1er Congreso Internacional "Pobres y Pobreza en la Sociedad Argentina"

Universidad Nacional de Quilmes - Argentina

Noviembre 1997

Ponencias publicadas por el Equipo NAyA
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POBREZA NO CAMPO: os sem-terra e a questão das terras devolutas no Brasil

Autoria: Profa Dra Márcia Maria Menendes Motta

Instituição: Universidade Federal Fluminense (Niterói - Rio de Janeiro - Brasil)

I- Introdução

O ãndice de Desenvolvimento Humano - uma combinação de indicadores de esperança de vida, escolaridade e nível de renda - tem sido visto como um diagnóstico mais fiel da realidade brasileira. A partir dele, muitos analistas vislumbram um futuro mais otimista e em nome de uma determinada visão de progresso, insistem em nos convencer que nossa chegada ao primeiro mundo é uma questão de tempo.

Mas nada é tão simples. Para além do otimismo manifesto e sua real vinculação com a propaganda do governo, o tempo e os dados do I.D.H também nos mostram que se podemos verificar melhoria na condição de vida de uma parte da população, ainda assim o Brasil possui hoje 42 milhões de pobres e miseráveis. "Este tipo de desenvolvimento, marcado e mesmo impulsionado pela perpetuação e agravamento das desigualdades sociais, faz, hoje, do Brasil o país com a maior concentração de renda do mundo"1 . O presente artigo parte das questões apontadas por Ricardo Salles e Sandra Veiga acerca das características do desenvolvimento brasileiro e o correlato agravamento das desigualdades sociais, para discutir o problema do acesso à terra. Ou melhor, pretende-se aqui encaminhar uma análise no sentido de compreender não somente a perenidade da concentração fundiária no Brasil, mas também questionar a noção de que as terras devolutas do país são o ponto de partida e de chegada da ainda polêmica Reforma Agrária. Neste sentido, procura mostrar como o argumento da existência das terras devolutas não se sustenta quando tomamos ciência de que, a rigor, elas têm sido há mais de cem anos invadidas pelos fazendeiros.

II- Terras Devolutas:

O que fizeram com elas?2 A existência de terras devolutas no Brasil tem sido o argumento utilizado por aqueles que defendem uma Reforma Agrária sem traumas e fissuras. Por esta ótica, não haveria porquê reformular a estrutura fundiária, na medida em que o país conta com um número significativo de terras do Estado.

Apesar de nunca poderem de fato mostrar a extensão exata das terras devolutas em cada unidade da federação, os defensores deste tipo de Reforma consideram que sua mera existência é suficiente para condenar as ações empreendidas pelo Movimento dos Sem Terra3 . A defesa deste tipo de reforma fica um pouco mais difícil quando atentamos para a concentração fundiária no Brasil e seus efeitos sociais Um país de dimensões continentais capaz de construir um sociedade onde apenas 1% dos proprietários rurais detém 44% das terras, enquanto 67% deles detém apenas 6% das terras4 . Mas a questão não se limita apenas à concentração fundiária em si. O Movimento dos Sem Terra afirma a existência de 4,8 milhões de famílias a espera de uma reformulação fundiária no Brasil5 . Além disso, segundos dados da Comissão Pastoral da Terra, 1.600 pessoas foram assassinadas no campo brasileiro, entre 1964 e 1992 6 .

Nada indica uma tendência a sua redução, posto que entre 1991 e 1994, de um total de 1.916 conflitos no campo, resultaram 199 assassinatos7 . Segundo informações das organizações não governamentais, entre elas, o Instituto Apoio Jurídico Popular, mais de 1.500 trabalhadores rurais, índios, sacerdotes e advogados e outros profissionais dedicados à luta pela democratização do acesso à terra, foram assassinados desde 1964. Deste universo criminoso, apenas seis casos chegaram à justiça, sendo que três deles houve condenação dos executores dos crimes, enquanto os três restantes houve a absolvição em razão da falta de provas8 .De qualquer forma, o respeito à propriedade privada consagrado pela Carta Magna é, por aquela ótica, o argumento definitivo na condenação das atitudes dos posseiros e de todos aqueles que questionam a legitimidade da estrutura fundiária vigente. Assim, para além de uma possível validade da crítica à concentração de terras em mãos de uma minoria, os pobres do campo não teriam razão, pois o que eles fazem - a ocupação de terras - ferem as leis do país. Eles, os pequenos posseiros, seriam tão somente invasores das terras de outrem.

Mas se falamos de lei, falamos de direitos, de justiça. A história da invasão de terras no Brasil dos últimos 150 anos nos mostra uma realidade mais complexa, onde os principais invasores foram os antepassados daqueles que hoje se apoiam na lei para reafirmar sua condição de proprietários de terra.

Em 1850, após 7 anos de debate, foi consagrada a Lei de Terras. A partir daquela data, as terras devolutas só poderiam ser adquiridas por compra, estando proibido o mero apossamento como forma legítima de ocupação. O conceito de terras devolutas ali definido é até hoje utilizado no país.

Segundo o artigo terceiro são terras devolutas: 1- as que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial ou municipal; 2- as que não se acharem no domínio público particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura; 3- as que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que apesar, de incursas em comisso, forem revalidadas por esta Lei; 4- as que não se acharem ocupadas por posses que, apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta lei9 .Como se vê, a lei caracteriza o que seja terra devoluta a partir da noção de exclusão das particulares. ãs avessas, o conceito se afirma pela negação: o que não é particular pertence ao Estado. A maneira pela qual a lei definiu as terras devolutas tem até hoje provocado a querela referente à comprovação dominial das terras devolutas, ou seja, se cabe ou não ao Estado o ônus da prova sobre as suas terras.

O conflito de terra na região de Pontal de Paranapanema, no Estado de São Paulo, é um exemplo interessante para encaminharmos a discussão sobre as terras devolutas. Pelas informações colhidas pelo jornal Folha de São Paulo, cerca de 50% das terras da região podem ser consideradas devolutas. Ao que tudo indica, a árvore genealógica dos títulos das terras, de 1852 até hoje, é incompleta ou falsificada. O jornal não deixou sequer de traçar um rápido histórico: "por volta de 1850, a Coroa determinou que áreas com títulos não registrados a partir de então se tornariam terras devolutas". Em vista disso, "dois fazendeiros de Pontal trataram de fraudar rapidamente os títulos, que foram passando de mão em mão com as revendas"10 .

Paranapanema não é uma exceção. Desde o século passado, senhores e possuidores de terras tenderam a desconsiderar qualquer política de regularização fundiária. Ao contrário, sempre que puderam operaram os pressupostos da lei em seu próprio benefício e se recusaram a medir e a demarcar suas terras. Após a Lei de Terras de 1850, a invasão das terras devolutas só aumentou, bastando analisar os relatórios provinciais de 1850 a 1889 para verificarmos o fracasso do governo em manter o controle de suas terras e impedir sua invasão11 .Aprovada após intenso debate, a Lei de Terras de 1850 foi finalmente regulamentada pelo Decreto número 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Com nove capítulos e 108 artigos, o Regulamento procurou dar conta das inúmeras situações relacionadas à ocupação das terras12 . Para tanto, ordenou a criação da Repartição Geral das Terras Públicas, órgão responsável por dirigir a medição, dividir e descrever as terras devolutas e prover sua conservação.

Também era de competência da Repartição propor ao governo quais terras devolutas deveriam ser reservadas à colonização indígena e fundação de povoações, e quais deveriam ser vendidas, além de fiscalizar tal distribuição e promover a colonização nacional e estrangeira. Cabia também à mesma Repartição realizar o registro das terras possuídas, propondo ao Governo a fórmula a ser seguida para a revalidação de títulos e legitimação das terras possuídas13 . Estes registros - os chamados Registros Paroquiais de Terra - tornaram-se obrigatórios para "todos os possuidores de terras, qualquer que seja o título de sua propriedade ou possessão". Eram os vigários de cada freguesia os encarregados de receber as declarações para o registro de terras. Cada declaração deveria ter duas cópias iguais, contendo: "o nome do possuidor, designação da Freguesia em que estão situadas; o nome particular da situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida; e seus limites"14 .A idéia de que a Lei de Terras de 1850 e seu Regulamento eram importantes e eficazes instrumentos para discriminar o domínio público do privado e, portanto, regularizar a estrutura fundiária do país, interferia na percepção de que os registros das terras possuídas - tal como era ali proposto - dificilmente poderia por fim aos litígios de terra, decorrentes de limites territoriais imprecisos e/ou ocupação de terras devolutas.

As dificuldades para discriminar as terras públicas das privadas, através do registro das terras possuídas, e os esforços no sentido de receber informações sobre terrenos reconhecidamente devolutos cresciam cada vez mais, imprimindo a marca do fracasso na política de regularização então proposta pela Lei de 1850. Ao longo dos anos de 1860, vários informes da Repartição Geral de Terras Públicas encontrados nos Relatórios do Ministério da Agricultura buscavam divulgar as terras devolutas que haviam sido de fato medidas e a venda de algumas destas terras, bem como informar sobre os registros de terras realizados15 . Os relatórios procuravam informar também acerca do cumprimento dos serviços a cargo dos juizes comissários e os engenheiros responsáveis pela medição. Para alguns relatores, era preciso reorganizar as atribuições da Repartição Geral das Terras Públicas, que havia sido criada pelo Regulamento de 1854. Em vista disso, optou-se, em 1860, transformar a Repartição numa Diretoria da Secretaria do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas16 .

As dificuldades em dar conta de situações tão variadas no país e a escassez de recursos seriam também apontadas como outras das razões possíveis para o não cumprimento das exigências do regulamento. Assim, por exemplo, em 1863, o relatório do ministério informava que haviam sido feitos importantes trabalhos de legitimação e revalidação nas províncias do Ceará, Alagoas, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande do Sul, "não podendo dizer o mesmo das províncias do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Mato Grosso por não haverem recebido ainda as informações dos respectivos juizes e comissários"17 .No entanto, apesar dos esforços, a evidência do fracasso da política de regularização fundiária ficaria por demais visível nos Relatórios Oficiais ao longo de toda década de 70. Em 1870, o Relatório do Ministério da Agricultura informava que a Lei de 1850 deveria ser revista, pois "ela nem sequer pôde impedir, como pretendeu, o abuso da invasão das terras públicas, as quais continuam não só a ser assoladas, extraindo madeira de lei de suas matas para ser vendida como também a ser possuída ilegalmente e sem estorvo"18 .Ademais, as dificuldades dos órgãos responsáveis em discriminar as terras públicas das privadas se somariam à união de interesses dos grandes fazendeiros para impedir que parte das terras devolutas servissem para os aldeamentos indígenas, conforme o estabelecido em lei.

Assim sendo, ao menos na Província do Rio de Janeiro, os ofícios do Presidente de Província pedindo informações às Cãmaras Municipais sobre o número de índios nas aldeias e extensão e valor de suas propriedades tornavam-se inócuos19 . Da mesma forma, as Cãmaras Municipais tendiam a não responder às solicitações referentes à existência de terrenos devolutos em seus respectivos municípios. Em 1870, apenas quatro dos municípios fluminenses haviam respondido a um aviso em que se exigia informações a respeito: Nova Friburgo, Mangaratiba, Rio do Claro e Itaboraí. O primeiro declarou que os terrenos devolutos ali existentes eram "tão estéreis e colocados nos altos das serras que por esse motivo não foram apossados". O segundo repetira parte da informação que havia sido divulgada em 1865 acerca da existência destes terrenos em Ingaíba e Jacareí , "embora sejam contestadas por pessoas que dizem acharem-se elas incluídas em sesmarias que lhes pertencem". Ao mesmo tempo, nada mais se dizia acerca da provável existência de terrenos devolutos na freguesia de Mambucaba. O município do Rio do Claro informou a existência de terrenos devolutos nos altos da serra de Angra dos Reis e Mangaratiba, porém ocupados por foreiros. Por fim, o de Itaboraí declarou não existir ali terrenos devolutos Quinze anos mais tarde, o Governo enviou, em maio de 1885, uma Circular às Cãmaras Municipais do Rio de Janeiro, solicitando informações acerca da existência de terrenos devolutos. Muitas das Cãmaras Municipais não deixaram de responder à Circular do Presidente de Província, mas simplesmente registraram: "temos a honra de informar que neste município não há terrenos devolutos"20 .Ao forjar a inexistência de terrenos devolutos em seus municípios, as Cãmaras Municipais da Província do Rio de Janeiro, e provavelmente também de outras províncias, reiteravam os pressupostos que haviam consagrado o poder dos senhores de terras. Enquanto vereadores, os grandes fazendeiros nada mais faziam do que impedir a regularização da estrutura fundiária, capaz de limitar os seus poderes. Em cada cantão do território fluminense e quiçá do nacional, se criava a ficção da inexistência de terrenos devolutos, ao mesmo tempo que fazendeiros e lavradores continuaram a expandir suas terras pelas portas dos fundos de suas fazendas e sítios. Neste processo de incorporação ilegal de terras, os terratenentes expulsavam os pobres do campo. Os mesmos que haviam ocupado primeiramente pequenas parcelas, anteriormente sem dono.

As invasões das terras devolutas pelos fazendeiros continuaram nos últimos anos do Império. Os esforços do governo em deter o controle sobre as suas terras continuaram nos primeiros anos da República, como podemos perceber a partir do Projeto de Registro Torrens, de autoria de Rui Barbosa, Manoel Ferraz Sales e Francisco Glicério - Ministros e Secretários do Governo Provisório21 . A Primeira Constituição Republicana porém, passou para os governos estaduais a responsabilidade acerca das terras devolutas localizadas nas respectivas regiões. Neste sentido, ao descentralizar a questão das terras devolutas, o Governo Federal permitiu que as oligarquias regionais obstaculizassem qualquer política de discriminação destas terras.

III- Os pobres no campo: a luta pelo acesso à terra

Mas se podemos falar de incorporação ilegal das terras devolutas pelos fazendeiros isso não significa afirmar que tal processo foi tranqüilo. Ao contrário, ao longo do século passado, os pobres do campo reivindicavam e lutaram pelo seu direito à terra. Era considerado legítimo que a terra apossada fosse efetivamente aquela onde haviam sido feitos atos possessórios. Assim, os limites entre fazendas e sítios deveriam se dar nas fronteiras das culturas efetivas, práticas agrícolas demonstrativas de ocupação.

Neste mesmo sentido, as áreas com matas virgens, terras ainda devolutas, poderiam pertencer àquele que ali fizera em primeiro lugar atos possessórios. Em pequenas parcelas de terras, homens com poucos recursos plantavam pequenas roças de alimentos e construíam a suas choupanas. Mas este mesmo território era cobiçado por fazendeiros e lavradores que buscavam expandir os seus domínios e, muitas vezes, negavam, pela prática da expulsão, as parcelas de terras, antes pertencentes aos pequenos posseiros.

O sentimento de injustiça dos pequenos posseiros não era nenhuma abstração teórica sobre o seu direito à terra. Era resultado de uma certeza, dificilmente questionável. Com o seu trabalho, eles haviam derrubado as matas, iniciado as suas pequenas plantações. O seu direito àquela terra estava assentado em uma realidade vivida no trabalho cotidiano de sua luta pela sobrevivência.

Não estavam negando o direito à terra dos fazendeiros e lavradores. Queriam apenas ser reconhecidos como seus confrontantes. Exatamente por isso acabavam por limitar o poder dos grandes fazendeiros. Tratá-los como meros invasores, como possuidores arbitrários, agindo de má fé, era uma forma de negação de seu direito e de seu trabalho, de submetê-los aos ditames do poder dos senhores de terras.

A ação dos pequenos posseiros era entendida como violenta e ilegal, pois feria os pressupostos que permitiam aos fazendeiros se considerarem legítimos ocupantes das terras em litígio.

Porém, as análises por mim realizadas em processos de Embargo do século passado nos mostram que as ações de pequenos posseiros não feriam, na maioria das vezes, as regras legais, no que se refere, por exemplo, à primazia daquele que havia feito atos possessórios.. No entanto, tais ações se tornavam ilegais porque a justiça de suas reivindicações, calcadas nas práticas culturais e na própria legislação, os transformava - aos olhos dos fazendeiros - numa potencial ameaça.

A ameaça representada pela possibilidade dos pequenos posseiros virem a limitar a terra dos grandes fazendeiros, impunha um esforço destes últimos para impedir que aqueles viessem, de fato e de direito, a ocupar pequenos quinhões de terra. Por isso era também preciso que a decisão da justiça estivesse de acordo com uma das interpretações possíveis acerca do direito à terra. O fato dos fazendeiros se autodenominarem senhores e possuidores de terras significava que eles tinham o domínio sobre a terra e sobre os homens que ali habitavam.

IV - Considerações Finais

Nos dias de hoje, o argumento da existência de amplas áreas de terras devolutas para fins de Reforma Agrária revela a ignorãncia acerca de uma parte importante do processo de constituição da estrutura agrária brasileira vigente. Ao arrepio da lei, fazendeiros e lavradores do século passado invadiram as terras devolutas e as transformaram como parte de seu domínio. Condenar as ações dos Sem Terra com o argumento de que eles estão invadindo terras privadas é desconhecer a história da ocupação territorial do Brasil e legitimar as invasões praticadas pelos fazendeiros de outrora.

Se estamos hoje atentos à consolidação de um conceito de desenvolvimento humano que é definido "como um processo para ampliação da gama de opções e oportunidades das pessoas"22 , isso deve compreender o reconhecimento da luta dos que se negam a aceitar a estrutura fundiária de nossos dias. Isso deve implicar também reconhecer que devemos fazer um "acerto de contas com o passado". Não basta alardear que possuímos terras devolutas, é preciso proteger o patrimônio público do país. Não basta reafirmar os direitos sociais do cidadão. Para os pobres do campo, assegurar hoje o seu direito à terra implica assegurar o seu direito de conhecer a história da ocupação territorial do Brasil.

Há uma linha de continuidade entre o conteúdo expresso nos jornais de maior circulação do país nos dias de hoje e os argumentos presentes nos processos de embargo, de mais de um século atrás. O termo invasor, tanto no primeiro como no segundo caso, serve para desconsiderar a legitimidade das ações empreendidas pelos sem-terra.

Há ainda outro aspecto da continuidade. Tanto antes como hoje, os sem-terra afirmaram e afirmam que as terras ocupadas são, na verdade, terras devolutas, e não parte do domínio de um fazendeiro.

Em suma, se a história pouco nos tem ensinado, ela ainda é um combustível importante na construção da legitimidade das ações do movimentos sociais. E neste sentido, será sempre importante repetir que a luta pelo acesso à terra no Brasil tem implicado uma reiterada resistência dos pobres do campo ao poder dos grandes fazendeiros deste país.

Bibliografia

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro / Correspondência Recebida pela Presidência da Província, 1872/1885.

Brasil. Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários.

Lei número 601, de 18 de setembro de 1950 Coletãnea: legislação agrária, legislação de registros públicos, jurisprudência. Maria Jovita Wolney Valente (elaboração) Brasília, 1983.

Fajardo, Elias - Em julgamento a violência no campo. Petrópolis, Vozes; Rio de Janeiro, Fase, 1988, p. 5 Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 1995, p. 1-6.

Folha de São Paulo. 09 de novembro de 1995, p.1-14 Folha de São Paulo. 23 de outubro de 1995, p. 1-3.

Folha de São Paulo. 30 de outubro de 1995, p.1-8.

Jornal do Brasil. 14 de março de 1993, p.9.

Motta, Márcia Maria Menendes Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e Direito Agrário no Brasil de meados do século XIX. Campinas, UNICAMP, Tese de Doutorado, 1996.

Pressburger, Miguel. Terras Devolutas. O que fazer com elas? Rio de Janeiro, Instituto Apoio Jurídico Popular/FASE, 1990.

Relatórios do Ministério da Agricultura , anos de 1860/1870.

Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, 1996.

Rio de Janeiro, IPEA; Brasília, D.F., PNUD, 1996.

Salles, Ricardo e Veiga, Sandra Mayrink " Os Três Brasis: Novo Cenário para as próximas eleições municipais?".

Proposta. Rio de Janeiro, Fase, ano 24, n0 69, junho de 1996, p. 10.0 Sodero, Fernando- Esboço Histórico da Formação do Direito Agrário no Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Apoio Jurídico Popular/FASE, 1990.

NOTAS

1 - Ricardo Salles e Sandra Mayrink Veiga" Os Três Brasis: Novo Cenário para as próximas eleições municipais?".

Proposta. Rio de Janeiro, Fase, ano 24, n0 69, junho de 1996, p. 10.0

2 - O subtítulo é uma paráfrase do interessante trabalho de Miguel Pressburger. Terras Devolutas. O que fazer com elas? Rio de Janeiro, Instituto Apoio Jurídico Popular/FASE, 1990.

3 - Nascido como resposta à extrema concentração fundiária do país, pensado como uma alternativa à falência das propostas de esquerda, o M.S.T desafia-nos a refletir sobre sua dinãmica, estrutura e composição, ao mesmo tempo em que nos coloca a imperiosa necessidade de se repensar as matrizes teóricas que sempre sustentaram a noção de que o campo foi e é apenas o "lugar do atraso".

4 -Fernanda da Escóssia "Campanha pela Terra politiza movimento". Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 1995, p. 1-6.

5 - Estanislau Maria - "Três mil famílias invadem área pública no sul do Pará". Folha de São Paulo. 09 de novembro de 1995, p.1-14

6 - "Treze milhões à espera da reforma agrária"- Jornal do Brasil. 14 de março de 1993, p.9.

7 - Vicente Paulo da Silva - "Terra, trabalho, alimento, paz" - Folha de São Paulo. 23 de outubro de 1995, p. 1-3.

8 - Os dados foram colhidos num livro publicado em 1988. Desta data em diante muitos outros assassinatos foram cometidos e se manteve a prática geral de impunidade. Elias Fajardo - Em julgamento a violência no campo. Petrópolis, Vozes; Rio de Janeiro, Fase, 1988, p. 5

9 - Lei número 601, de 18 de setembro de 1950. Brasil. Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários. Coletãnea: legislação agrária, legislação de registros públicos, jurisprudência. Maria Jovita Wolney Valente (elaboração) Brasília, 1983. pp.357-358. (Doravante: Coletãnea).

10 - George Alonso - "Justiça pode tirar terras dos fazendeiros" -Folha de São Paulo. 30 de outubro de 1995, p.1-8.

11 - Para uma análise sobre a Lei de Terras, seu regulamento e o Registro Paroquial de Terras, vide Márcia Maria Menendes Motta Nas Fronteiras do Poder: Conflitos de Terra e Direito Agrário no Brasil de meados do século XIX. Campinas, UNICAMP, Tese de Doutorado, 1996.

12 - No capítulo I regulamentava-se a Repartição Geral das Terras Públicas. No capítulo II estabelecia-se a forma pela qual seriam medidas as terras públicas, com a criação do cargo de Inspetor Geral das medições e o papel dos agrimensores, além da afirmação de que se procederia a formação dos mapas de cada território medido. Os capítulos III e IV reafirmavam a obrigatoriedade da revalidação e legitimação das terras particulares. O capítulo V dispunha sobre a venda das terras públicas, enquanto o capítulo VI preocupava-se com as terras reservadas para a colonização, aldeamento indígena e a fundação de povoações. O capítulo VII dispunha sobre as terras devolutas situadas nos limites do Império com outros países. O capítulo VIII procurava firmar normas e estabelecer os responsáveis pela conservação das terras devolutas . Por fim, o último capítulo fixou as normas para os registros das terras possuídas. "Decreto número 1.318, de 30 de janeiro de 1854". Coletãnea, pp. 361-374.

13 - Capítulo I" Da repartição Geral das Terras Públicas" Decreto, 1854 idem, p. 361-362.

14 - Capítulo IX " Do Registro das Terras Possuídas". Pelo artigo 103 deste capítulo, "Os Vigários terão livros abertos, numerados, rubricados e encerrados. Nesses livros lançarão por si e por seus escreventes, textualmente, as declarações, que lhe forem apresentadas, e por esse registro cobrarão do declarante o emolumento correspondente ao número de letras, que contiver um exemplar, a razão de dois reais por letra, e dos que receberem farão notar em ambos os exemplares".

Pelo artigo 107, após o prazo estabelecido para os registros, um dos exemplares do conjunto das declarações deveria ser remetido ao Delegado do Diretor Geral das terras públicas da Província, "para em vista deles formar o registro geral das terras possuídas na Província, do qual se enviará cópia ao supra dito Diretor para a organização do registro geral das terras possuídas no Império" Decreto, 1854 ,ibidem pp. 373 -374.

15 - Relatório do Ministério da Agricultura (Doravante: R.M.A), anos de 1860/1870.

16 - R.M.A., 1860.

17 - R.M.A., 1863, p.25.

18 - R.M.A.,1870, p.16.

19 - Entre outros, podemos citar os seguintes documentos e ofícios enviados pelo Presidente de Província: "Pedido de informações sobre o número de índios nas aldeias, extensão e valor das propriedades habitadas e despovoadas", 1854; a Circular de 1855 "pedindo informações sobre número de índios, aldeias e terras; o "Pedido de informe sobre aldeamentos indígenas, sobre rendimentos e invasão", em 1862; o "Pedido de informe sobre aldeamento de índios, sua localização, extensão das terras, tribos que engloba, número de índios, estágios em que se encontram", em 1872. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (Doravante: A.P.R.J) / Correspondência Recebida pela Presidência da Província.

20 - A Circular foi respondida pelos seguintes municípios: Barra Mansa, Barra de São João, Cabo Frio, Cantagalo, Capivari, Iguassú, Itaguaí, Niterói, Nova Friburgo, Paraíba do Sul, Parati, São Fidélis, São João da Barra, Sapucaia e Vila do Carmo) A.P.R.J./ Correspondência recebida pela Presidência das Cãmaras Municipais, 12 de março de 1885.

21 - O projeto visava acabar com a confusão em matéria de títulos de domínio, transferências e aquisição de propriedade imóvel. Objetivava, portanto, legalizar as posses não fundadas em título legítimo. Pelo projeto, o registro tornava-se obrigatório para as terras devolutas que eram adquiridas do Governo e facultativo para as que se encontravam sobre o domínio particular. Fernando Sodero - Esboço Histórico da Formação do Direito Agrário no Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Apoio Jurídico Popular/FASE, 1990.

22 - Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, 1996. Rio de Janeiro, IPEA; Brasília, D.F., PNUD, 1996, p. 1916

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