V Congreso de Antropologia Social

La Plata - Argentina

Julio-Agosto 1997

Ponencias publicadas por el Equipo NAyA
https://www.equiponaya.com.ar/
info@equiponaya.com.ar

ESPAÇOS, VIVÊNCIAS E IDENTIDADES Os Camponeses do Alto Uruguai e a Hidrelétrica de Itá*

Maria José Reis

Introdução

A política energética brasileira, em relação à geração de energia elétrica, esteve apoiada, especialmente a partir da década de 70, na implantação de grandes projetos(1) destinados ao aproveitamento de recursos hídricos.

Este é o caso da usina hidrelétrica de Itá, em construção na região do Alto Uruguai, entre os estados brasileiros do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Seus desdobramentos, a nível sócio-cultural local constituem, a grosso modo, o objeto de uma investigação que venho desenvolvendo, cujo contexto e problemática serão o tema da presente comunicação.

Os levantamentos sistemáticos das bacias fluviais do sul do Brasil, com vistas à produção de energia elétrica foram realizados pelo Comitê de Estudos Energéticos da Região Sul (ENERSUL), de 1966 a 1969. Quanto à bacia do Rio Uruguai, foram revistos em 1977, pelas Centrais Elétricas do Sul do Brasil (ELETROSUL). Em outubro de 1979 foram publicados os resultados desta revisão, que resultaram na proposta da implantação de 22 barragens na referida bacia, entre as quais as de Machadinho e Itá, as primeiras a serem implantadas(2).

A barragem de Itá deverá ser construída no próprio rio Uruguai, próxima à desembocadura do rio Uvá, entre os municípios de Itá (SC) e Aratiba (RS) (ELETROSUL/CNEC, 1981). Seu reservatório terá 141 km2 de superfície e implicará no alagamento de 2806 propriedades rurais e 342 urbanas. A cidade de Itá será a única sede municipal a ser inundada. Sua população já foi quase integralmente instalada pela ELETROSUL na "Nova Itá", localizada a 4 km da antiga sede municipal. Quanto às áreas rurais a serem alagadas ou requisitados para instalação da infra-estrutura necessária à implantação da hidrelétrica em questão, estão localizadas em cinco municípios catarinenses (Itá, Concórdia, Ipira, Peritiba e Piratuba) e quatro gaúchos (Aratiba, Marcelino Ramos, Mariano Moro e Severiano de Almeida) (ELETROSUL/CNEC, 1990).

Os dados oficiais atualizados em relação ao número de pessoas a serem deslocadas em conseqüência da instalação da hidrelétrica de Itá estimam, conforme o Cadastro Sócio-Econômico realizado pela ELETROSUL (ELETROSUL, 1997), que serão desalojadas cerca de 16.000 pessoas (ELETROSUL, 1997) das quais, por volta de 90%, ocupantes de áreas rurais.

O Alto Uruguai: Ocupação Histórica e Contexto Atual

Ocupada em tempos imemoriais por diferentes grupos indígenas (Santos, 1973), a região do Alto Uruguai teve suas florestas cruzadas por padres jesuítas, à partir de 1630, quando comandavam migrações de índios guarani em direção ao sul. Ainda neste mesmo século, vieram os bandeirantes e, já no século XVIII,a região é percorrida por preadores de gado, provenientes de diferentes direções. Instaladas as "fazendas de criar" na região dos Campos de Guarapuava (PR), no início do século passado, desenvolve-se na área em questão o "tropeirismo"(3). Esta atividade foi importante no processo de povoamento do território sul brasileiro. Para desenvolvê-la, foi aberta uma estrada ligando os referidos campos ao Rio Grande do Sul, surgindo nos pontos de pouso, ao longo do percurso, novos povoados, ainda que esparços. Além deste modo de ocupação, a região também recebeu parte do excedente da população das fazendas de criar dos Campos de Palmas (PR), Erê, Irani e Lages (SC), que se estabeleceu nas áreas de pinheiros e matas. Outros vieram das fazendas do Rio Grande do Sul, ou foram afastados das terras que ocupavam, via de regra como posseiros, pela imigração européia que, neste Estado, se inicia a partir de 1824. Tratava-se de uma população auto-identificada como brasileira, sendo reconhecida como tal ou como "cabocla",(4) dedicada à pequena lavoura de subsistência e à extração de erva-mate.

O processo de ocupação por imigrantes europeu ou seus descendentes, auto-denominados e reconhecidos como "colonos"(5) , iniciou-se, em território gaúcho do Alto Uruguai, na última década do século XIX. Do lado catarinense, esta ocupação ocorreu particularmente a partir de 1917, após a resolução da Guerra do Contestado(6) provocada, em parte, pela expulsão da populaçào cabocla da região. A referida expulsão deveu-se ao fato das terras por eles ocupadas terem sido doadas à "Brazil Railway Company", responsável pela construção da estrada de ferro São Paulo/Rio Grande do Sul e, posteriormente, colocadas à venda por companhias colonizadoras.

Estas e outras terras da região do Alto Uruguai, loteadas por diferentes companhias foram, assim, adquiridas por colonos de ascendência européia, especialmente italiana e alemã e, em menor escala, polonesa e russa. Pequena parte deles era proveniente diretamente de seus países de origem, sendo a maioria procedente das chamadas "Colônias Velhas" do Rio Grande do Sul(7).

Em consequência, a população atual ocupante da referida região - basicamente "colonos" e remanescentes "caboclos" - é constituída majoritariamente (70%), por pequenos produtores rurais, em regime, portanto, de economia familiar(8) , vivendo em propriedades em média de 17 ha. Produzem trigo, batata, cana-de-açúcar, feijão, entre outros produtos, predominando as culturas de milho e soja. Dedicam-se, ainda, à criação de suínos e aves, atividade desenvolvida em integração com agro-indústrias (cerca de 47% de produtores), além da vinculação à cooperativas, para fins de comercialização da produção agrícola, (ELETROSUL/CNEC, 1981, 1987 e 1989).

A ELETROSUL e a CRAB: Confrontos e Negociações

Assim que são publicados os resultados dos estudos sobre a região em questão, ainda em 1979, a população camponesa tomou conhecimento do "Projeto Uruguai", desencadeando-se, a partir daquele momento, um movimento popular de questionamento ao referido Projeto(9), - o Movimento dos Atingidos por Barragens - através do trabalho de base desenvolvido por lideranças ligadas às atividades sindicais, às Igrejas Católica e de Confissão Luterana e à Comissão Pastoral da Terra (CPT). Cria-se, em 1980, a CRAB (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens), com sede na cidade de Erexim (RS). A partir daí, multiplicam-se as comissões locais e municipais, estendendo-se a mobilização por todas as áreas a serem afetadas pelas barragens do Uruguai.

Foi graças às pressões exercidas pela população camponesa, através da mediação da CRAB que, depois de muitos enfrentamentos e conflitos com a ELETROSUL, foi firmado, em outubro de 1987, um acordo(10) entre as partes interessadas. Este acordo resultou em um outro documento(11) , tendo como finalidade estabelecer diretrizes para o deslocamento da população camponesa das áreas requeridas para a implantação das barragens de Itá e Machadinho. Nele são indicadas três alternativas para as unidades familiares rurais, como solução para o deslocamento das terras ocupadas: - indenização da terra e benfeitorias
- a troca de terra por terra
- reassentamento coletivo.

Além destas soluções previstas no referido documento, ainda que com forte resistência do Movimento dos Atingidos, a ELETROSUL tem encaminhado outras soluções, como o reassentamento individual de famílias em "áreas remanescentes"(12), bem como tem concedido "cartas de crédito" para que as famílias a serem removidas adquiram, também individualmente, novas terras e aí se instalem sem sua interferência.

Conforme a ELETROSUL (1997)(13), até fevereiro de 1997 tinham sido indenizadas 1932 famílias rurais; reassentadas coletivamente 371; reassentadas individualmente em áreas remanescentes 38 e distribuidas 77 cartas de crédito.

No que diz respeito aos reassentamentos coletivos, foram adquiridas e preparadas ou estão em processo de instalação, sete glebas, quatro das quais localizadas em municípios paranaenses (Marmeleiro, Mangueirinha, Chopinzinho e Honório Serpa), duas em municípios catarinenses (Campo Erê e Campos Novos) e uma em município riograndense (Chiapetta). Até o início do presente ano, em ordem de instalação, foram reassentadas 32 famílias em Marmeleiro, 50 em Campo Erê, 81 em Mangueirinha, 74 em Chopinzinho, 38 em Honório Serpa, 66 em Chiapetta, havendo a previsão de serem reassentadas mais 30 famílias em Campos Novos, reassentamento ainda em fase de implantação.

A Problemática da Pesquisa

A implantação de grandes usinas hidrelétricas resulta de iniciativas complexas e multidimensionais, que compreendem aspectos econômicos, técnicos, políticos, sócio-culturais e ecológicos, relacionados em um intrincado jogo de mútuas interações e condicionamentos. Por suas dimensões, dependem, conforme Ribeiro (1991), de grandes movimentos de capital e mão-de-obra e envolvem a presença de um número significativo de atores sociais (Bartolomé, 1983). Entre estes atores, destacam-se as instituições financeiras nacionais e internacionais, a corporação consorciada responsável pela execução do empreendimento, as empresas de consultoria e as populações regional e local, que ocupam as áreas destinadas a alojar as obras em questão.

Por outro lado, como lembra Souza (1988:124), o processo de apropriação econômica dos recursos hídricos e ambientais que concorrem para a instalação de barragens, implica sempre em um prévio processo de expropriação e de reconversão da base material e social da região onde se instala o empreendimento. Na verdade, "A região, o meio ambiente e tudo o mais são olhados a partir do grande projeto, parte e função de uma estratégia setorial. Quanto às populações, passam a ser um obstáculo que deve ser removido para limpar o terreno" (Vainer e Araújo 1992:125).

Além do espaço específico destinado a alojar a hidrelétrica, parte do território é inundado devido a formação do reservatório. Seu entorno é apropriado para fins de conservação como área de proteção ambiental. Outras áreas são ocupadas por vilas residenciais e alojamentos para técnicos e trabalhadores da obra, ou recortadas pela construção de novas estradas e a instalação de linhas de transmissão.

Disto decorre que, à nível local, entre os efeitos e constrangimentos resultantes da implantação de grandes barragens, destaca-se, como o mais penoso e traumático, o deslocamento conpulsório das populações ocupantes dos espaços requeridos pelo empreendimento. Este deslocamento, como bem o demonstram experiências nacionais e internacionais(14) instala um acelerado processo de mudanças sócio-culturais cujos desdobramentos excedem, de muito, a temporalidade demarcada pela construção da obra. Enfim, como salienta Bartolomé (idem:7), desencadeia, via de regra, uma situação de "drama social". Isto é, submete à duras provas as estratégias adaptativas tradicionais e põe em evidência, especialmente no caso das populações indígenas e camponesas, que estão cotidianamente em intensa ligação com o seu meio ambiente, a insegurança básica de uma verdadeira situação de desenraizamento.

Entretanto - e esta foi a perspectiva que norteou a definição de minha proposta de pesquisa - efeitos sociais substantivos, a reação, enfim, das populações locais que será, a rigor, resultante da conjugação de uma multiplicidade de situações e fatores, ocorrerá de modo específico em cada caso particular(15) . Dependerá, em primeira mão, do modo como estão estruturadas as relações sociais dos segmentos sociais afetados, de suas estratégias adaptativas em articulação com o território que ocupam como, também, dos sistemas cognitivos e do universo de valores que dão sentido a estas relações. Por outro lado, terá a ver com o modo como os responsáveis pelo empreendimento irão proceder em seu relacionamento com estes segmentos e com a lógica através da qual nortearão suas ações.

Vários estudos nacionais como os de Martins-Costa (1989), Faillace (1990) e Vianna (1992), têm demonstrado a diversidade de reações e percepções das populações locais afetados pela instalação de hidrelétricas. Por ouro lado, alguns outros trabalhos(16) têm se preocupado em investigar as próprias "versões oficiais", através da decodificação de determinados conceitos veiculados por documentos, tais como o "Plano Diretor da ELETROBRÁS" e textos que compõem a Legisllação Ambiental, responsáveis pela normatização das ações do setor elétrico brasileiro quanto à estas questòes.

Os resultados destes trabalhos, em conjunto, me autorizam a considerar que o evento da implantação de hidrelétricas pode ser pensado, inspirando-me em Ricoeur (1978:41), como um "evento fundador"(17) , um núcleo de sentidos, em torno do qual gravitam versões ou discursos diferentes, a partir do lugar social que ocupam os diferentes autores/atores dos processos decorrentes destes fenômenos, enfim, um evento polifônico e polissêmico.

Certamente também o caso de Itá comporta diferentes concepções e versões.

Para o setor elétrico, esta barragem se constitui, no mínimo, em mais uma obra a ser construída, parte de uma seqüência "natural" de empreedimentos, prevista em seu projeto de produção de energia para a bacia do Uruguai.

Em relação à população local, no entanto, desde a notícia da intenção de construção da obra, criou-se uma situação de crise. Instalou-se um tempo de rupturas e de temporária suspensão de seus projetos de vida, constituindo-se, a possibilidade de implantação da barragem, deste modo, em um verdadeiro marco histórico.

Assim sendo, tendo a pensar que, para os segmentos sociais em questão, o período anterior ao deslocamento, se configura como uma espécie de "presente congelado", lembrando Le Goff (1990:205), ao mesmo tempo das "coisas passadas e das coisas futuras". Como diria Baczko (1985:309), "um momento de perigosa proliferação do imaginário", que caminha para frente e para trás, tendo como referência o evento extraordinário da instalação da barragem. Um tempo de reatualização e estimulação da memória coletiva e da consciência sobre "tudo o que significa"(18) .

Com base nestas considerações é que me propus a coletar imagens do passado, invocadas e recosturadas em uma visão prospectiva centrada no presente, buscando igualmente, dos ainda não deslocados, antevisões do futuro e, dos já reassentados, apreciações sobre sua nova realidade.

Meu objetivo, em termos mais específicos, é recuperar e refletir - à partir, especialmente, das percepções e representações dos próprios camponeses do Alto Uruguai - sobre experiências vivenciadas em três momentos de sua trajetória histórica. Experiências no que diz respeito a sua relação com o espaço físico e à relação destes próprios atores sociais entre si, auto-identificados e reconhecidos, em cada uma destas temporalidades, como diferentes sujeitos sociais.

Estou me propondo, nestes termos, a pensar sobre vivências/experiências(19), espaços(20) e identidades(21), como eixos que se interseccionam, constituindo três tempos ou momentos subseqüentes.

O primeiro dos momentos a ser recuperado, o passado, tempo da "colonização", da domesticação e construção dos espaços, teve seu início com a migração dos pequenos produtores para o Alto Uruguai. Esta, ao contrário da migração coletiva e compulsória provocada pela construção da barragem de Itá, foi motivada pelos projetos e expectativas das unidades familiares camponesas, que tinham como objetivo garantir sua reprodução social enquanto "colonos". Isto é, enquanto certo tipo de camponês etnicamente distinto, mas sobretudo proprietário da terra que ocupa. Para recuperar este momento, estou estimulando e registrando um trabalho de memória(22), através de entrevistas com camponeses idosos que efetivamente vivenciaram o processo de ocupação da área e de configuração da paisagem atual.

Além das narrativas que dizem respeito à saga vivenciada no esforço de reiniciar a vida produtiva, estabelecer as redes de sociabilidade locais, instalar e compatilhar bens e atividades comunitárias, os relatos têm fornecido elementos para recuperar aspectos pouco referidos nas reconstituições históricas sobre a região. Entre estes aspectos, vale lembrar as imagens sobre o papel histórico desempenhado pelo Rio Uruguai, por suas florestas, etc. É importante ressaltar, contudo, que as referências a estes e outros elementos do espaço físico e social, não estão baseados apenas em razões práticas. Há nos referidos relatos, uma série de valores centrados em razões simbólicas, que podem contribuir para a compreensão das motivações que levam os camponeses a optarem, em relação à retirada da área a ser alagada, por uma ou outra das alternativas já referidas.

O segundo momento, o presente, se inaugura com a notícia da instalação da barragem e se prolonga até a retirada das unidades familiares da área. Este tem sido o momento - que para muitas famílias já dura mais de 15 anos - da desestruturação territorial e a desarticulação das redes de sociabilidade locais(23) .

Mas este não é apenas um tempo de rupturas e incertezas. É nele que se desenvolve o trabalho de mobilização, conscientização e assessoria da CRAB, que se apropria de uma categoria já utilizada nos documentos da ELETROSUL, a de "atingido"(24), internalizada pela população camponesa como auto-referência, transformando-se, assim, em uma nova identidade social. Esta identidade é construída especialmente à partir de "perdas", virtuais ou reais, da "terra", de "nossa história", "da comunidade", etc. Deste modo, além de ser o momento em que se desencadeia um processo de vitimização é, sobretudo, um tempo de luta política, que faz do "atingido" um sujeito social disposto a conquistar e garantir direitos(25) .

Por último, o futuro, tempo da reconstrução dos espaços físico e social, do reassentamento e dos "reassentados"(26), tendo como contraponto e referência os lugares e a sociabilidade do passado. Este momento que já está sendo vivenciado há vários anos pelos reassentados de Marmeleiro e Campo Erê(27) que estou investigando, tem significado também, para a maioria dos reassentados, a possibilidade do acesso à terra como proprietários. Esta nova condição é, na verdade, um dos aspectos mais positivamente enfatizados nas entrevistas realizadas. Sua conquista, entretanto, além de ser fruto de muitas lutas levadas à cabo durante os anos de espera pela migração, no Vale do Uruguai, não tem ocorrido, em seu novo ambiente, sem conflitos, tensões e frustações.

Entre as dificuldades relatadas, foram ressaltadas aquelas decorrentes de aspectos geográficos (condições do solo, do clima, presença de "pragas", etc.); das restrições de acesso ao crédito bancário e à meios de comercialização dos produtos; da convivência com "estranhos"(28); das condições inadequadas e da deteriorização precoce das casas; da falta de orientação e assistência técnica.

Além destes e de outros aspectos problemáticos, contudo, é indispensável ressaltar que, para além de seus projetos individuais e mesmo em oposição a eles, os reassentados têm-se defrontado, objetivamente, com duas orientações baseadas em concepções diferentes sobre o modo de conduzir o processo produtivo.

De um lado, a CRAB tem incentivado a criação de "grupos coletivos" para a aquisição de equipamentos agrícolas, cooperação nas tarefas produtivas, etc., e o uso de técnicas alternativas de produção e manejo do solo (controle biológico de pragas, adubação verde, etc.). De outro, a ELETROSUL estimulou e tem criado expectativas de que se transformem em produtores individuais tecnificados e capitalizados utilizando-se, basicamente, nas práticas agrícolas de insumos industrializados (adubos, agro-tóxicos, etc.) nos moldes "produtivistas", próprios do processo de modernização agrícola iniciado no país, especialmente a partir de 1965(29) .

Na prática, a adesão a um ou a outro "modelo", ou a nenhum dos dois, já demarcou grupos, provocou estigmatizações, complicou o processo de definição e legitimação de lideranças, enfim, contribuiu para a ocorrência de desentendimentos e atritos, embora ambas as mediações, por diferentes razões, tenham investido pouco, ou de modo inadequado, na assessoria aos reassentados.

Seja como for, à guisa de conclusão preliminar, é possível afirmar que a tentativa de reconstruir momentos da trajetória histórica dos camponeses do Alto Uruguai, tem evidenciado o fato de que há pelo menos uma constante atravessando as temporalidades em tela: a luta destes pequenos produtores rurais, manifesta sob diferentes formas, para assegurar sua reprodução social enquanto tal. Mais que isto, suas trajetórias estão marcadas, sobretudo, pela aspiração de continuar mantendo um modo de vida, agora ameaçado pela migração compulsória decorrente da instalação da hidrelétrica de Itá.

Bibliografia

ACKERMANN, W.C. et alii (orgs.). Man-Made Lakes: Their Problems and Environmental Effects. Washington, D.C. American Geophysical Union, Geophysical Monograph, vol. 17, 1973.

ASPELIN, P. e SANTOS, S.C. dos. "The Social Threatened by hidroeletric project in Brazil" - Copenhagen: IWGIA (Document 44), 1981.

BACZKO, B. - "Imaginação Social". Enciclopédia Einaudi, vol. 5, Anthropos-Homem, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.

BARABAS, A. e BARTOOMÉ, M.A. - "Hydraulic Development and Ethnocide: The Mazatec and Chinantec People of Oaxaca, México". Copenhagen, IWGIA. (International Work Group for Indigenous Affairs). Doc. 15, 1973.

BARTOLOMÉ, L.J. - Aspectos Sociales de la Relocalización de la Población Afectada por la Construción de Grandes Represas. In: Seminário Efectos Sociales de las Grandes Represas de America Latina. (F. Suarez et alii, etc.). Fundación Cultura Universitaria para CIDES (OEA) e ILPES (ONU), 1983.

BARTOLOMÉ, L.J. - (org.) Relocalizados: Antropologia Social de las Poblaciones Desplazadas. Buenos Aires, Ediciones del IDES, 1985.

BARTOLOMÉ, M. e BARABAS, A. - La Presa Cerro de Oro y el Ingeniero el Gran Dios. México, Consejo Nacional para la Cultura y los Artes/Inst. Nac. Indigenista, 1990.

BENAVENTE, G.E. - "Retrospectiva y Prospectiva de los Reasentamientos en el Sector Eletrico Mexicano". Florianópolis, Seminário Internacional sobre Reassentamento involuntário no Setor Elétrico, Banco Mundial/ELETROBRÁS, 1992.

BOSI, E. - Memória & Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo, EDUSP, 1987.

BRANDÃO, C.R. - A Lógica da Terra. A Percepçõ e a Apropriação do Meio Ambiente entre Camponeses da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira em São Paulo. (Projeto de Pesquisa). Campinas, UNICAMP, 1991. (mimeo).

BRANDÃO, C.R. Identidade e Etnia. Construção da Pessoa e Resistência Cultural. São Paulo, Brasiliense, 1986.

CABRAL, O.R. - A Campanha do Contestado. Florianópolis, Lunardelli, 1979.

CAMPOS, I. - Colonos do Rio Uruguai. Relação entre Pequena Produção e Agroindústria no Oeste Catarinense. Campina Grande, UFPb, (Dissertação de Mestrado), 1987.

CATULLO, M.R. - "Relocalizaciones Compulsivas de Población: Estudio de un Caso. Ciudad Nueva Federación, Entre Rios". RUNA, 16. Inst. de Ciências Antropológicas, Buenos Aires, Univ. de Buenos Aires, 1986.

CHAMBERS, R. The Volta Resettlement Experience. Londres. Pall Mall Press, 1970.

CERNEA, M.M. (org.) - Putting People First. Sociological Variables in Rural Development. Oxford. World Bank Publication/Oxford Univ. Press, 1991.

COLSON, E. - The Social Consequences of Resettlement. Manchester, Manchester University Press, 1971.

CONNERTON, P. - How Societies Remember. Cambridge, University Press, 1992.

CORREA, E.C. - "Impactos Socio-Economicos del Proyecto Guavio. História y Plan de Manejo". Florianópolis, Seminário Internacional sobre Reassentamento Involuntário de População no Setor Elétrico. Banco Mundial/ELETROBRAS, 1992.

DACANAL, J. (org.) - R.S.: Imigração e Colonização. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1980.

DUQUÉ, G. - "A Experiência de Sobradinho: Problemas Fundiários Colocados pelas Grandes Barragens". Salvador, Cadernos do CEAS. (91), 1984.

ELETROSUL/CNEC. - U.H. de Itá - Estudo de Viabilidade. Florianópolis, 1981.

ELETROSUL - Documento de Acordo entre Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A., 1987.

ELETROSUL/CNEC. - U.H. de Itá - Síntese de Programas Ambientais. Florianópolis, 1989.

ELETROSUL/CNEC. - Plano de Desenvolvimento do Meio-Ambiente. Florianópolis, vol. 2, 1990.

ELETROSUL. "Atualização Estatística do Programa de Remanejamento da População Atingida pelas obras da Usina Hidrelétrica de Itá". Florianópolis, 1997.

FAHIM, H.M. - The Resettlement of Egyptian Nubians. A Case Study in Development Change. Berkeley, California, (Tese de Doutoramento). 1968.

FAILLACE, S. - Comunidade, Etnia e Religião: um Estudo de Caso na Barragem de Itá (RS/SC). Rio de Janeiro, Museu Nacional, (Dissertação de Mestrado), 1990.

FERRAROTTI, F. - Time, Memory and Society. New York, Westport, Connecticut, London, Greenwood Press, 1990.

FERREIRA, A.G.Z. - Concórdia: O Rastro de sua História. Fundação Municipal de Cultura, Concórdia (SC), 1992.

GERMANI, G.I. - Os Expropriados de Itaipu. Porto Alegre, PROPUR, (Dissertação de Mestrado), 1982.

HALBWACHS, M. - A Memória Coletiva. São Paulo, Vértice, 1990.

HALL, F. e MATTOS, T. - Memória. Itá. Florianópolis, SETOF/DDS, ELETROSUL, 1984.

HANSEN, A. e OLIVER-SMITH, A. (orgs.) - Involuntary Migration and Resettlement. The Problem and Responses of Dislocated People. Boulder, Colorado, Westview Press, 1982.

HÉBETTE, J. - "A Resistência dos Posseiros no Grande Carajás". Salvador, Cadernos do CEAS, n. 102, 1986.

HELM, C.M.V. - "A Terra, a Usina e os Índios do Posto Indígena Mangueirinha". In: SANTOS, S.C. dos (org.) O Índios Perante o Direito. Florianópolis, Editora da UFSC, 1982.

_______. "A Hidrelétrica Salto Santiago no Rio Iguaçu e a Depredação do Patrimônio Ambiental e Cultural dos Índios Guarani e Kaingang do P.I. Mangueirinha, PR". Belo Horizonte, XVIII Reunião Brasileira de Antropologia, 1992.

LE GOFF, J. - História e Memória. Campinas, Ed. da UNICAMP, 1990.

MCMAHON, D.F. - Antropologia de una Presa. Los Mazatecos y el Proyecto del Papaloapan. México, Instituto Nacional, 1973.

MAGALHÃES, A.C. - Os Parakanã: Quando o Rumo da Estrada e o Curso das Águas Perpassam a vida de um Povo. São Paulo, USP, (Dissertação de Mestrado), 1982.

MAGALHÃES, S.B. - "Exemplo Tucuruí - uma Política de Relocação em Contexto". In: SANTOS, L.A.O. e ANDRADE, L.M.M. de - As Hidrelétricas do Xingu e os Povos Indígenas. São Paulo, Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1988.

MARTINS-COSTA, A.L.B. - Uma Retirada Insólita: a Representação Camponesa sobre a Formação do Lago de Sobradinho. Rio de Janeiro, Museu Nacional, (Dissertação de Mestrado), 1989.

MENESES, U.B. de - "A História, Cativa da Memória? Para um Mapeamento da Memória no Campo das Ciências Sociais". São Paulo, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. USP, 34, 1992.

MONTEIRO, D.T. - Os Errantes do Novo Mundo. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1974.

NASCIMENTO, E.W. - "Rumo da Terra: Rumo da Liberdade. um Estudo dos Migrantes Rurais do Sul do Estado do Acre". Florianópolis, UFSC (Dissertação de Mestrado), 1985.

PANDOLFI, L.M. - Na Margem do Lago. Um Estudo sobre Sindicalismo Rural. Recife, UFP. (Dissertação de Mestrado), 1986.

PAULILO, M.I.S. - "Os Assentamentos de Reforma Agrária como Objeto de Estudo". In: ROMEIRO, A. et alii (org.). Reforma Agrária. Produção, Emprego e Renda. Rio de Janeiro, Vozes/IBASE/FAO, 1994.

PEBAYLE, R. - "Geografia Rural das Novas Colônias do Alto Uruguai (RS-Brasil)". Porto Alegre, Boletim Geográfico do Rio Grande do Sul, 14, 1971.

PEIXER, Z.I. - Utopias de Progresso. Ações e Dilemas na Sociedade de Itá Frente a uma Hidroelétrica. Florianópolis, UFSC, (Dissertação de Mestrado), 1993.

POLI, J. - "Caboclo: Pioneirismo e Marginalização". In: Cadernos do Centro de Organização da Memória Sócio-Cultural do oeste de Santa Catarina.(CEOM), Chapecó (SC), Ano 5, n. 7, abril, 1991.

QUEIROZ, M.I.P. - "La 'Guerre Sainte" au Brésil: le Mouvement Messianique du "Contestado'". São Paulo, Boletim Sociologia I, n. 5, F.F.C.L./USP, 1957.

QUEIROZ, M.V. de - Messianismo e Conflito Social: a Guerra Sertaneja do Contestado: 1912-1916. Rio de Janeiro, Ed. Civ. Brasileira, 1966.

QUIJADA, J.P. e ROBINSON, S. (org.) - "Reacomodos y Construción de Presas". México, Alteridades. 2(4), Univ. Autonoma Metropolitana, Division de Ciencias Sociales y Humanidades, 1992.

RAPPAPORT, J. - The Politics of Memory. Cambridge, Cambridge University Press, 1990.

REIS, M.J. - "Hidrelétricas e Sociedade: Implicações Político-Ideológicas". Campinas, Anais do XXIX Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. 1991.

RENK, A.A. - A Luta da Erva: um Ofício Étnico da "Nação Brasileira" no Oeste Catarinense. Rio de Janeiro, Museu Nacional, (Dissertação de Mestrado), 1990.

RIBEIRO, G.L. - Developing the Moonland: The Yacyretá Hidroelectric High Dam and Economic Expansion in Argentina. Nova York, City University, (Tese de Doutoramento), 1988.

_______. - Empresas Transnacionais: Um Grande Projeto por Dentro. São Paulo, Marco Zero/ANPOCS, 1991.

RICOEUR, P. - O Conflito das Interpretações. Ensaios de Hermenêutica. Rio de Janeiro, Imago, 1978.

ROCHE, J. - A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1969.

SADER, E. - Quando Novos Personagens entram em Cena. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.

SANTOS, S.C. dos - Índios e Brancos no Sul do Brasil. A Dramática Experiência dos Xokleng. Florianópolis, Lunardelli, 1973.

_______. - Projeto Uruguai, os Barramentos e os Índios. Florianópolis, Relatório de Pesquisa, UFSC/ELETROSUL/FUNAI, 1978. (mimeo).

SANTOS, S.C. dos et alii. Documento sobre Política Energética, Barragens e Populações Atingidas. Florianópolis, UFSC, 1986.

SANTOS, L.O. e ANDRADE, L.M. de (orgs.) - As Hidrelétricas do Xingú e os Povos Indígenas. São Paulo, Comissão Pró-índio, 1988.

SCHERER-WARREN, I. e REIS, M.J. - "As Barragens do Uruguai: Dinâmica de um Movimento Social". Florianópolis, Boletim de Ciências Sociais, n. 42, 1986.

_______. "O Movimento dos Atingidos pelas Barragens do Uruguai: Unidade e Diversidade". Salvador, Cadernos do CEAS, n. 120, 1989.

SCUDDER, T. e COLSON, E. - "The Kariba Dam Project: Resettlement and Local Iniciative". In: BERNARD, H.C. e PELTO, P. (org.) - Technology and Social Change. New York, 1972.

SCUDDER, T. - "The Human Ecology of Big Projects: River Basin Development an Resettlement". Annual Review of Anthopology, 73 (2), 1973.

SCUDDER, T. - Social Impacts of Integrated River Basin Development on Local Population. Budapest, United Nations Department of Economie and Social Affairs (UNPD/UN Interregional Seminar on River Basin and Interbasin Development. Working Paper n. 30), 1975.

SEYFERTH, G. - "Identidade Camponesa e Identidade Étnica (Um Estudo de Caso)". Rio de Janeiro, Anuário Antropológico 91. Tempo Brasileiro, 1993.

SHANIN, T. - "A Definição de Camponês: Conceituações e Desconceituações". Petrópolis, Estudos CEBRAP, Ed. Vozes, 1980.

SIGAUD, L. - "Impactos de Grandes Projetos". Rio de Janeiro, COPPE/UFRJ, 1987 (mimeo).

_______. - "Implicações Sociais da Política do Setor Elétrico". In: SANTOS, L. e ANDRADE, L. - As Hidrelétricas do Xingú e os Povos Indígenas. São Paulo, Comissão Pró-Índio, 1988.

_______. - "A Presença Política dos Camponeses: Uma Questão de Reconhecimento". In: CAMARGO, A. e DINIZ, E. (orgs.) Continuidade e Mudança no Brasil da Nova República. Rio de Janeiro/São Paulo, IUPERJ/Vértice, 1989.

SIGAUD, L., MARTINS-COSTA, A.L. e DAOU, A.M. - "Expropriação do Campesinato e Concentração de terras em Sobradinho: uma Contribuição à Análise dos Efeitos da Política Energética do Estado". Rio de Janeiro/São Paulo, Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, Vértice, 1987.

SOUZA, A.T. - "Os Trabalhadores na Amazônia Paraense e as Grandes Barragens". In: SANTOS e ANDRADE, L. As Hidrelétricas do Xingú e os Povos Indígenas. São Paulo, Comissão Pró-Índio, 1988.

STANLEY, N.F. e ALPERS, M.P. (orgs.) - Man-Made Lakes and Human Health. Londres, Academic Press, 1975.

TEPICH, J. - Marxime et Agriculture. Paris, Armand Collin, 1973.

THOMPSON, E.P. - A Formação da Classe Operária Inglesa. São Paulo/Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

TURNER, V. e BRUNER, E. - Anthropology of Experience. Urbana/Chicago, Univ. of Illinois Press, 1986.

VAINER, C.B. e ARAÚJO, F.G.B. - "Processos de Ocupação Social do Território". V Seminário Nacional sobre Universidade e Meio Ambiente. A Universidade, a Conferência de 92 e a Nova Ordem Internacional. Textos Básicos. Brasília, 1992.

VANSINA, J. - Oral Tradition as History. Wisconsin, The University of Wisconsin, 1985.

VIANNA, A. - "Estado e Meio-Ambiente. Implantação de Hidrelétricas e o Rima". Rio de Janeiro, Tempo e Presença, n, 243m ano 11, 1989.

_______. - Etnia e Território: Os Poloneses de Carlos Gomes e a Luta contra as Barragens. Rio de Janeiro, CEDI, 1992.

VIVEIROS DE CASTRO, E. e ANDRADE, L. - "Obras do Destino: O Ambientalismo Oficial". Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1988.

WAIBEL, L. - "Princípios da Colonização Européia no Sul do Brasil". Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Geografia, 1949.

WARREN, W.M. e RUBIN, N. - Dams in Africa: An Interdisciplinary Study of Man-Made Lakes in Africa. London, Frank Cass e Co., 1968.

WOORTHMANN, K. - "Com Parente não de Neguceia - o Campesinato como Ordem Moral". Anuário Antropológico 87. Brasília, Tempo Brasileiro/Ed. Univ. de Brasília, 1990.

NOTAS

* Trabalho originalmente apresentado no Congresso Internacional Energia na Amazônia, Belém, PA, 1995 e publicado nos respectivos anais.

(1) A literatura especializada apresenta outras denominações para estes projetos, tais como: "grandes projetos de barragens" (Santos et alii, 1986); "projetos de grande escala" (Ribeiro, 1991); "grandes projetos de investimento" (Vainer e Araújo, 1992).

(2) Por razões diversas, entre as quais, especialmente, a reação contrária da população ocupante dos espaços destinados a alojar a obra, a construção da barragem de Machadinho foi adiada, antecipando-se as providências para a instalação da UH de Itá.

(3) O tropeirismo estava vinculado à mineração e à cultura cafeeira, como atividade fornecedora de meios de transporte, principalmente os muares, e de couro e alimentos, através do gado vacum.

(4) Etnicamente os "caboclos" do sul do país têm sido identificados na literatura brasileira como resultantes da miscigenação de índios, negros e descendentes de portugueses. Socialmente, na verdade, tudo indica que se tratavam, principalmente, de antigos ocupantes do espaço das fazendas - peões, agregados, escravos que, excedentes naqueles espaços, penetraram nas matas em busca de alternativas à sobrevivência.

"(5) Categoria social que designa camponeses de ascendência européia, imigrantes ou filhos de imigrantes, que ocupam as áreas de colonização do Brasil Meridional. Cf. Seyferth (1993:38), esta identidade social "aparece como indicativa, em algum grau, de uma condição camponesa e, neste caso, são valores camponeses que presidem sua definição; ao mesmo tempo possui um conteúdo étnico irredutível, que pressupõe uma distintividade cultural e, em certa medida, também racial, em relação àqueles brasileiros denominados caboclos".

(6) Sobre o movimento messiânico, que recebeu na literatura corrente a designação de "Guerra do Contestado", veja-se, entre outros Cabral, (1979); Queiroz, (1957); Queiroz, M.V. (1966) e Monteiro (1974).

(7) Esta breve reconstituição histórica da região teve como base, além da dissertação de Renk (1990), os trabalhos de Waibel (1949), Roche (1969), Pebayle (1971), Dacanal , (1980), Campos (1987), Hall e Mattos (1984), Poli (1991) e Ferreira (1992).

(8) Utilizarei, indistintamente, no texto para nominar este segmento social, tanto a designação "pequeno produtor rural" quanto "camponês", com base nos autores clássicos como Shanin (1971) e Tepich (1973). Entretanto, já que minha proposta de pesquisa está voltada para a análise de valores e representações, acompanho Vianna (1992), quando julga apropriado pensá-los, também, conforme Woorthmann (1990), partilhando, em maior ou menor grau, de uma ética que articula valores tais como "terra, família e trabalho".

(9) Vários são os trabalhos dedicados à análise deste Movimento, entre os quais os de Sigaud, (1988 e 1989), de Scherer-Warren e Reis (1986, 1989).

(10) "Documento de Acordo entre Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. - ELETROSUL e Comissão Regional de Antingidos por Barragens - CRAB, em relação às Usinas Hidrelétricas de Itá e Machadinho" (ELETROSUL, 1987).

(11) "Diretrizes e Critérios para Planos e Projetos de Hidrelétricas de Itá e Machadinho", ELETROSUL, Florianópolis, 1988.

(12) "Áreas remanescentes" são aquelas localizadas em estabelecimentos agrícolas indenizados pela ELETROSUL e que não serão alagadas.

(13) Além do referido documento, as informações foram complementadas através de entrevista com um dos técnicos da ELETROSUL, realizada em abril do corrente ano.

(14) Para um relato destas experiências, a nível internacional, veja-se, entre outros, Ackermann, et alii (1973), Barabas e Bartolomé, (1973), Bartolomé (1985), Bartolomé e Barabas (1990), Benavente (1992), Catullo (1986), Chambers (1970), Cernea (1991), Colson (1971), Correa (1992), Fahin (1968), Hansen e Oliver-Smith (1982), Mcmahon (1973), Quijada e Robinson (1992), Ribeiro (1988), Scudder e Colson (1972). Scudder (1973, 1975), Stanley e Alpers (1975), Warren e Rubin (1968). Exemplos brasileiros podem ser encontrados em Aspelin e Santos, (1981), Duqué, (1984), Faillace (1990), Germani (1982), Hébette (1986), Helm (1982), 1992), Magalhães, A.C. (1982), Magalhães, S. (1988), Martins-Costa (1989), Nascimento (1985), Pandolfi (1986), Peixer (1993), Santos (1978), Sigaud, Martins-Costa e Daou (1987) e Vianna (1992).

(15) Este aspecto tem sido ressaltado em trabalhos recentes sobre hidrelétricas no Brasil, entre os quais os de Sigaud (1987 e 1992).

(16) Veja-se, entre outros, Sigaud (1988), Viveiros de Castro e Andrade (1988), Vianna (1989) e Reis (1991).

(17) Ricoeur define "acontecimento significante" ou "fundador", em uma crítica ao estruturalismo de Lévi-Strauss, na qual utiliza-se do exemplo da construção da história da teologia judaica. Transponho, assim, livremente, a idéia do Autor para meu contexto de pesquisa, acreditando em sua força explicativa.

(18) Bosi (1987), em seu comovente "Memória e Sociedade", opina em relação à memória, que "fica o que significa", isto é, que a memória é seletiva. Vale lembrar, ainda que, como afirma Meneses, (1992:11) "é do presente que a rememoração recebe incentivo, tanto quanto as condições para se efetivar".

(19)Tomo "vivências/experiências", a partir de Thompson (1987). Para um maior aprofundamento desta categoria, pretendo, entretanto, recorrer a outras fontes, entre as quais Turner e Bruner (1986).

(20) "Espaço físico" está sendo utlizado no sentido expresso por Brandão (1991:11), isto é, enquanto meio-ambiente, aquela dimensão real e simbólica da natureza com a qual os agentes sociais se consideram envolvidos pessoal ou coletivamente.

(21) Utilizo "identidades" como "uma categoria de atribuição de significados específicos a tipos de pessoas em relação umas com as outras" (Brandão, 1986:47). Isto é, como constitutiva de sujeitos sociais específicos, à partir de experiências vividas em comum, elaboradas como representações, que emergem como formas de auto-reconhecimento e reconhecimento por parte dos outros atores sociais. Basicamente, como um processo de formação de imagens, "não à partir de uma suposta identidade essencial, inerente ao grupo e preexistente as suas vivências e experiências, mas delas derivadas". (Sader, 1988:44).

(22) Meneses (idem:10), alerta para o fato de que a memória não pode ser confundida com um pacote de recordações, já previsto e acabado, mas que se constitui em um processo permanente de construção e reconstrução, "um trabalho", no dizer de Bosi (idem). Vale, também, ressaltar como contribuição indispensável para refletir sobre memória, os estudos já clássicos como os de Halbwachs (1990) e os recentes trabalhos de Connerton (1992), Ferrarotti (1990), Vansina (1985) e Rappaport (1990).

(23) Em função da saída de certas famílias e a permanência de outras, em determinadas localidades há equipamentos comunitários, como escolas ou igrejas, cujo funcionamento foi inviabilizado pelo pequeno número restante de usuários. Ocorre, também, entre outros exemplos, o caso de inviabilização da comercialização, à nível local, de certos produtos, pela mesma razão apontada, que mantêm em relativo isolamento as famílias restantes.

(24) O processo de produção social desta identidade foi, em parte, analisado por Faillace (idem).

(25) Além de entrevistas visando reconstituir o "discurso das perdas", estou retornando aos documentos produzidos pela CRAB, tentando localizar os pontos de aproximação e de distanciamento entre as falas institucionalizadas do Movimento e a livre interpretação dos pequenos produtores.

(26) Embora esta seja a denominação corrente para os camponeses realocados em função da construção da barragem de Itá, e o modo como se auto-definem, cabe investigar qual o conteúdo e de que modo foram produzidas as imagens que constituem esta identidade.

(27) O reassentamento de Marmeleiro foi instalado em 1989 e o de Campo Erê em 1990.

(28) As famílias que ocuparam os dois reassentamentos são, em parte, provenientes de diferentes localidades, municípios e Estados (SC/RS). São, ainda, identificadas como pertencentes a diferentes grupos étnicos, o que não tem sido sem conseqüências para a convivência social nestes primeiros anos de reassentamento.

(29) Embora, conforme Paulilo (1994), a "coletivização" ou "produção associada" proposta pelo Movimento dos Sem-Terra, que tem inspirado a assessoria prestada pela CRAB, apresente várias aproximações, mais do que diferenças, com o "modelo produtivista" a que aludimos, a meu ver - ainda que esta seja uma questão que deverá merecer uma reflexão mais cuidadosa de minha parte - parece provável a ocorrência de certas especificidades entre os modelos em questão.

Buscar en esta seccion :