumes, sua crença, sua ideologia e avaliar o que mudou através dos tempos. No bojo desse resgate, surge uma história que se torna simbólica para o povo indígena de Olivença associada à idéia da luta por sua terra, a história de Caboclo Marcelino, pioneiro do movimento Tupinambá. Segundo a narrativa, Marcelino foi um dos primeiros indígenas a lutar pela libertação da dominação dos coronéis e acabou morrendo, vítima desses mesmos inimigos.

A partir do regate dos costumes como o Poranci (ritual de fortalecimento espiritual) e de histórias como a de Marcelino, que acabam se tornando importantes para dar sentido ao movimento, surge o que se chamará aqui de segundo momento do ciclo. Este momento se refere à união que passa a surgir no grupo, devido ao sentimento de pertença àquela determinada cultura, emergido através do resgate cultural. Com essa união, o grupo pode desenvolver bases de poder comunitário paralelos aos poderes políticos da região. No caso dos Tupinambá, esse segundo momento pode ser verificado através da escolha de um líder, a cacique Jamopoty. Depois de se criar essa base de poder comunitário, o movimento passa a conseguir várias vitórias em sua luta e consegue espaços na Secretaria Municipal de Saúde e também na de Meio Ambiente, além do reconhecimento através de decreto municipal da existência do grupo indígena Tupinambá em Olivença.

Num terceiro momento desse ciclo, com a afirmação da identidade, os planejadores sociais podem perceber o que está por trás de uma comunidade, que devido a suas características culturais mantém perspectivas diferenciadas de necessidade e anseios. No entanto, nessa fase, o que se observou no caso Tupinambá e Pataxó, é que muitas vezes os planejadores não atentam para a cultura com a qual estão lidando, e acabam muitas vezes por feri-la. Isso pode ser comprovado com iniciativas de ONG´s na comunidade Tupinambá onde somente algumas famílias foram beneficiadas, sendo que é traço da cultura indígena que "se o benefício não vier para todos, que não venha para ninguém", como relatado por Taquari, membro Tupinambá. O grupo passa posteriormente a exercer mais controle sobre as influências de outras culturas em seu modo de vida, num quarto momento, e passa a rejeitar ou aceitar o que vem da cultura do outro, de acordo com critérios balizados em sua própria "teia de significados" (GEERTZ, 1989). Assim, no caso dos Tupinambá, a comunidade passou a rejeitar propostas externas que não estavam de acordo com o que a comunidade almejava.

Num quinto momento desse ciclo do movimento o grupo passa então a reivindicar o seu espaço físico e a defendê-lo de interesses prejudiciais a seus membros. Esse momento é atual para os Tupinambá de Olivença, e eles lutam pela demarcação de seu território tendo consciência da necessidade de um espaço físico próprio para a expressão e reprodução de uma cultura. Por fim, em um sexto momento de amadurecimento, com o espaço físico respeitado, o grupo poderia difundir suas técnicas e habilidades para outras culturas e assim apresentar soluções alternativas, como de exploração ambiental.

É importante aqui destacar que ainda que se observe muitas lutas físicas dos grupos étnicos minoritários com os grupos dominantes, existe também uma luta travada de forma muito mais sutil e que tem a mesma importância, a luta simbólica. No caso dos Tupinambá de Olivença essa luta se dá principalmente em torno da questão da autenticidade de seu movimento cultural e de seu legado indígena. Para esclarecer em que termos se dá essa luta, cabe destacar que as comunidades indígenas de Olivença não viveram em situação de isolamento geográfico ou social. Dessa forma, e motivada também pela sua desestruturação cultural durante o período de opressão dos coronéis do cacau, os indígenas sempre estiveram sujeitos à grande miscigenação. Por esses motivos, hoje o grupo não conserva mais os traços físicos comuns às etnias indígenas mais conhecidas, e sofre por isso a desconfiança do restante da comunidade local e também do poder público e das sociedades vizinhas.

É importante marcar então uma clara distinção entre o étnico e o racial. Assim, torna-se imprescindível esclarecer que a perspectiva assumida aqui é a de que o étnico não tem necessariamente ligação com o racial. Para autores como Rex (1987), a ligação étnica se constitui nas formas de comportamento culturalmente moldadas, enquanto a racial se baseia em características físicas. Dessa forma, considera-se que, ainda que os Tupinambá não possuam de fato características físicas que possam uni-los, a unificação se dá em torno de um certo consenso (ainda que sujeito a negociações internas) cultural. Pode-se perceber em Hall (2003) que a identidade cultural é sempre construída, e que sua construção se dá através da negociação entre grupos que possuem uma história em comum como grupo social, ou que partilham um mesmo território. Tendo em vista essas condicionantes, pode-se considerar que a "autenticidade" da expressão cultural de um grupo étnico se liga muito mais aos seus costumes em comum do que a seus traços físicos.

Destaca-se ainda destacar que as identidades são construídas e somente são validadas pelo próprio grupo na medida em que cumprem uma função em sua sociabilidade, desde a simples manutenção de tradições até à conquista de direitos. Por isso, torna-se importante explicar quais os contornos adquiridos pela identidade na atualidade e principalmente no caso dos Tupinambá de Olivença. Segundo Poutignat e Streiff-Fernart (1998), os vínculos étnicos atualmente são percebidos como fontes potenciais de lealdade e chegam mesmo a concorrer com os vínculos chamados de classe. Podemos observar a confirmação da importância estratégica da identidade e de sua relatividade no que diz respeito a critérios de confirmação, nas palavras de Bourdieu (2004):

 

"[...] a procura dos critérios objetivos de identidade regional ou étnica não deve fazer esquecer que, na prática social, estes critérios (por exemplo, a língua, o dialeto ou o sotaque) são objetos de representações mentais, quer dizer, de atos de percepção e de apreciação, de conhecimento e reconhecimento em que os agentes investem os seus interesses e os seus pressupostos, e de representações objetais, em coisas (emblemas, bandeiras, insígnias, etc.) ou em atos, estratégias interessadas de manipulação simbólica que tem em vista determinar a representação mental que os outros podem ter destas propriedades e de seus portadores" (p.112)

Assim, para o autor, não se pode ignorar o poder da identidade como meio para se atingir um objetivo material ou simbólico, inclusive, e principalmente quando esse objetivo é pura e simplesmente a manutenção do grupo. Para o autor, as lutas a respeito da identidade étnica são um caso particular das lutas de classificações, pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, e de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer grupos. Assim, é nessa luta, ainda que do lado não-hegemônico que se encontram os Tupinambá de Olivença em relação à questão de sua "autenticidade".

 

O Projeto Jaqueira: novas formas de subsistência étnica.

Após o movimento identitário ter conseguido passar por uma fase de amadurecimento, onde o grupo já se fortaleceu enquanto minoria através de sua cultura, como manter de forma sustentável suas conquistas?

Para os Pataxós de Porto Seguro, foi na possibilidade de, após ter um espaço físico respeitado, o grupo poder difundir suas técnicas e habilidades para outras culturas, que se encontrou uma maneira de sustentar suas conquistas. Viu-se no contato com o outro que outrora causou a desestabilização da cultura do grupo, a possibilidade agora de manter condições de sobrevivência enquanto minoria étnica. Esse contato se deu através do ecoturismo e turismo étnico desenvolvido na comunidade.

O artesanato indígena Pataxó, já era anteriormente um produto comercializado e desde 1960 os Pataxó realizavam apresentações como índios do descobrimento. No entanto, a cultura indígena não era divulgada como um atrativo em Porto Seguro, e os índios não participavam do lucro gerado pelo turismo na região. Com os eventos de comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil foram criados o Centro Comercial Indígena e o Museu do Índio, transformando a cultura indígena interligada à história do Brasil num atrativo cultural de Porto Seguro.

Devido ao movimento identitário que já havia sido realizado com a reafirmação cultural, surgiu a necessidade de demarcação do seu território como infra-estrutura material para a manutenção de sua cultura e de seu modo de vida. A partir dessa demarcação, na gleba B de Coroa Vermelha, uma área de mata atlântica, conseguiu-se outras reivindicações específicas, como a escola indígena e um serviço de saúde especializado. Com a criação do Projeto Jaqueira de Ecoturismo, viu-se a oportunidade de firmar ainda mais a identidade Pataxó em Porto Seguro e culminar seu movimento, além de se criar uma nova fonte de renda para as famílias indígenas. Assim, o projeto começou a partir da própria afirmação cultural dos Pataxós quando esses buscam reavivar traços de sua cultura, então perdidos, como seu idioma.

O projeto Jaqueira começa na verdade em 1998, quando da desapropriação da área e demarcação da reserva indígena Pataxó no município de Santa Cruz Cabrália. Segundo relato de Jandaia, presidente da Associação Pataxó de Ecoturismo (ASPECTUR):

 

"Ela (a área) era de um empresário [...], mas a idéia deles era ta tirando madeira, tirando areia, barro, tudo."

 

Assim, a reserva que seria destinada ao desmatamento é demarcada e entregue aos Pataxó e estes criam o Projeto Jaqueira, de início com o objetivo apenas de ter uma área de mata. Segundo Jandaia:

 

"E a gente também, aqui, nós tinha a necessidade de ter uma área assim de mata, pra que a gente pudesse ta mostrando as árvores pros filhos da gente que não conhecia ainda né e também espécies de animais. Aí a nossa idéia foi de preservar pra mostrar pros nossos filhos, netos né. E também é um lugar mais reservado pra poder a gente ta buscando o contato com nossos antepassados e também mais reservado assim pra gente ta fortalecendo a cultura que já tava bem também já adormecida né"

 

Contudo, durante o trabalho na reserva os Pataxó descobrem a necessidade de conseguir subsistir através da reserva de outras formas além do plantio, da caça e da pesca, uma vez que agora ocupavam uma reserva de Mata Atlântica, vegetação hoje rara e que talvez não possibilitasse a subsistência, em longo prazo, através das formas tradicionais de cultivo. Por esses motivos os Pataxó de Porto Seguro passam a desenvolver a idéia de um projeto turístico na reserva Jaqueira como forma de subsistir através de sua cultura sem a necessidade da utilização das formas tradicionais de apropriação do espaço. Segundo Jandaia:

 

"Pra gente viver só da cultura e preservar o meio ambiente, mas a gente não tinha o recurso, pra gente ta desenvolvendo esse trabalho, aí ia acabar a gente não chegar ao objetivo que a gente tava querendo né. Então, nós aceitamos e achamos melhor que a gente pudesse também abrir pras pessoas fazerem a visita né e também ta ajudando a gente a comprar alguma ferramenta né."

 

A partir dessas necessidades, o Projeto Jaqueira fez com que, através do turismo, os Pataxó de Porto Seguro sustentasse a sobrevivência de sua cultura num contexto novo. Esse trabalho na reserva Jaqueira rompe assim, com uma lógica apontada por Oliveira (1987) como muito comum e utilizada até mesmo pelas instituições governamentais de apoio a povos indígenas, que acabam por lhes fornecer a subsistência, mas tirar-lhes as características culturais tradicionais. Para Oliveira:

 

"Tentando atuar na interface índio/regional, a FUNAI tem procurado eliminar a exploração da terra e do trabalho indígena; não vê que, assim fazendo, assume, com freqüência, o lugar e o papel do empresário e do patrão alienígena, simplesmente por colocar em primeiro lugar a "renda do patrimônio indígena", substituindo a lógica da subsistência - tradicional nas comunidades tribais - pela lógica da acumulação, inerente à sociedade capitalista envolvente." (1987, p. 197)

 

Os resultados positivos da implantação do projeto turístico em Porto Seguro para os Pataxó não param apenas na questão da subsistência e da preservação do meio ambiente. Do ponto de vista cultural os ganhos relatados com o trabalho na reserva também são muito grandes. Segundo a Pataxó Jandaia:

 

"[...]nós temos assim muita coisa que melhorou pra gente né, por exemplo, a gente não saia assim na rua vestido com nossa roupa tradicional, pintado, hoje a gente já sai, já faz apresentação também nos colégios. Nós não somos mais também discriminados como a gente era antes e também um avanço que a gente teve também foi porque a maioria dos jovens, os meninos que trabalham lá são jovens né, eles já tão bem desenvolvidos, assim, na língua, já dão palestras né. Então a gente viu que o projeto ajudou bastante muita gente que tão trabalhando lá também e muita gente daqui mesmo de Coroa Vermelha."

 

Os Pataxó conseguiram através da reserva Jaqueira e do projeto turístico, regatar o orgulho de ser Pataxó, o orgulho da cultura e da herança indígena. Uma outra questão evocada pela representante indígena diz respeito à discriminação sofrida pelo povo Pataxó em Coroa Vermelha, a exemplo do povo Tupinambá em Olivença, os indígenas de Porto Seguro sofrem também dificuldades de aceitação pela sociedade local. Persistem as acusações de falta de "autenticidade" não só por parte da sociedade local, como muitas vezes por parte dos turistas. O senso comum espera, ainda nos dias de hoje, encontrar um indígena tradicional vivendo isolado, da caça e da pesca, e se surpreendem ao encontrar na reserva e nas comunidades indígenas aparelhos de televisão e computadores. No entanto, parece óbvio e plenamente compreensível que comunidades, como a Pataxó de Porto Seguro, tenham acompanhado as inovações tecnológicas da sociedade não-indígena, embora se possa perceber que a utilização feita pelos indígenas dessa tecnologia se dê de forma diferente da utilização pelo não-índio.

O caso dos Pataxó de Porto Seguro não é um caso isolado, apenas um caso de sucesso, mas pode-se verificar o desejo de várias comunidades indígenas no que diz respeito ao aproveitamento de novas tecnologias e novos modos de fazer da sociedade não-indígena para prover a subsistência de seu grupo. Podemos observar esse anseio na fala do Tupinambá Taquari, que já viveu em Coroa Vermelha e atualmente encontra-se engajado no movimento dos Tupinambá pela afirmação cultural. Segundo Taquari:

 

"[...]eu vi que lá ( Águas de Olivença) é um lugar que a gente pode engessar uma coisa no turismo, para levar esse passeio para pacote turístico que chega na cidade, para que a gente possa levar esse turista para ver a cultura indígena lá no lugar onde os índios vivem, mas visando também o outro lado que é um lado feito para trazer os benefícios para as comunidades, mas para todas as comunidades, não só para uma comunidade."

 

Nesse caso, pode-se observar inclusive, que para alguns povos indígenas, principalmente aqueles que vivem em locais já explorados pelo turismo, este se torna como para diversas comunidades não-indígenas, uma alternativa muito promissora para a sustentabilidade econômica, ambiental e até mesmo cultural. No entanto, deve-se destacar que a possibilidade da proliferação de iniciativas de sucesso como o caso da exploração turística da reserva indígena Jaqueira pelos Pataxó de Porto Seguro, depende não só da compreensão cultural por parte de planejadores e da possibilidade de autogestão dos povos indígenas nessas iniciativas. Essa possibilidade depende também de um aspecto mercadológico, qual seja, o deslocamento no interesse e motivação da demanda em relação ao turismo, que passaria por um maior interesse pela cultura do outro e conseqüentemente por formas de turismo que possibilitem o contato com o diferente.

Nova demanda, turismo étnico e ecoturismo.

Alguns autores apontam como tendência no turismo uma crescente demanda à procura do conhecimento de culturas que não a própria. Nessa tendência surgem grupos mais restritos, como os chamados "turistas cosmopolitas", termo que Hannerz (1999) utiliza para definir turistas que, acima de tudo, se orientam a fim de saciar sua vontade de se envolver com o outro. A maioria dos turistas, particularmente os que praticam o chamado "turismo de massa", em locais já bastante explorados pela atividade e onde terá preços reduzidos, não tem ainda uma visão tão ampla de quão interessante pode ser a cultura do outro como tem os cosmopolitas. No entanto, há indícios de que isto já está mudando. Testemunha disso são os passeios do Projeto Jaqueira onde os turistas, em um destino onde é realizado o turismo de massa (Porto Seguro), pagam uma quantia significativa para entrar na reserva indígena, mesmo que, segundo Jandaia, 90% dos turistas que visitam o projeto sejam estrangeiros.

A esse turismo, onde há o interesse por uma etnia, pode-se denominar de turismo étnico . No entanto, o turismo como defendido por Van den Berghe e Keyes ( apud . Grunewald, 2001), é sempre uma forma de relações étnicas e isso seria no caso do turismo étnico duplamente verdade, pois é a fronteira étnica que cria a tração turística. Nesse tipo de turismo o que se busca é o exotismo da cultura do outro, onde o nativo está como um espetáculo vivo a ser apreciado e fotografado. Ainda segundo Van Den Berghe ( apud. Faria, 2005), o turismo étnico representaria, uma forma de expansão do capitalismo, onde viajantes do primeiro mundo, "redescobrem" os povos da mais remota periferia do sistema mundial como um recurso turístico primitivo e autêntico. Há por parte dos nativos, segundo Grunewald (2001), a construção de uma etnicidade específica para a visitação turística.

O turismo étnico também seria um tipo de turismo cultural que é caracterizado pelo desejo de "satisfação de objetivos de encontro com emoções artísticas, científicas, de formação e de informação nos diversos ramos existentes, em decorrência das próprias riquezas da inteligência e da criatividade humana" (ANDRADE, 2002, P.71). No entanto, muitas vezes, tanto o turismo étnico quanto o chamado turismo cultural, não promovem a experiência do turista em relação à cultura do outro de forma que esta não seja um mero espetáculo onde o turista é o voyeur. Assim, de um lado o turista não agrega nada em seu conhecimento e em seu desenvolvimento pessoal em uma viagem onde "compra" o exotismo do outro visualmente e de outro, os nativos "vendem" apenas seu espetáculo sem que promova a causa de seu movimento identitário, nem seu modo alternativo de viver em comunidade e de interagir com o meio ambiente.

Meneses (1999) vem então com a seguinte pergunta: "Como é possível, no turismo, ultrapassar a fruição voyeurística ?" (p.98). Parece que para esse impasse uma das repostas é a interação entre turista e grupo étnico de forma não apenas visual, mas com atividades onde o turista se coloque efetivamente nas práticas culturais do outro, como feito no Projeto Jaqueira, onde no pacote do passeio, os turistas podem experimentar a culinária indígena, praticar pintura corporal a lém de percorrer trilhas existentes na reserva com vários pontos de interpretação e parada, onde são contadas histórias do povo Pataxó, são mostradas as plantas medicinais utilizadas e apresentados exemplos de armadilhas usadas pelos antepassados para caça. Assim, o turista é convidado a refletir, como foi feito pelos membros do grupo nas etapas de "resgate cultural" de seu movimento identitário o que mudou através dos tempos na cultura indígena e porque. O turista também reflete sobre a vontade de sobreviver enquanto portadores de uma cultura específica do grupo o qual visita quando são relatadas as dificuldades encontradas atualmente por seus membros e a importância que o projeto no qual "compraram" uma visita teve para a comunidade.

Mais uma vez o Projeto Jaqueira tem seu sucesso enquanto turismo étnico ou cultural pelo caráter de experiência entre culturas que promove e também por ter como produto o autêntico tão procurado pelos turistas. Autêntico, pois o projeto nasce dos pataxós e pelos pataxós. Não é uma identidade inventada para o turismo, sugerida por agentes externos, mas uma releitura do que é ser um pataxó atualmente, onde o autêntico é a vontade de sobreviver enquanto etnia. E é essa vontade de sobreviver é que é vendida justamente para que essa sobrevivência se torne efetiva, através da renda gerada pelo turismo. Assim, se torna legítimo o que é apresentado nas visitas realizadas. Essa autenticidade é mais visível quando, como sugerido por Grunewald (2001), vista do lado índio em direção ao turista do que ao contrário.

Além disso, o turismo étnico poderia efetivar alguns preceitos do planejamento do ecoturismo como: promover não somente o patrimônio natural como o cultural nas viagens; e nvolvimento da comunidade (planejamento e gestão participativa e comunitária das atividades ecoturísticas);   valorização (formação e capacitação) dos recursos humanos locais; conservação e valorização das atividades tradicionais do lugar; respeito a identidade cultural e territorial do lugar.

Esses preceitos citados por Faria (2005), que poderiam ser efetivados em uma viagem de ecoturismo através do turismo étnico primeiramente devido ao fato que, no caso das minorias indígenas, os grupos étnicos se encontrarem muitas vezes próximos aos grandes atrativos naturais como nas terras indígenas da região do Rio Negro no estado do Amazonas onde se destacam as tribos Tucano e Tuyuca que já possuem projetos turísticos e no Mato Grosso, onde recentemente se desenvolveu um projeto de turismo indígena denominado "Roteiro Xingú" com formato de ecoturismo indígena . Assim, seria possível a captação da demanda por ecoturismo que já tem um perfil onde há a busca pelo "natural" e "autêntico" para o turismo étnico. Segundo a secretaria estadual de desenvolvimento Yêda Assis:

 

"O Roteiro Xingu é produto de ecoturismo que tem perfil para atender ao mercado internacional. Além de inédito, é de grande alcance social, pois cria perspectivas de uma vida mais digna para as comunidades indígenas" (Revistaecotur, 2005).

 

Segundo as propostas do projeto, o recurso arrecadado com a venda de artesanato e visitação à aldeia turística será aplicado pela associação Puwixa Wene em programas de saúde indígena, transporte e fiscalização das fronteiras do Parque, entre outras.

 

"A iniciativa ajuda a afastar invasores e posseiros das margens do Xingu, a preservar a natureza do entorno do Parque e ainda gera uma alternativa sustentável de subsistência para as comunidades indígenas" (Revistaecotur, 2005).

 

Um roteiro englobando ecoturismo e turismo étnico, ou indígena, também é viável, pois quando o grupo tem seu espaço delimitado e que faz possível sua reprodução cultural e por conseqüência há a possibilidade de um turismo onde o foco é a identidade daquela minoria, também se consegue preservar uma área para o ecoturismo. Pois nesse caso, o grupo passa a ser responsável pela mata nativa, e os lucros revertidos para essa preservação, como mencionado por Assis (2005) no caso do Projeto Xingu e no caso dos pataxós no Projeto Jaqueira. No entanto, os projetos de turismo indígena, para atenderem aos preceitos preconizados pelo ecoturismo, devem ser elaborados mediante um planejamento com foco na melhoria do grupo étnico, como discutido a seguir.

 

Por uma planejamento turístico visando a sustentabilidade do grupo.

Atualmente se tem uma gama de planos de turismo nas suas mais diversas formas: ecoturismo, turismo de aventura, turismo de negócios, e demais modalidades. Mas qual as diretrizes para um planejamento que traga benefícios e sustentabilidade para o chamado turismo étnico?

Como demonstrado nos estudos de Faria (2005), sobre turismo étnico em áreas indígenas do Alto Rio Negro/AM:

" Oficialmente no Brasil, não existe regulamentação, políticas e diretrizes que possam nortear a prática do Ecoturismo Indígena. O que existe é apenas uma cartilha produzida pelo MMA em 1997 que fornece alguns subsídios e orientações sobre a atividade de forma geral sem levar em consideração a identidade territorial e cultural de cada povo e lugar".

Ainda não se tem um plano efetivo onde são mostrados os benefícios e prejuízos do turismo praticado em áreas indígenas ou um inventário das experiências de projetos já implantados, como o Projeto Jaqueira. Isso poderia auxiliar na forma como o projeto será implantado evitando erros já cometidos e aproveitando as diretrizes que deram certo e culminaram em casos de sucesso como é, até o presente momento o caso dos Pataxós de Coroa Vermelha em Porto Seguro.

Já se está percebendo a importância de um bom planejamento se tratando de comunidades com peculiaridades distintas e ávidas pela ampliação de seu espaço social. Prova disso é a iniciativa da Secretária de Desenvolvimento do Turismo de Mato Grosso, Yêda Marli de Oliveira Assis, vice-presidente de Relações Internacionais do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Turismo, que deu inicio nesse ano (2005) a uma pesquisa de âmbito nacional sobre iniciativas ligadas ao turismo indígena. A secretária pretende firmar parcerias com secretarias de turismo, cultura e esporte de todos os Estados brasileiros, ongs, universidades e instituições ligadas às questões indígenas. Seu intuito é "[...] identificar as necessidades, o potencial para o turismo e apoiar as iniciativas para que sejam viabilizadas de forma sustentável nos aspectos econômico, ambiental e social".

Dentro da pesquisa bibliográfica realizada nesse artigo e da pesquisa de campo com o grupo Pataxó de Coroa Vermelha, que já possui um projeto turístico consolidado e com o grupo Tupinambá de Olivença, o qual pretende realizar também um projeto, segue algumas considerações que podem contribuir para um planejamento do turismo étnico em comunidades indígenas. No entanto, é preciso que se destaque que a própria implantação do projeto turístico, bem como o processo de resgate cultural, devem ser demandas internas inerentes ao próprio grupo. Observa-se com muita freqüência na bibliografia especializada que, casos em que o resgate cultural ou a implantação de um projeto turístico envolvendo comunidades étnicas se dá de forma imposta por prefeituras e agentes turísticos, o resultado acaba sendo o fracasso do projeto pela pouca aceitação da comunidade ou alegações de falta de autenticidade por turistas e pela própria comunidade local. Pode-se citar aqui um caso emblemático, o do resgate da italianidade no sul de Santa Catarina, mais especificamente em Urussanga, estudado por Savoldi (2001), onde a autora relata diversas dificuldades no turismo étnico uma vez que a prefeitura local impôs esse resgate cultural e tem dialogado pouco ou nada com segmentos não inseridos no universo étnico utilizado como atrativo turístico.

É importante, quando se trata do processo de planejamento do turismo étnico, que se pense na dimensão da participação. O grupo deve sempre participar do processo de planejamento. No caso, por exemplo, de grupos indígenas essa participação é essencial não só para a aceitação do projeto como para sua execução. Segundo Faria (2005):

 

"no turismo étnico realizado sob a inspiração da cultura indígena, por grupos da sociedade envolvente, o povo indígena representado deverá ter a participação no processo de gestão ou no recebimento de royalties (ao respectivo povo), pois se trata de um patrimônio cultural de propriedade coletiva que estará sendo usado. Para isso, as organizações indígenas com o apoio da FUNAI, deverão registrar devidamente seu patrimônio cultural material e imaterial em cartório".

 

No entanto, como será explicitado a seguir, acredita-se que o papel desses grupos no processo de planejamento deve ir além da simples autorização ou do pagamento de royalties , mas deve contar com a participação ativa e controle social desses grupos através dos mecanismos determinados internamente.

Assim, para que o processo de planejamento turístico envolvendo grupos étnicos possa se dar em harmonia com os grupos, deve-se perceber que existem etapas do planejamento para as quais a contribuição do grupo é essencial. De forma simplificada pode-se definir que o planejamento constitui-se fundamentalmente de três etapas como proposto por Barreto (1991), quais sejam; reflexão diagnóstica, ação e reflexão crítica. Deve-se destacar que a reflexão diagnóstica abarcaria etapas de: estudo diagnóstico em si, definição de objetivos e metas, e formulação de propostas alternativas de intervenção. Muito do trabalho a ser realizado pela etapa de reflexão diagnóstica já é realizado pelo próprio grupo, no caso, indígena, durante os ciclos de desenvolvimento do movimento identitário. Nesse caso, pode-se citar os três primeiros ciclos referentes ao resgate cultural, à união do grupo e estabelecimento de lideranças e à afirmação da identidade.

O trabalho de estudo diagnóstico, definição de objetivos e formulação de propostas deve se dar de forma a respeitar esses processos inerentes ao movimento sob pena de redundar em fracasso do projeto turístico. Na etapa do estudo diagnóstico o resgate cultural realizado pelo grupo não pode ser esquecido nem desrespeitado uma vez que ele é em si o grande atrativo turístico. Assim, não só o resgate deve constar num documento de diagnóstico como deve ser seu norte. Na etapa de formulação de objetivos e metas, não se pode desrespeitar o segundo ciclo, da união do grupo e do estabelecimento de lideranças locais, na verdade essas lideranças devem ser determinantes na escolha dos objetivos do projeto tendo-se em vista que o fim último do processo de planejamento deve ser o de beneficiar e dar formas de subsistência ao grupo em questão. O processo de formulação de propostas não pode deixar de perceber a afirmação da identidade do grupo, pois na medida em que o grupo afirma sua identidade e demonstra suas necessidades e anseios específicos, as propostas que serão formuladas devem acontecer obedecendo a essas necessidades diferenciadas.

A segunda etapa do planejamento, segundo a autora, trata da ação. Essa etapa abarcaria a implementação, execução e controle das propostas formuladas na etapa anterior. Nesse momento a autonomia do grupo, bem como seu processo histórico e social, devem ser respeitados. Esse momento identifica-se e dialoga com os outros três ciclos supracitados dos movimentos identitários estudados, quais sejam; o controle das influências externas, a reivindicação de espaço físico e o amadurecimento. Não se pode pensar em implementação de ações, mesmo que formuladas pelo grupo, de forma que não se respeite o controle que o grupo passa a exercer sobre as influências externas. Essa etapa demandará dos planejadores, extrema sensibilidade e persistência, uma vez que será preciso replanejar ações implementadas que não se adequem aos padrões do grupo.

Também não será possível pensar implementação e execução sem se levar em conta a reivindicação de espaço físico do grupo, uma vez que o espaço é extremamente importante para a expressão da cultura, não se pode desrespeitar os limites, geográficos ou sociais, colocados para qualquer tipo de ação ou prática. Da mesma forma o controle é um momento do processo em que o grupo deverá estar envolvido e atuante, pois com o amadurecimento do grupo não se poderá pensar em exercer controle para as ações implementadas sem a anuência do grupo que passará a exercitar suas práticas e técnicas culturais desenvolvendo formas alternativas de exploração ambiental.

Dessa forma, a terceira parte do processo de planejamento, a reflexão crítica, que inclui os processos de avaliação e retroalimentação do sistema, não pode escapar ao controle do grupo envolvido, devendo mesmo, em alguns momentos, ser exercido somente por ele, sem interferência externa. Cabe, como ocorreu no caso Pataxó de Porto Seguro, depois do amadurecimento do projeto feito com a ajuda de planejadores externos os índios "caminharem com suas próprias pernas", como relatado pelos integrantes da ASPECTUR.

O turismo étnico, principalmente em povoações indígenas, tem muitas semelhanças com o ecoturismo no seu planejamento. Assim, a noção de desenvolvimento aplicada a esses projetos deve ser diferenciada. Ruschmann (1997) afirma que no caso do ecoturismo: "Uma boa gestão territorial envolve o reconhecimento e o estabelecimento dos limites que não podem ser ultrapassados em nome do desenvolvimento"(p.79). Esse tipo de gestão territorial no caso do ecoturismo envolve no processo de planejamento estudos de capacidade de carga referente aos recursos naturais e sua capacidade de suportar intervenções antrópicas. No entanto precisa-se, no caso do turismo étnico, ir mais a fundo a respeito do conceito de desenvolvimento em si. Segundo Souza (2002), o desenvolvimento não deve ser encarado como sinônimo de desenvolvimento econômico, mas "como um processo de superação de problemas sociais em cujo âmbito uma sociedade se torna, para seus membros, mais justa e legítima". Somente assim, tratando o desenvolvimento não só como desenvolvimento econômico e geração de lucros, mas como desenvolvimento social respeitando-se traços culturais diferenciados é que se pode pensar em planejamento turístico em comunidades étnicas.

 

Conclusão

Na atual conjuntura, onde ainda se constata o descaso, firmado durante séculos em relação aos grupos indígenas brasileiros, o turismo aparece como uma alternativa para a melhoria efetiva das condições dessas comunidades, como concluído na análise do Projeto Jaqueira de Porto Seguro. Com o projeto, segundo a pesquisa, houve não só ganhos financeiros para a comunidade, mas culturais e sociais, com a valorização da cultura pataxó e do movimento de reivindicação, por parte dos membros da comunidade e dos turistas. Isso, somado à possibilidade de preservação da mata atlântica presente na área da reserva e que agora, com o projeto, é utilizada para a educação ambiental dos turistas.

Essa alternativa de implantação de projetos turísticos em áreas indígenas ainda é recente, fruto da crescente demanda de turistas ávidos pelo contato com a cultura do outro, mas já está sendo almejada por diversos grupos indígenas como os Tupinambá de Olivença e comunidades do Mato Grosso. No entanto, é nesse contato que se deve medir os benefícios e prejuízos para com o grupo. Deve-se, como analisado, ter foco na melhoria da comunidade receptora e na valorização de sua identidade. Para que essa melhoria ocorra, o contato deve proporcionar ao turista não apenas o papel de voyeur , mas uma experiência efetiva, não só com os traços daquela cultura, mas com toda a problemática que aquele grupo já enfrentou e que agora tenta superar mediante uma releitura de seu passado, aqui chamado de "resgate". Devido a isso, se passa a conceber como autênticas todas as formas culturais frutos desse resgate, pois esse na verdade é uma "restauração" cultural, como defendido por Savoldi (2001), e porque não dizer, uma restauração do próprio grupo enquanto etnia.

O turismo étnico, como relatado na pesquisa, deve ser fruto de um movimento identitário iniciado pelo grupo e não imposto por planejadores turísticos, que farão essa releitura com o propósito de "venda" ao turista. As ações de planejadores são bem vindas como ocorreu no caso Pataxó, quando se respeita a autonomia do grupo, auxiliando mais efetivamente no sentido de divulgação para os turistas e para as operadoras, que incluirão o passeio pela comunidade nos pacotes. Cabe ao grupo, a formatação para o turismo de sua cultura, onde serão selecionadas as atividades que se irá promover durante o passeio, bem como a gestão dos lucros obtidos.

O planejamento turístico também é benéfico quando auxilia na conjunção do turismo étnico e ecoturismo , facilitada pela proximidade de propostas dessas modalidades e pelo fato de se ter no turismo étnico comunidades responsáveis pelo meio ambiente que o cerca. Por fim, cabe aos planejadores coletarem dados sobre casos bem sucedidos de turismo étnico e debater o que se pode adaptar da experiência de outras comunidades à comunidade em questão. Isso já vem sendo promovido, pois, como relatado pelos Pataxós de Porto Seguro, estes são convidados por planejadores de outras áreas a dar palestras sobre o Projeto Jaqueira. Essa captação de informações também pode ser vista na iniciativa do Projeto Xingu de Mato Grosso, onde os planejadores se mostram receptivos para que academia e outros gestores dêem a sua contribuição, já que a bibliografia, estudos de caso e planos diretores de turismo indígena são escassos, como constatado também por Faria (2005) em seu estudo. Assim, conclui-se com o desenvolvimento dessa pesquisa, que o turismo étnico em áreas indígenas pode ser realizada de forma sustentável quando o contato com o outro promove o orgulho e a valorização identitária, ampliando o espaço social das minorias.

 

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NOTAS

Bacharel em Turismo PUC-Campinas, especialista em Docência para Turismo e Hotelaria pelo SENAC-SP e mestranda em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).

Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora, mestrando em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz.


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