TURISMO

A PROCURA DO PARAÍSO NO UNIVERSO DO TURISMO*

Sabáh Aoun·

Introdução

Pretendo, aqui, abordar a análise da linguagem empregada pelo turismo, mais especificamente, pelas mensagens publicitárias, que têm utilizado palavras, conceitos e referências provenientes do universo religioso para vender seus diversos produtos de consumo.

É o sagrado no turismo, acionando assim, um tesouro de imagens primordiais: a felicidade, a perfeição, o paraíso ...

Escolhi aproximar-me desses dois universos que a princípio são aparentemente distintos entre si – o religioso e o turístico por dois motivos muito pessoais.

Minha formação acadêmica originária da área do Turismo, representa o primeiro deles. E o segundo motivo trata de atender uma herança familiar construída a partir de uma memória coletiva rica em estórias, sonhos e lembranças carregadas de nostalgia, e que faziam parte de um valioso conhecimento ancestral.

Como descendente de imigrantes, também cresci ouvindo minhas avós contando estórias de uma terra muito distante e bela que elas um dia, teriam conhecido. Elas comentavam com legítima saudade daquele lugar e eram generosas na descrição das belezas naturais como clima, rios e árvores frondosas que davam frutos saborosos, nos mais variados tamanhos, apanhados dos galhos.

Lembro-me ainda que falavam de uma árvore muito especial, diferente das outras, muito imponente, símbolo daquelas terras. Diziam-me também, que os animais partilhavam do mesmo espaço doméstico que os homens, pelo valor que tinham na divisão do trabalho com a terra. E assim, diversos sonhos se embalaram no encantamento daquelas imagens...

Entre as várias expressões dessa relação, religião e turismo, inclinei-me então sobre a comunicação publicitária do turismo, que tem empregado entre as diversas imagens e símbolos existentes no pensamento religioso, a imagem do paraíso para entrar no universo mítico do homem.

A imagem valorosa de um lugar que tem a marca de paraíso é transmitida pelas estórias que são atualizadas pelas gerações, nas viagens do tempo. Advém dessas lembranças pessoais ou coletivas, o elemento aqui escolhido: o paraíso como lugar de origem e espaço da criação – dimensões sagradas para muitas famílias, povos e culturas.

Um breve relato.

Num dia de férias, passando por uma pequena cidade do Velho Mundo, entrei num jardim de um castelo e me deparei com uma enorme árvore plantada bem no meio daquele lugar.

Ela era majestosa, o centro das atenções. Parecia única. E era. Senti uma crescente agitação tomar conta de mim, sem detectar o motivo. Sentimentos inoportunos para se ter num lugar como aquele, logo num jardim que para mim foi sempre sinônimo de tranqüilidade, de admiração de som e de cores. Só podia estar vindo daquela árvore, pois estávamos só as duas naquele jardim.

Enquanto procurava por uma placa indicativa que me fornecesse alguma pista sobre a origem daquela árvore, fui rodeando o canteiro e a apreciando. Pude constatar que ela era realmente muito bonita, ainda mais com aqueles raios de sol dourando seus galhos e folhas.

Localizei a tal placa e o que li me fez prender a respiração. Eu estava em frente a tal árvore da terra das estórias de minhas avós. Um autêntico Cedro do Líbano.

Lentamente, abri o visor da máquina fotográfica e tentei enquadrá-la naquele exíguo espaço de vidro. Busquei as mais diversas posições. Impossível, não se encaixava toda e eu a queria inteira. Restava-me uma última foto. Amaldiçoei-me por ter desperdiçado tanta chapa com torres, portas e pessoas daquela cidade. Ah! se eu soubesse que ela estaria bem ali ... Eu precisava me decidir pois a tarde estava terminando e escurecia.

Gritei por minhas irmãs para que compartilhassem daquele momento e intimamente sabia que elas estavam também registrando aquela cena, tão surpresas quanto eu mesma.

Chegando em São Paulo, revelei o filme. A foto foi reproduzida, embora um pouco escurecida. O importante é que eu visitei aquele jardim e conheci a árvore das minhas estórias infantis, a prova da existência do paraíso das minhas avós. [1]

I

A palavra. paraíso é de origem persa – pairidaeza, [2] que quer dizer, jardim murado e sua representação, seu símbolo, é um jardim, o lugar onde se deu a criação, é o país originário de Adão e Eva, enfim o centro do cosmos que nos remete a um estado de perfeição total.

Na tradição religiosa, judaico-cristã, a qual estamos inseridos, a descrição daquela narrativa do Gênesis bíblico, possui para nós ocidentais, um corpo de significados dos mais importantes, pois foi no paraíso que tudo começou.

Quando se fala em paraíso, as pessoas se transformam, pois a palavra por si só tem uma força muito grande. É uma imagem altamente específica. A palavra é facilmente captada, compreendida, não requer maiores explicações. A imagem e seu significado vêm rápido, são identificáveis.

Trata-se de uma imagem bastante privilegiada e tornou-se mítica culturalmente em todas as sociedades da Terra, pois a palavra paraíso vai além de um símbolo religioso.

Na Antigüidade Ocidental, muitos povos contavam seus mitos de origens e de criação, através de relatos que descreviam a natureza daqueles tempos de maravilhas, com a beleza nascendo naqueles lugares paradisíacos e qualidades como a perfeição e virtude dignas de um primeiro povo ou de uma primeira raça.

Três foram os temas utilizados como modelos - a expressão “aetas aurea” [3] , os Campos Elísios [4] e Ilhas Afortunadas [5] que muitas vezes se confundiam, mas sempre caminhavam ligados, comungando dessa idéia quando o assunto era referente ao jardim do paraíso.

Segundo o autor Heinberg, as coincidências não param nas descrições do início dos tempos, elas estendem-se aos finais dos relatos. O autor enfatiza que “em nenhuma tradição a Idade de Ouro dura para sempre”. Acrescentou ainda, que para aquelas culturas, “o Paraíso conheceu um fim trágico”. [6]

É no paraíso por exemplo, que nos revitalizamos. Lá se dá a comunicação direta com o divino. Lá é o lugar do não trabalho. Não há doenças, velhice, morte, se é imortal e a juventude, eterna. É um lugar de muitas águas, diversas árvores, solo fértil e a temperatura amena é permanente. Que outra imagem poderia traduzir uma natureza tão exuberante, intocada, atraente e caprichosa? 

Basicamente, são esses os clichês que acompanham a imagem do paraíso  construída no Ocidente. É uma imagem consolidada e não mudou com o tempo, e ainda faz parte do nosso imaginário religioso.

Quem não quer um lugar lindo, maravilhoso, idílico como este?

Depois veio o pecado, a culpa, a expulsão, e Deus colocou querubins proibindo a entrada, mantendo assim, o paraíso interdito e inacessível ao homem.

Mas o Ocidente sempre sonhou em retornar ao paraíso, para aliviar a nostalgia melancólica de tudo aquilo que um dia fez parte do passado glorioso do homem e que foi perdido. E foram muitos os homens que se lançaram em sua busca durante os séculos, seduzidos pelo poderoso desejo de reencontrar este lugar amado, seja com as grandes navegações, seja com as especulações literárias, etc..

II

O turismo em si, procurando pelo tempo livre das pessoas, vive também de oferecer e vender lugares. Observamos que no discurso de venda do produto turístico, entre as linguagens que utiliza, a mais persuasiva é, sem dúvida, a visual, na qual uma boa e bem elaborada imagem, fala por si só. A sua comunicação publicitária utiliza-se, portanto, da perfeita comunhão entre as linguagens verbal e não-verbal.

Nas revistas turísticas, essas imagens geralmente impactantes vinham acompanhadas de um texto breve, eloqüente e que envolviam o leitor num mundo de promessa e magia, em contraste óbvio e flagrante com as urgências de seu cotidiano, representado por um cenário de vida urbana altamente violenta, estressante e opressora.

Turismo que se construiu como instrumento, que numa forma metafórica de um mago, objetiva sugestões, propostas e patrocina as mais diversas possibilidades de fuga e escape desta realidade social para outra, diametralmente oposta, utilizando-se dos mais variados expedientes de propaganda e publicidade.

O indivíduo mobilizado por um desejo de ruptura e evasão de seu cotidiano desencantador, acaba seduzido pela oferta turística, ainda mais quando o preço do pacote é honesto, o produto é criativo e tem qualidade. Isto cria um hábito no indivíduo e abre um universo de consumo permanente, capturando-o repetidas vezes e transformando assim, um desejo em necessidade. Numa relação de custo e benefício – desejo x necessidade, fica o homem sob o controle da máquina do marketing de consumo.

E foi nesse contexto da comunicação publicitária dessas revistas com o seu público, que escolhi analisar os discursos de venda de seus artigos turísticos. Apenas os anúncios, que utilizaram especificamente palavras, conceitos e referências provenientes do universo religioso, que denominaram alguns de seus lugares como paraíso, santuário, templo ou jardim das delícias, para depois vendê-los como produtos de consumo.

Vende-se paraíso pela necessidade de distanciamento deste fenômeno social atual e pelo desejo coletivo de retornar ao lugar das origens. Trata-se de uma imagem que desperta assim, os mais íntimos sonhos e ambições escondidos na alma humana.

O turismo está procurando preencher e ocupar este vazio do homem moderno que visa um bem maior, ainda desconhecido. É também objetivo do turismo, ter o indivíduo consumindo os produtos oferecidos, pois são estas bem sucedidas ofertas que fazem funcionar o trade turístico .

Chamadas como: “O Paraíso existe. Nós sabemos onde”, “Nós levamos Você ao Paraíso”. “O Paraíso pode ser seu para sempre. Não procure. Compre”, vinham acompanhadas por diversas fotos de ilhas sedutoras e lindas, como se tivessem saído de um mundo de sonhos, todas sempre desertas e distantes do continente.

No caso da palavra paraíso, em especial, não se trata apenas de uma mera e simples utilização, pois esse termo paraíso, na tradição ocidental, remete a um mito universal da origem humana, e está carregado de uma carga simbólica das mais fortes, acumulada ao longo dos tempos e das tradições.

Constatei que a palavra admite o uso em diversas formas de linguagem. Pode-se vender o paraíso no discurso do humor, da ironia, na seriedade ou colocado no discurso ecológico e preservacionista vigente no momento.

Percebi ainda, que as revistas não estavam apenas vendendo o/um/aquele paraíso. Elas ofereciam diversos tipos de paraíso, envolvendo várias questões, como por exemplo, o paraíso das compras, o fiscal, o da vela, o da diversão total. Todas conhecem e evocam o caminho para o paraíso e sabem indicá-lo para seus leitores, através do uso de mensagens sugestivas e criativas.

Meu foco de interesse centrou-se nas idéias relacionadas a três questões: sofisticação, natureza e consumo imediato.

III

No universo das revistas turísticas, selecionei três delas por oferecerem o material necessário para a análise da comunicação publicitária do turismo.

Os critérios iniciais da escolha, como já foi dito anteriormente, basearam-se em revistas que permitissem localizar a utilização da palavra paraíso ou de sinônimos, como Éden e jardim, em diversos âmbitos do turismo, do exclusivo ao alternativo.

Decidi-me por VACANCES, HORIZONTE GEOGRÁFICO e VIP EXAME, por acreditar, como me foi confirmado depois pela pesquisa, que elas nos davam uma grande amplidão da utilização da palavra paraíso. E durante o período de 1994 a 1998, recolhi e esquematizei todo o seu material publicitário, no intuito de analisar a forma com a qual elas trabalhavam com a questão do paraíso, com esse imaginário de perfeição, que a palavra carrega e que está sempre presente. [7]

Gostaria de relembrar que o período em que foi feita esta pesquisa – 1994 a 1998 – coincidiu com a vigência do Plano Real na economia brasileira, quando se igualava o real ao dólar, que permitiu portanto, ao turismo, uma gastança em dólares e patrocinando também, uma grande oferta turística para fora do país. Muitos brasileiros naquela época, realizaram a viagem de seus sonhos pela primeira vez, pois ficava mais barato ir para longe. Embalados por propostas e apelos tentadores para as “fugas” do cotidiano, com planos de viagens e formas de pagamento diversos e para quaisquer orçamentos financeiros, a demanda turística intensificou-se e os brasileiros viram que o paraíso era possível em até cinco vezes, sem juros.

O enfoque publicitário descarregado em ilhas, no período do Real, foi fantástico, notadamente registrado nas três revistas analisadas. As ilhas por suas localizações geográficas distantes do continente, associam-se à imagem de lugar sagrado, localizado fora do mundo terreno e profano. “A lonjura embeleza e o isolamento preserva”. [8]

A VACANCES era dirigida para um público mais sofisticado; a HORIZONTE GEOGRÁFICO para o ecológico e a VIP EXAME mais voltada para o consumo das tendências da moda e do momento. Através dessas três revistas, pude ver como era o paraíso por dentro e quem eram esses “Adões e Evas”, o seu público.

Esta frase “o paraíso por dentro” traz o perfil psicológico do indivíduo que tem a imagem do bem maior que ele busca. No caso, o turista que procura ir a Brotas (SP), para descer as corredeiras e pequenas quedas de um rio em um bote inflável de borracha, por exemplo, significa que, este lugar identifica-se com os seus valores , com os seus sonhos e fantasias, enfim, com sua procura.

Já o indivíduo que faz parte do público que curte o que está na moda, pode deixar de freqüentar Paris, Milão, para ir a Chichén Itzá, ou para Delfos, nas encostas do Monte Parnaso, na Grécia. Mesmo sendo difuso e manipulado o seu interesse, ele tem um projeto longínquo, não muito claro, que é também participar da religação com a origem, pois aquilo lhe chama a atenção, está ligado a um paradigma religioso.

De certa forma, este estudo do perfil dos consumidores revela uma questão de eleição, os interlocutores devem estar habilitados para entrar e desfrutar do paraíso dessas revistas.

O paraíso da VACANCES está sempre concentrado nas ilhas dos arquipélagos, desviado das tradicionais rotas turísticas, pois além de serem de difícil acesso, são raros e sofisticados.

Tem como principal característica ser um lugar único e “excludente”, altamente seletivo. Ele dá status e privilégios a quem o alcança pois não é para qualquer um, é muito caro. Associado à idéia de refúgio, de oásis, ele pode ser contraditoriamente, muito simples. Trata-se de um paraíso de exclusividade.

Outra peculiaridade é que ele pode ser de propriedade privada, pois para lá, se dirigem os bem sucedidos do sistema social, os “AA” [9] , os de alto nível, os de bom gosto, que sabem o que tem, que não se preocupam com a moeda e tão pouco em viajar de um a dois dias, desde que encontrem sofisticação e prazer.

O tipo de consumidor do paraíso da VACANCES, não se deixa conhecer pessoalmente, pois mantém mistério. A hight society não é exibida como são “os aparecidos” da vida.

Fazendo uma analogia com o texto do Gênesis, valeria a seguinte frase bíblica: Deus escolheu a Adão, “o homem que modelara” [10]

Já no paraíso da HORIZONTE GEOGRÁFICO, revista que tem assumido o discurso preservacionista e o politicamente correto para venda de seus lugares, não se pode deixar sacos plásticos, bitucas de cigarro e latinhas de cervejas no local, quando da saída desses santuários-ecológicos. Lá, preservação é a palavra de ordem dada a seus freqüentadores, pois este lugar tem que seguir sendo sagrado, intocado e original.

De difícil acesso, este paraíso exige um tipo especial de viajante, onde os obstáculos como rios, montanhas íngremes e corredeiras entre outros, não o detenham, pois está em contato com o que mais procura e preserva, que é a emoção de estar próximo à natureza, não se esquecendo de sua total e inteira condição de visitante.

Vai-se até ele, com o compromisso de preservação e não de agressão ao meio ambiente. Este tipo de paraíso acolhe e abrange mais pessoas, é “inclusivo” e também compartilha uma noção comum de bem supremo. Ele nos compromete, pois está em nós mesmos.

Novamente parafraseando o texto do Gênesis, aqui vale a frase bíblica do “Cultiva-o e guarda-o”. [11]

Para a terceira e última revista, a VIP EXAME, o paraíso, deve ser sinônimo de comodidade, mordomia, de lugar onde as pessoas não sofram, só desfrutem. Ah! o paraíso é sombra e água fresca e trégua e repouso.

A ordem aqui é para ser um paraíso que produza deleite e tranqüilidade; ser sinônimo de bem-estar, liberdade e ter algum encanto. É também definido pelo lazer e não pelo trabalho, apesar de se poder chegar com o celular em mãos.

A imagem do paraíso aqui é para ser consumida, um produto a ser vendido e palavras como pecado ou culpa sequer existem ou preocupam.

O público de VIP EXAME, por possuir dinheiro e uma aguda consciência das últimas tendências do momento social, procura por lugares que recaiam inclusive sobre os ditames da moda, seus símbolos de consumo, status e refinamento, pois é o que quer consumir e aparecer. Tanto faz ir para Cingapura, Tibete, ou África do Sul, pois são locais diferentes de seus cotidianos.

Nesta revista, a comunicação publicitária ocorre numa linguagem rápida e permeada de bom humor, ironia e pilhéria. Caçoa do sagrado sem nenhum problema, pois ao utilizar a linguagem religiosa para dar conta de algumas de suas matérias, produz uma dessacralização bem humorada. Prossegue criando e dialogando com um paraíso que não tem nada de transcendental, instalando-o, de preferência, com todas as comodidades modernas, em qualquer lugar no nosso mundo planejado.

Para se ter uma idéia de como isto se processa, Adão, o primeiro homem no paraíso, foi definido com as seguintes peculiaridades:

“Foi com ele Adão, que todo o prazer (e toda a encrenca) começou. O rapaz foi o primeirão em tudo: a chegar a este mundo, a ter uma mulher só dele, a provar da maçã e a perder um emprego estável no paraíso”. [12]

Conclusão

As três revistas apontaram os caminhos a serem seguidos por quem estiver disposto a ser devolvido ao paraíso, rompendo assim com o seu cotidiano. Existem ainda, muitos outros.

São diversos os lugares que o turismo pode oferecer, construídos a partir da palavra paraíso, atingindo as várias camadas sociais e os diversos orçamentos econômicos. Neste artigo, conhecemos três tipos importantes de paraíso. A sofisticação e o “glamour” do paraíso encantado, oferecido pela Vacances. Outro que se mostrou mais carregado de desafios nas edições da Horizonte Geográfico. E por último, o de VIP Exame, voltado para o consumo imediato, onde os desejos humanos são realizados e os prazeres atendidos.

A comunicação publicitária turística quando utiliza o termo paraíso para designar muitos dos seus produtos de consumo, está pretendendo num primeiro momento, conferir-lhes uma condição de qualificação superior por tratar-se de palavra facilmente identificável e de imediata compreensão para o seu público. Não é qualquer lugar que pode ser transformado em paraíso, se não houver “uma empatia social”. [13]

Em seguida, promove uma recarga de forças em núcleos do imaginário coletivo, muito ricos em desejos, sonhos, nostalgias e fantasias acumulados ao longo dos tempos e das tradições humanas.

O paraíso das revistas é sempre construído provocando muitas das “imagens primordiais” definidas como “as formas mais antigas e universais da imaginação humana”, segundo teoria da psicologia analítica de C. G. Jung. [14] Imagens localizadas nas camadas mais profundas do inconsciente, [15] envolvendo sentimento e pensamento, manifestam uma condição entendida como pré-existente e armazenada. Denominadas por “arquétipos” que impulsionados por uma carga de sugestões, despertam o desejo e as necessidades para o atendimento das idéias influenciadas pelas revistas, traduzidas por aquisição e consumo do produto.

As idéias primordiais a respeito do paraíso no Ocidente repousam basicamente em duas questões: uma trata do retorno e outra da promessa. O retorno foi algo vivido incansavelmente pelo homem, através da nostalgia, na busca por um bem maior, como lugar de repouso, de origem. Já a promessa está ligada ao homem no processo cristão, baseada na constatação e descrição feitas no Gênesis 2, tamanho era o tormento do homem em atingir aquele estado.

A descrição é uma referência para tentar localizá-lo em função do estado de impermanência do paraíso. Está incluído no Gênesis por se tratar de uma criação divina. Então, o homem se lança em busca de sua localização por tê-lo perdido.

No Novo Testamento, [16] a promessa feita por Jesus Cristo, em seu último momento de vida como Mestre, representa um ponto fundamental para sedimentar uma grande esperança nos homens daquele tempo. O Cristianismo propõe como projeto religioso, uma única fundamentação: a salvação que remete ao estado perfeito, o equilíbrio de todas as coisas. Cabe aqui repetirmos que paraíso é também entendido como um lugar arquetípico, atemporal e que permanece interdito após o pecado, guardado pelos querubins, conforme descrição da Bíblia.

O turismo hoje, transforma a idéia de paraíso perdido numa forma terrena e atraente ao alcance de todos. Ele a vende no presente, através de novas e atualizadas formas de discurso. Ressurge assim, o turismo como um mago que com poderes especiais, consegue promover o reencontro do indivíduo com o paraíso, realizando aquele antigo e acalentado desejo de voltar ao jardim do Éden, ao lugar da origem humana. O paraíso no universo do turismo, não é mais um sonho impossível ou outra utopia fantástica, inventada em pleno século XX.

É o turismo vendendo o paraíso aqui, na Terra, apoiado numa clara referência ao consagrado relato bíblico do jardim do Éden e com toda a carga simbólica que ele representa para o Ocidente. Portanto, a utilização especificamente de palavras, conceitos e referências provenientes do universo do religioso, demonstrou possuir força e competência suficientes para fixar muitas das imagens utilizadas para vender produtos de consumo turístico.

O paraíso aqui oferecido, não é o do estado perfeito e harmonioso, mas sim, o jardim das delícias, rico em prazeres, em deleites, em situações idílicas, feito na medida e ao gosto de qualquer pessoa disposta a aventurar-se, a romper com seu cotidiano, dando vazão aos seus desejos e às mais extravagantes fantasias, pois lá, não se é expulso, ao contrário, permanece-se e desfruta-se de tudo que ele pode oferecer. Nele, o pecado e a serpente não existem para interromperem a permanência deste estado.

A diferença entre o paraíso possível e aquele da imagem bíblica, em que se apoia, é que o primeiro é proposto pelo homem e está vinculado às benesses da carne e o outro, ao contrário, ligado ao espírito enquanto estado de equilíbrio entre as coisas.

A angústia do homem moderno, a complexidade dos cenários da vida urbana, entre outros fatores, fazem com que o homem institua como sinônimo de sua libertação desse cotidiano indiferente e impassível, numerosos e variados lugares criados com essa finalidade.

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Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. 4.ed.. 1v.. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.

DELUMEAU, Jean. Uma história do paraíso. O jardim das delícias. Trad. Teresa Perez. Lisboa. Terramar, 1992.

FOUILLOUX, Danielle et al. Dicionário cultural da Bíblia. Trad. José David Antunes. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Lda., 1996.

HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso: explorando o mito universal de uma idade de ouro perdida. Trad. Octavio Mendes Cajado. Rio de Janeiro: Campus, 1991 (Somma)

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. Trad. Maria Luiza Appy. Petrópolis: Vozes, 1983.

KURZ, Robert. A estetização da crise. No capitalismo, os objetos do desejo transformam-se em peças de culto. Folha de São Paulo, 23 novembro de 1997.

ROCHA, Everaldo P. Guimarães. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

Outras fontes

A Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista. São Paulo: Paulus, 1985.

Revista VACANCES

Revista HORIZONTE GEOGRÁFICO

Revista VIP EXAME.

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* Tema da Dissertação de Mestrado defendida em maio de 1999, no Programa de Estudos de pós-graduação em Ciências da Religião, na PUC-SP, sob a orientação do Prof. Dr. Fernando Torres Londoño. Foi publicada em livro pela Papirus Editora, em abril de 2001 com o mesmo nome.

· Bacharel em Turismo pelo UNIBERO e Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP.

[1] Entrar no jardim daquele castelo significa entrar num outro mundo e o Cedro do Líbano como foi citado é a árvore do paraíso dos libaneses. Um ano depois, retornei àquele mesmo jardim, na cidade de Weinheim, no Estado de Baden-Württemberg, no sul da Alemanha, desta vez, mais bem equipada, e com mais rolos de filmes na mochila para fotografar todos os 23 metros de altura daquela árvore plantada desde o ano de  1720.

[2] Na Bíblia, encontramo-la três vezes com sentido de jardim (Ct. 4,13) e de parque (Ecl. 2,5; e Ne 2,8). No Novo Testamento, a palavra paraíso significa céu. Foram consultadas diversas fontes e entre elas DELUMEAU, Jean, Uma história do paraíso. O jardim das delícias, p. 11, FOUILLOUX, Daniele et al. Dicionário Cultural da Bíblia, p. 248 e HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso: explorando o mito universal de uma idade de ouro perdida, p. 54.

[3] HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso: explorando o mito universal de uma idade de ouro perdida”, p. 56. “Idade de ouro”, tradução da expressão para o latim, feita pelo poeta romano clássico mais lido durante a Idade Média, Ovídio (43 a.C. . – 27 d.C.)

[4] BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, p. 318-20, v. 1. Os Campos Elísios eram uma das três regiões – Érebo ou Tártaro, as outras duas – para onde iam as almas dos mortos depois de um julgamento feito por um “tribunal formado por três juizes: Éaco, Radamento e Minos”. Ainda em Homero, no canto IV, na Odisséia, os míticos Campos Elísios, estão localizados nos “confins da terra” para onde apenas alguns escolhidos, os de almas virtuosas, poderiam alcançar e viver felizes. Esta região encantadora, era vista como uma morada, uma espécie de lugar de recompensa e felicidade para o espírito dos justos.

[5] Ibid. p. 169. Ilhas dos Bem-Aventurados ou Ilhas Afortunadas, que para o poeta grego Hesíodo, eram os lugares que acomodavam os Elísios, como região abençoada no Oceano Ocidental, para onde as almas dos heróis tinham “o seu destino último”. Muito apreciadas na Antigüidade clássica eram também as terras mágicas que para além do mundo habitado, serviam de palco para as aventuras dos heróis mitológicos.

[6] HEINBERG, Richard. Memórias e visões do paraíso: explorando o mito universal de uma idade de ouro perdida”, p. 95

[7] O total de revistas utilizadas foi de 102 exemplares com artigos ricamente ilustrados.

[8] DELUMEAU, Jean. Uma história do paraíso. O jardim das delícias, p. 121.

[9] ROCHA, Everaldo P. G. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade, p. 93. O termo AA está assim declarado pelo autor numa entrevista com um publicitário que define desta forma, a classe social que tem “dois de tudo, manja: dois carros, dois ar- condicionado, duas geladeiras, o diabo”.(sic)

[10] Gênesis 2,8.

[11] Gênesis 2,15.

[12] Edição n.º 153, de maio, 1995.

[13] KURZ, Robert. “A estetização da crise. No capitalismo, os objetos do desejo transformam-se em peças de culto”. Folha de São Paulo. São Paulo, 23 novembro,1997. Caderno Mais, p. 5-3.

[14] JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente, p. 58.

[15] Ibid., p. 57-8. “Temos que distinguir o inconsciente pessoal do inconsciente impessoal ou suprapessoal. Chamamos este último de inconsciente coletivo, porque é desligado do inconsciente pessoal [lugar das fantasias e das reminiscências] e por ser totalmente universal; e também porque seus conteúdos podem ser encontrados em toda parte, o que obviamente não é o caso dos conteúdos pessoais. O inconsciente pessoal contém lembranças perdidas, reprimidas (propositadamente esquecidas), evocações dolorosas, percepções que, por assim dizer, não ultrapassaram o limiar da consciência (subliminais), isto é, percepções dos sentidos que por falta de intensidade não atingiram a consciência e conteúdos que ainda não amadureceram para a consciência”.

[16] Lucas 23, 43. “ Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso”.


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