CONGRESO VIRTUAL 2000

O DESENVOLVIMENTO NA ESCALA HUMANA

Luzia Neide Menêzes Teixeira Coriolano

Universidade Estadual do Ceará

Departamento de Geociências

Mestrado em Geografia

E Mail - Coriolan@uece.br

O respeito e a proteção aos direitos humanos são bases essenciais para que se promova o desenvolvimento social e se possa construir uma sociedade humanizada. Sociedade humanizada é entendida como aquela que garante o necessário à vida digna de todos os cidadãos, com tranqüilidade no relacionamento social, com possibilidades de intercâmbios entre os povos e com a construção de bases confiáveis para a vida social, e uma sociedade sustentável. Tudo isso, é condição imprescindível para preservação da dignidade humana e da própria sociedade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU,1948) aponta esses rumos e dá diretrizes para a promoção do desenvolvimento na escala humana. Trata do direito de ser, direito ao trabalho, ao lazer, a um padrão de vida digno, à instrução, à liberdade e à participação.

As desastrosas conseqüências da II Guerra mundial sensibilizaram a consciência da humanidade, levando 50 países, dentre eles o Brasil, a reunirem-se na Conferência de São Francisco para pensar o futuro da humanidade, criando nessa oportunidade a ONU - Organização da Nações Unidas. No dia 10 de outubro de 1948, essa Assembléia aprovava a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Após mais de cinco décadas, estamos nós e as Nações Unidas reclamando pelos mesmos direitos. Continuamos a pensar no âmbito universal os direitos individuais e sociais, econômicos e culturais da pessoa humana, mas como membros da sociedade não fomos ainda capazes de diminuir entre as nações as gritantes desigualdades econômicas e sociais e de respeitar esses direitos mesmo na escala local.

A Declaração de 1948, representa as normas jurídicas internacionais, as exigências elementares de respeito à pessoa humana, apontando os Estados como responsáveis em garantir as condições de sua efetivação histórica. Portanto, o sentido do Estado na comunidade humana é estar a seu serviço e garantir esses direitos.

Diz Oliveira (1998,6) que só se pode compreender o sentido dos Direitos Humanos na medida em que os considerarmos como princípios norteadores da ação pública dos Estados e dos cidadãos, ou seja eles constituem o horizonte normativo, que articula o conjunto de exigências decorrentes da dignidade do ser pessoal e, pôr esta razão, inspiram projetos históricos que devem conduzir a transformações profundas na vida humana no sentido de humanizar as condições reais de vida das pessoas.

A possibilidade de se desenvolver uma política econômica voltada ao homem ou ao desenvolvimento social remete à necessidade de se começar a respeitar os direitos individuais e sociais da pessoa humana, proclamados pela ONU e se definir ainda os objetivos do desenvolvimento que se pretende alcançar.

Desenvolvimento é processo, portanto é contínuo e constante. Falar de país desenvolvido sugere um lugar perfeito, como se fosse um limite final, não havendo nada mais a ser feito. A sociedade, então, já estaria pronta e acabada, o que não é possível, pois os lugares continuam sempre se desenvolvendo. Vê-se a dificuldade de definição desse conceito.

Desenvolvimento e subdesenvolvimento são componentes de um mesmo processo e sua dicotomia não ajuda a explicar o fenômeno, mas a mascará-lo. Importa desfazer confusões conceituais sobre desenvolvimento, crescimento econômico, desenvolvimento social e finalmente acabar com os dualismos.

Hoje, é consenso mundial a compreensão de que o desenvolvimento é um conceito mais exigente que o conceito de crescimento econômico. Para que o desenvolvimento se concretize, não basta crescer a economia, a produção de riqueza, ou o PIB (Produto Interno Bruto) faz-se necessário, sobretudo, que essa riqueza circule, elevando o poder aquisitivo e a qualidade de vida de todos os segmentos da sociedade, dentro dos princípios dos direitos humanos. Quando cresce a economia e ela não é redistribuída, ocorre apenas o crescimento econômico concentrado. O desenvolvimento só se dá quando o crescimento econômico beneficia a todas as pessoas, ou seja, atinge a escala humana. Assim, todo desenvolvimento é crescimento econômico, mas nem todo crescimento econômico é desenvolvimento. O Brasil cresceu economicamente mas não desenvolveu-se, uma prova disso é a grande exclusão social, com a negação dos direitos humanos.

Diz Oliveira (1998:6) que nossa realidade nacional é violação clara destas exigências normativas: os pobres e excluídos são os primeiros agredidos em sua dignidade de modo que a celebração dos 50 anos dos Direitos Humanos implica, para todos nós, uma pergunta básica: qual a relação entre pobreza, exclusão e violação dos Direitos Humanos?  Questionamentos básicos na condução lógica do tema geral desse trabalho relacionam o desenvolvimento com o respeito aos direitos humanos.

Quando todas as pessoas têm assegurada uma vida digna, um padrão de vida capaz de garantir a si e a sua família saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, segurança, repouso e lazer o desenvolvimento está atingindo a escala humana. E se essa realidade é experimentada em um lugar, ele está se desenvolvendo.

Quando se pensa em fazer o desenvolvimento, de modo geral, cogita-se em realizar atividades ligadas à produção, como implementar a industria, melhorar a agricultura, incentivar o turismo, desvinculando os efeitos ao bem estar do homem. E o que é pior, sempre se faz tudo isso sacrificando o homem e excluindo a maioria deles do usufruto desse desenvolvimento.

Afirma Brockway (1995:21) que Adam Smith inicia seu primeiro livro - The Theory of Moral Sentiments- com esta frase: por mais egoísta que o homem possa ser considerado, há evidentemente certos princípios, em sua natureza, que o fazem interessar-se pelos destinos das demais pessoas, e a considerar a felicidade destas como indispensável para ele, embora isto não lhe proporcione benefícios, exceto o prazer de observar a isso. Brockway diz ainda que embora Smith tenha utilizado a palavra evidentemente, não ofereceu evidências concretas desta forma de pensar nos seus escritos, ou seja, o discurso não conduziu a uma prática coerente.

O mesmo acontece quando se analisa a maioria dos planos governamentais, das propostas de desenvolvimento: os objetivos remetem a bem comum, a desenvolvimento sustentável, a qualidade de vida. No entanto, os programas, planos e projetos não conseguem implementar o chamado desenvolvimento, justamente porque os resultados desses processos de desenvolvimento mal desenvolvidos só conseguem beneficiar uma minoria de pessoas O desenvolvimento econômico concentra riqueza, sempre nas mãos de pequenos grupos, segrega, separa. Daí a necessidade de se promover outros estilos de desenvolvimento no interior do sistema hegemônico, especialmente por sua rigidez às mudanças sociais e pôr sua necessidade de se ampliar cada vez mais transformando-se em um sistema - mundo. Há tempos que o professor Milton Santos vem repetindo em seus livros e em entrevistas : o que globaliza separa, é o local que permite a união, só é possível humanizar a partir do local. Dowbor (1998:44) nessa mesma lógica admite que não é que o ser humano agora seja menos solidário é que ninguém se solidariza com o anonimato. A humanização do desenvolvimento, ou a sua re-humanização, passa pela reconstituição dos espaços comunitários. O próprio resgate dos valores e a reconstrução da dimensão ética do desenvolvimento exigem que para o ser humano o outro volte a ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa com os seus sorrisos e as suas lágrimas. No modelo global, o local não é viável, assim a maioria das pessoas fica excluída e isso causa efeitos nefastos sobre a identidade individual e social dos desempregados, dos excluídos.

Os teóricos do desenvolvimento local e do desenvolvimento na escala humana não têm a pretensão de que esse seja o modelo único, mas têm a convicção de que o modelo econômico macro não satisfaz a todos e que a proliferação de modelos de desenvolvimento micros e alternativos poderá ser contraponto ou antítese ao modelo de desenvolvimento econômico macro. O modelo econômico macro é incapazes de atingir setores marginalizados, colocar o homem como principal beneficiário do processo e respeitar os direitos humanos, ou seja, atingir a escala humana. Priorizar capital e lucro da forma que vem sendo feita é deixar o homem e seus direitos esquecidos.

Diz Santos (2000: 14) que  estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas ; o indivíduo liberado partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único. Essa efervescência é sentida em todas as classes sociais e essas idéias ganham volume no mundo acadêmico, no mundo artístico, no mundo popular, no mundo periférico. É a força das idéias que mobiliza para mudanças.

Lembra Lewandowski (1984,174) que na prática inexistem sanções diretas contra Estados que violam os direitos humanos (...) e que deve-se aproveitar ao máximo o recurso da publicidade, para que a opinião pública, por ela mobilizada crie obstáculos, no plano doméstico e internacional, à atuação dos violadores contumazes. Fica patente a importância das denúncias e o uso da media para sensibilizar as populações e essas exercerem controles sociais. Nas pequenas comunidades, algumas populações locais conseguem fazer o controle do meio ambiente, mobilizando a opinião púbica, quando alguns crimes ambientais são evitados, mas esse controle precisa se estender com maior intensidade quando se trata da violação dos direitos humanos. A fome, pôr exemplo, que é uma das maiores violações dos direitos humanos, fica banalizada e já não sensibiliza quem a presencia no dia-a-dia das cidades nordestinas.

Lembra Martin (1997,8) que ya hace más de 2000 años en China se afirmaba que la ética se funda en la conciencia de la humanidad definida como esse sentimiento en que cada hombre considera insufrible el padecimiento que afecta a llos otros seres humanos e que el concepto de desarrollo a escala humana recoge esta filosofia.

Mesmo assim, pode-se dizer que a preocupação com o destino das sociedades humanas aparece na esfera do discurso, em alguns economistas clássicos e contemporâneos, nos cientistas sociais, de um modo geral, nos governos e órgãos públicos como ONU, UNESCO, FAO, CEPAL, SUDENE, mas torna-se difusa e inócua à implementação de ações concretas, como programas de desenvolvimento que apresentem modelos de luta contra a pobreza e insira as camadas pobres da população no processo de desenvolvimento.

Segundo dados do IPEA/PNUD[1] o Brasil apresenta um dos maiores índices de desigualdades sociais do mundo. Os 20% mais ricos da população detêm 65% da renda total e os 50% mais pobres ficam com 12 % ( em 1960 essa relação era de 54% contra 18%).A renda média dos 10% mais ricos é quase 30 vezes maior que a renda média dos 40% mais pobres, contra 10 vezes na Argentina, 5 vezes na França e Alemanha, 4 vezes na Holanda, 25 vezes no Peru e 13 vezes na Costa Rica. A fração da renda apropriada pelos 20% mais ricos cresceu 11 pontos entre 1960 e 1990, enquanto a dos 50% mais pobres caiu 6 pontos e a das classes intermediárias permaneceu quase sem alteração. O desenvolvimento na escala local e na escala humana é uma tentativa de criar novos estilos de políticas econômicas que possam gerar emprego e renda e atuar também no campo da proteção social com programas emergenciais, com descentralização de poder, de forma que possa promover a inclusão social.

O desenvolvimento local é uma das estratégias que envolve as comunidades e, a partir daí, se criam processos produtivos integrados, com atenção para as potencialidades locais, para o homem do lugar. Começa-se a implementar atividades novas de revalorização do lugar e das pessoas. As atividades planejadas voltam-se para o desenvolvimento social e cultural do grupo. As atividades econômicas passam a contribuir para que isso aconteça  e possa  conciliar esses dois pólos, o crescimento econômico e o bem-estar-social. O desenvolvimento local é essencialmente um processo que valoriza as pessoas e os lugares.

Lembra Oliveira (1998:6) que não se pode permitir que o discurso dos Direitos Humanos seja monopolizado, precisamente por aqueles que mais os violam. É necessário que fique claro que, numa situação como a nossa, falar de Direitos Humanos significa falar dos direitos das maiorias, ou seja, dos direitos dos pobres, exatamente, num período histórico marcado por uma lógica terrível de exclusão, que tem tornado grande parte da  população brasileira e mundial em "massa sobrante" descartável.

Têm faltado políticas que consigam viabilizar esses direitos, tornando os propósitos benefícios concretos para todas as pessoas, sobretudo para as camadas sociais mais pobres. Faltam políticas que possibilitem a redistribuição das riquezas, de uma forma mais eqüitativa. Daí a proposta de desenvolvimento local, de desenvolvimento na escala humana como forma de mudar o eixo de interesse das ações. Falar de equidade em países de economia liberal pode soar como ironia ou como ideologia e não como alguma coisa viável.

No entanto, pensar em desenvolvimento na escala humana significa o esforço de pensar o desenvolvimento a partir da maioria da população que não conseguiu condições sócio econômicas de sobrevivência. Essa é portadores de privilégios éticos, porque manifesta situações de permanente violação dos direitos humanos.

 O bem-estar -Social, essa antiga preocupação dos Estados e da sociedade civil, parece corroído pelo processo neoliberal concentrador de riqueza e pela mundialização econômica. Numa sociedade de exclusão, os Estados lutam para manter o privilégio das classes dominantes, da qual fazem parte e para proteger a ordem coletiva, os padrões mínimos de integração social, afim de preservar a vida democrática, e sua integração na economia global.

La Cumbre de la Tierra realizada em junho de 1992, no Rio de Janeiro, consagrou o princípio básico do desenvolvimento, a sustentabilidade, surgindo daí a expressão desenvolvimento sustentável. Diz Sachs ( 1995: 191 ) que todo desarrollo digno de este nombre debe tener como objetivo la justiçia social, respetando la naturaleza y buscando la eficacia aconômica, pero, sin que estas dos preocupaciones se conviertan en un fin en sí. Estão em pauta o desenvolvimento social, o desenvolvimento ecológico ou ecodesenvolvimento, o desenvolvimento sustentável, dando maior dimensão ao simples desenvolvimento econômico.

Em 1995, em Copenhague, realizou-se La Cumbre Mundial sobre Desarrollo Social, quando o conjunto de 185 países membros das Nações Unidas denunciou que nossas sociedades estão pagando muito caro sua dependência exclusiva da economia, em lugar de subordinar a economia a um projeto social democraticamente elaborado .

Diz Sachs (1995: 191 ) que o homem foi relegado ao purgatório da economia informal, que foi apresentada como solução ao mal desenvolvimento, e que, na realidade, é um dos sintomas mais graves, e se caracteriza como uma grande brutalidade. La estrategia de supervivencia a que tienen que recurrrir los participantes en la economía informal sólo constituye en lo inmediato un paliativo y no debe servir de pretexto para que el Estado eluda su responsabilidad y para esquivar la lucha contra las raíces de la exclusión. Estamos presenciando lo que cabría llamar una "tercermundialización" del planeta.

A crise por que passa o mundo torna-se uma mega crise, porque não atinge somente o segmento econômico, aloca-se especialmente nos setores político, social e cultural, dificultando as condições da vida humana. É isso que amplia a magnitude da crise, dificultando ainda mais encontrar solução, porque não se trata de produzir, economicamente, mas de investir no homem, habilitá-lo e propiciar-lhe os meios para integrá-lo como protagonista na sociedade civil, de forma a alcançar igualdade econômica, social e política, respeitando os direitos humanos.

Toda e qualquer mudança e habilitação do homem passa por educação. Assim, qualquer tentativa de desenvolvimento implica em preparar o homem, em levá-lo a ser o protagonista do processo de desenvolvimento. Essa preparação se faz com educação. A educação é a base necessária a todo desenvolvimento econômico em que vise ao eqüitativo e ao humano.

Em todos os países pobres, uma das mais urgentes transformações deve se dar no campo social, para que se possa garantir as condições e as possibilidades de participação e integração, de todas as pessoas em todos os setores da sociedade.

Diz Draibe ( 1996:2) que os países latino-americanos, com muito poucas exceções, arrastam eles, até os tempos atuais, padrões inaceitáveis de desigualdade e pobreza que, sob a onda transformadora da globalização, foram expostos aos novos e fortes mecanismos que reforçam a diferenciação, que aumentam a desigualdade e ampliam a exclusão social. Essas forças desagregadas podem comprometer a integração nos mercados globais.

A literatura relativa ao desenvolvimento na escala humana ainda é incipiente e, se comparada à literatura sobre o desenvolvimento econômico que é exacerbada, ela praticamente desaparece. Há que se intensificar a produção teórica sobre esse novo parâmetro do desenvolvimento, mesmo correndo-se o risco de passar por uma visão simplificadora, dada a fragilidade que a teoria ainda oferece .

Toma-se o pensamento do chileno Neef como uma das principais referências para a análise do desenvolvimento na escala humana. Ele mostra essa abordagem que faltou aos economistas, de modo geral, aos clássicos e à maioria dos contemporâneos. .

Diz Neef ( 1994,10) que se confunde el concepto de trabajo com el de empleo asalariado, se olvidan de los campesinos, de las cooperativas informales, de los trabajos voluntarios. Todo lo que no da "valor añadido" crematístico, o que da poco, es casi invisible. Esses dados invisíveis aos olhos da macroeconomia é que são importantes na microeconomia porque atendem à satisfação das necessidades populares. No entanto, o que na maioria das vezes ocorre, é o desvirtuamento das cooperativas, deboche ao trabalho comunitário voluntário. Menospreza-se a tradição de solidariedade, diz Boff (1999:19).Qual a imagem do ser humano que se encontra subjacente nos processos de desenvolvimento? Para a racionalidade técnica científica, o homem é apenas um ser racional; para o desenvolvimento econômico, ele é um consumidor; para o desenvolvimento na escala humana, ele é um sujeito histórico dotado de direitos e deveres inalienáveis, um ator social que participa e pode mudar a realidade histórica. Assim, cada proposta de desenvolvimento possui introjetada sua visão de homem. E de sociedade desejada. Na compreensão de Neef, os economistas desprezam a palavra necessidade e trabalham apenas com as "preferências reveladas" no mercado, ou seja, a visão de homem no desenvolvimento econômico é de um consumidor que pode gerar lucro.

Na luta pelos direitos humanos há que se identificar esses visões de homem e se definir que proposta de sociedade se está a defender. Para Marshall (1972: 307)   o poder das palavras e símbolos persistirá e tende a aumentar. Por isso, slogans como liberdade, igualdade e justiça ; apelos éticos à consciência e um senso de comunidade cada vez maior afetarão as relações de poder. Palavras e símbolos sempre foram uma ameaça aos usos arbitrários da força física, do poder econômico e os ameaçarão cada vez mais. Há que haver uma  mudança de mentalidade para a compreensão de que a economia deve estar a serviço dos homens e não os homens a serviço da economia, que a economia é apenas um dos componentes da realidade social e, portanto, precisa estar em íntima correlação com a política, com a cultura, com a educação com todos os outros aspectos dessa realidade.

Analisando as limitações para o desenvolvimento, não só no Brasil, mas em toda América Latina, verifica-se que os períodos de expansão econômica são sempre acompanhados de desequilíbrios financeiros que demandam medidas estabilizadoras que desprestigiam as questões da sociedade, quando os problemas sociais mais se agravam. “Los períodos de expansion acaban generando desequilíbrios financeiros y monetarios, que derivan em respuestas estabilizadoras que, a su vez, acaban generando elevados costos sociales, lo que induce a nuevos impulsos de expansión” (Neef .1994; 25).As frustrações do desenvolvimento decorrem assim dos desequilíbrios financeiros e monetários e da concentração de renda oriunda de um sistema produtivo extremamente concentrador, às custas da dívida social.

A acelerada redução do trabalho, chegando à forma de desemprego estrutural, criou um desequilíbrio econômico e uma desesperança explicada por Neef (1994: 27,28) ao dizer que nosso modelo de desenvolvimento no es generador de desarrollo en el sentido amplio que hoy lo entendemos; las condiciones de países pobres, donde la miseria no puede erradicarse como consecuencia de la liberalización del mercado que los pobres se encuentran, de hecho, marginalizado, la actividad económica se órienta en el sentido especulativo, lo que deriva em resultados concentradores que son socialmente inaguantables.

Afirma ainda o referido autor que se comete dois erros graves na percepção da crise do subdesenvolvimento latino-americano: el primero es pensar que la crisis económica es atribuible a la crisis externa y el segundo, y que se desprende del anterior, es suponer que nuestra depresión es coyuntural o atribuirla a la crisis externa”(1994; 29).

 Assim, deve-se pensar a crise das sociedades atuais como estrutural e não apenas conjuntural e de ordem interna e externa, portanto bastante complexa.

A idéia de desenvolvimento na escala humana, apesar de estranha ao modelo vigente, porque fala do homem, de justiça e eqüidade e não de capital e lucro, parece emergir com uma certa força, quando se associa à busca de respostas para as crises. Denota que se busca alternativas econômicas, mas se tem dificuldades quando implica a adoção de valores morais e éticos. Fala-se de direitos humanos e esses, foram de fato uma conquista das sociedades liberais, por isso eles precisam se estender a todos. Dowbor (1998:81) lembra que não há solução espontânea para esses problemas, algum tipo de "mão invisível" institucional capaz de assegurar os equilíbrios . Os atores econômicos e sociais são hoje tão desiguais, que a imagem da "livre concorrência", capaz de equilibrar os processos de desenvolvimento econômico, é hoje tão utópica e antiquada quanto à visão de "bom selvagem" que ainda sobrevive em certas visões de esquerda. A liberdade sobrevive quando há um mínimo de equilíbrio de poder entre as partes, pois entre desiguais significa liberdade do mais forte e resulta na erosão das instituições. Quando se desarticulam os instrumentos institucionais de governo, ficam mais frágeis os instrumentos políticos de compensação, perdem-se de vista o longo prazo e os interesses humanos.

O desenvolvimento na escala humana só se efetivará plenamente quando as políticas públicas reorientarem suas prioridades para o social, passando a ver o homem como seu real beneficitário; quando se aprofundar em nossa sociedade a consciência da dignidade do ser humano e quando for possível extinguir essa estruturação social que agride sistematicamente os direitos da pessoa humana.

 O desenvolvimento na escala social se sustenta na satisfação das necessidades humanas fundamentais, na geração de níveis crescentes da independência dos indivíduos, na articulação orgânica dos seres humanos com a natureza, com a tecnologia., a fim de que possam todos se integrar no trabalho e em toda a vida social, respeitando valores, culturas, costumes e diferenças. O desenvolvimento, para ser definido como social, precisa estar voltado para as necessidades humanas, preocupar-se em tornar as pessoas auto independentes e habilitadas para o uso das tecnologias, como forma de entrada no mercado de trabalho, nesse mundo que cada vez mais se moderniza. Implica desenvolvimento dos indivíduos como pessoa e como grupo, capacitados para o trabalho e organizados como sociedade civil para se tornarem protagonistas de seu desenvolvimento e do desenvolvimento de seu lugar.

Diz Furtado (1984,105) que uma vez que a idéia de desenvolvimento refere-se diretamente à realização das potencialidades do homem é natural que ela contenha, ainda que apenas implicitamente, uma mensagem de sentido positivo. As sociedades são consideradas desenvolvidas na medida em que nelas o homem mais cabalmente logra satisfazer suas necessidades, manifestar suas aspirações e exercer seu gênio criador. A preocupação com a metamorfose social deriva dessa outra idéia simples de que é mediante as invenção e implementação de novas estruturas sociais que se cumpre o processo de desenvolvimento.

Historicamente, os processos de desenvolvimento em toda América Latina tiveram pouca participação popular, esqueceram que as pessoas devem ser o principal sujeito desse processo. Na verdade, foram processos de desenvolvimento controlados e impulsionados por oligarquias nacionais, privilegiando o capital e não as necessidades humanas. Foram modelos que tiveram por objetivos o desenvolvimento capitalista, com a integração dos mercados externos, por isso excluíram a maioria da população, privando-a dos canais de participação social e até dificultando as pressões políticas. Os modelos de desenvolvimento na América Latina apresentam essas fragilidades. Estiveram sempre voltados aos interesses das classes dominantes, dos mercados externos, de ideologias burguesas, e isso dificultou as participações populares.

Muitas vezes, as soluções para os problemas que atormentam a sociedade são produzidas de cima para baixo, sem um maior conhecimento da realidade, sob orientação dos modelos clássicos, elitistas e centralizadores. O tradicionalismo, o medo de mudar, o medo da participação popular persiste, como explica Neef (1994,34) vivimos y trabajámos la importancia orientadora de nuestros conocimientos formales adquiridos. De alli que observamos en tantos dirigentes um miedo patológico al protagonismo y a la libertad. El pueblo está para ser orientado, aun por aquellos que se dan el lujo de desconocer la orientación del povo. Así se deseñan programas para “concientizar”, porque por alguma extraña razón se supone que el que sufre no sabe por qué sufre, y al que le va mal no sabe qué es lo que lo aqueja.

O estado de privação vivido pelas classes pobres é experimentado de forma consciente, pois elas sabem que, para abolir sua miséria, há meios técnicos e institucionais, o que elas não têm é acesso a esses meios. Sabem também que falta vontade política para redirecionar o paradigma do desenvolvimento para a escala humana. O desenvolvimento local fala de homem consciente e não de homem conscientizado.

Os sistemas políticos sociais latinoamericanos não foram capazes de construir coesão, igualdade, e benefícios sociais para todos, até porque essas não eram as intenções. Alguns países que conseguem implantar programas direcionados à redução dos impactos negativos sobre as condições sociais das populações, o fazem seguindo modelo corporativista e clientelista, com resultados não satisfatórios.

Diz Neef (1994:35) que “confundimos así la ley con la justiçia y el reglamento con la eficiencia. Identificamos la generosidad com la limosna y la participación com la reivindicación concedida. Utilizamos las palabvras sin respetar su contenido y acabamos así construyendo caricaturas en vez de contextos coherentes em los cuales sustentar la construcción de nuestros proyectos de vida individuales y colectivos. . A participação é um processo de mobilização social que leva a uma mudança da realidade, ajudando a superar o fatalismo. É pela participação que as pessoas começam a compreender que são capazes de construir uma nova ordem social. E se essa ordem social pode ser reconstruída, ela não é natural, portanto é passível de mudança. A participação não se dá apenas como uma estratégia política em determinadas ocasiões, mas como uma luta constante de conquista dos direitos. Quando se trata de direitos, fala-se de conquistas, que, de modo geral, não são concedidos gratuitamente.

Essa confusão de conceitos parece proposital para inviabilizar a construção de uma proposta de desenvolvimento social. A esmola seria desnecessária se a justiça fosse concedida a todos. As palavras precisam recuperar seus conteúdos: muitos falam de desenvolvimento, de participação, de direito humano, sem o conhecimento do significado dessas expressões, ou dando-lhes um significado conveniente a seus interesses. É comum se ouvir pessoas chamando os "humildes" se referindo aos pobres. Ora, ser pobre não significa necessariamente ser humilde, a humildade é uma virtude que pode estar em qualquer pessoa, seja rica ou pobre. Essa confusão de conceitos mascara a realidade. Direito humano não pode ser entendido como concessão, algo legal não pode ser confundido com algo justo, pode ser uma coisa e não ser outra.

 Participar é um ato de livre escolha, um ato de liberdade, é uma decisão de cada um. Assim, quando alguém decide participar, mobiliza sua vontade para agir em direção àquilo que definiu como objetivo e passa a se sentir responsável. Quando essa compreensão é coletiva, mobiliza grupos sociais que são capazes de mudar a realidade. É isso que se presencia nas comunidades de base, nos movimentos populares, na luta dos "sem terra", dos "sem teto", nas pequenas experiências de desenvolvimento local espalhadas em todo o território brasileiro. A participação é um espaço de educação política, onde se vivencia e se constrói a cidadania.

A filantropia e a caridade eram virtudes individualizadas em toda a história européia antiga, de que herdamos influências no sentimento religioso. Era mais virtuoso dar do que receber. O valor da caridade provinha mais dos motivos do próprio doador do que dos efeitos da doação. É na modernidade que o espírito filantrópico vai se redefinir e se institucionalizar de uma forma peculiar. Passaram os propósitos da filantropia a sair do eu, e se preocupar com a melhoria da qualidade de vida das comunidades. O foco mudou do doador para o receptor, da salvação das almas para a solução dos problemas, da consciência individual para a consciência coletiva, do trabalho individual para o trabalho comunitário.

Através do sentido comunitário desenvolvido, da participação e da integração, as comunidades passam a gerar seu crescimento econômico, seus próprios benefícios, que deixam de ser vistos como alvo da doação, da generosidade, da concessão, dos políticos e dos governos, mas, como fruto da conquista de grupos organizados em comunidades. Isso ajuda a percepção de que desenvolvimento se refere às pessoas e não aos objetos, por isso ele se dá na escala humana. Quando se refere aos objetos, às técnicas, ele é identificado como progresso.

 Os modelos tradicionalmente utilizados para promover o desenvolvimento de um lugar se baseiam em indicadores predominantemente econômicos, como o PIB (Produto Interno Bruto), que de alguma forma denota o crescimento econômico, mas não o desenvolvimento. Só poderá haver desenvolvimento, se houver crescimento econômico, mas só crescimento econômico não é ainda o desenvolvimento. Crescimento econômico para a escala humana significa o desenvolvimento das atividades econômicas, de forma que todos possam ter seu trabalho garantido,  e possa atender as necessidades de todas as pessoas, promover o bem estar social. Portanto, não significa produção, acumulação, lucro, consumo, o simples aumento do PIB, da renda per capita e da mais valia.

Necessita-se, assim, de indicadores do crescimento qualitativo das pessoas  e não apenas de indicadores econômicos. Quanto maior a qualidade de vida das pessoas, maior o processo de desenvolvimento, significando que atingiu a escala humana, satisfazendo suas necessidades. Quanto maior for a distância entre os mais ricos e os mais pobres, maior será o subdesenvolvimento local.

Mudar a visão de desenvolvimento significa substituir indicadores clássicos e admitir outros mais significativos. O desenvolvimento nacional não pode ser medido apenas pelo PIB (Produto Interno Bruto), já que este se faz apenas sobre uma produção material. Deve ser avaliado também sobre a base humana, por isso se vêm procurando medidas sócio-econômicas mais realistas. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) proposto em 1990, pelo Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD surge como uma grande contribuição metodológica, por incluir os componentes básicos do desenvolvimento humano: a longevidade, o conhecimento ou índice de alfabetização e educação e o padrão de vida.

Avaliar o desenvolvimento humano torna-se uma tarefa muito difícil por sua complexidade e dificuldade de mensuração.

O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, apresentado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 1990, mostra o esforço de construção de um indicador que capte e sintetize as diversas e complexas dimensões do processo de desenvolvimento humano e de desalojar o PIB per capita, da condição de única medida do processo de desenvolvimento.

O desenvolvimento humano deve ser entendido como um processo, em que as potencialidades do ser humano são sempre desenvolvidas e, constantemente, ampliadas as oportunidades de seu desenvolvimento. Segundo os relatórios acima citados, essas condições essenciais deverão estar  presentes em todos os níveis de desenvolvimento. Sem elas não serão acessíveis quais as demais oportunidades e alternativas: desfrutar de uma vida longa e saudável, adquirir conhecimento e ter acesso aos recursos necessários para um padrão de vida decente. Assim, leva-se em consideração a longevidade, o nível de educacional e o acesso aos recursos, sendo os dois primeiros incorporados como valores em si e o último como um meio para atingir outros fins.

Para a definição do IDH foi adotado pelo IPEA uma metodologia que define :

· como indicador de longevidade, a esperança de vida ao nascer ,

· como indicador de nível educacional, a taxa de alfabetização dos adultos e a taxa combinada de matricula nos ensinos fundamental, médio e superior. Essas taxas são reunidas em um indicador único, uma média ponderada, com peso dois e um respectivamente, ou seja, o conhecimento é avaliado por uma média entre a taxa de alfabetização dos adultos (com peso 2 ) e a taxa combinada de matricula nos ensinos fundamental, médio e superior (com peso 1).

· como indicador de acesso aos recursos, a renda per capita, o poder de compra , baseado no PIB per capita, ajustado ao custo de vida local, a chamada paridade do poder de compra. .

A adoção do IDH é um melhor indicador, porque sai um pouco do índice quantitativo, inserindo o qualitativo, de uma forma mais abrangente, portanto mais próxima da realidade.

Diz Neef, (1994) o estudioso chileno do desenvolvimento na escala  humana,[2] que fomos levados a pensar que as necessidades humanas são infinitas, que variam em cada período histórico, e que existe uma correspondência biunívoca entre as necessidades e as satisfações das necessidades. Mas, que na verdade, as necessidades humanas são finitas, poucas e classificáveis. São as mesmas em toda e qualquer cultura, e em todos os tempos históricos, em todos os lugares. O que muda através do tempo São  as formas e os meios para  satisfazer essas necessidades. O que está culturalmente determinado são as formas de satisfazer as necessidades, porque somos levados a abandonar formas tradicionais pôr outras novas  e  mais modernas.

Baseado nas reflexões apresentadas pôr Neef, há que se reinterpretar os conceitos de necessidades, de satisfação das necessidades, de pobreza e de exclusão O que determina a qualidade de vida das pessoas é a satisfação das necessidades humanas fundamentais. Pensar as necessidades humanas como infinitas, constitui um erro conceitual, gerador do consumo desenfreado, ou o consumismo burguês. Nossas necessidades são as mesmas em todas as culturas, em todos os lugares e em todos os períodos históricos. Essas necessidades humanas são as existenciais como: ser, ter, fazer, estar e as axiológicas como: necessidade de subsistência, de proteção, de afeto, de entendimento, de participação, de ócio, de criação, de identidade, e de liberdade. O que muda através dos tempos e das culturas são as maneiras e os meios utilizados para satisfazer essas necessidades .

As culturas são definidas pelo modo como satisfazem suas necessidades. O que está culturalmente determinado não são as necessidades, mas as formas de satisfação dessas necessidades. Qualquer necessidade humana fundamental não satisfeita revela uma pobreza humana, havendo uma variedade de pobrezas, como pobreza de afeto, de entendimento, de participação, de bens materiais. Essas pobrezas geram patologias individuais e coletivas como: angústia, depressão, violência, marginalidade, medo e isolamento.

Agnes Heller, uma socióloga húngara citada por De Masi (1999,204) afirma que todos os seres vivos manifestam necessidades existenciais ligadas a sobrevivência, como alimento, repouso e reprodução. Mas a espécie humana apresenta especificidade, por possuir necessidades próprias que se atêm à própria raiz da natureza humana, por isso chamadas necessidades radicais. São, sobretudo, necessidades de introspeção, de amizade, de amor, de diversão, ou necessidades qualitativas. Outras necessidades não derivam da natureza íntima do homem, mas do tipo de sociedade competitiva que construímos, por isso são necessidades induzidas ou alienadas. Essas são típica de sociedades identificadas pela exigência de poder, de posse, de acúmulo quantitativo e interminável. Entre as necessidades radicais e as alienadas existe uma profunda diferença. Frente a elas o indivíduo é obrigado a escolher ou cindir-se. Há pessoas que preferem auto-realizar-se, privilegiando a satisfação das necessidades radicais; outras terminam por alienar-se; privilegiando a satisfação das necessidades induzidas, são aquelas pessoas que não passam mais sem as comodidades e os objetos supérfluos. Outras, totalmente esquizofrênicas, apresentam-se indecisas, frente à satisfação de suas necessidades. Outras ainda Heller chama de desconfiadas porque renunciam a qualquer esforço para satisfazer tanto as necessidades radicais como às induzidas. Essas são portadoras de patologias. O modelo capitalista induziu tantas necessidades que produziu uma sociedade de consumo, altamente segregada . De um lado os que têm e podem consumir, e do outro, os que não têm e portanto, não podem consumir.

Pobreza, historicamente, refere-se à situação das pessoas que estão abaixo de um determinado padrão econômico, que não têm suas necessidades atendidas. Pobre seria uma pessoa que se situasse abaixo das linha de pobrezas, ou seja, não tem o suficiente para adquirir os bens necessários à sobrevivência adequada. Esse é o conceito utilizado pelo IPEA. Essa noção econômica de pobreza é ainda restrita e limitada porque ser pobre é muito mais que não ter, é sobretudo não ser. O não ter leva também ao não ser.

 Segundo o pensamento de Neef ( 1994: 43) cualquier necesidad humana fundamental que no es adecuadamente satisfecha revela una pobreza humana. Pero, las pobrezas no son sólo pobrezas. Son mucho más que eso. Cada pobreza genera patología, toda vez que rebasa límites críticos de intensidad y duración.

Assim, a híper inflação aliada à crise de desemprego, ao endividamento externo, à falta de cidadania, dentre outras, constituem pobrezas da atualidade mundial, que estão tornando as sociedades doentes e fragilizadas.

As patologias sociais são tantas e o que é mais grave é que a maioria dos programas chamados de desenvolvimento tem se apresentado apenas como paliativos não tendo dado resultados eficazes porque não vão à essência da questão, que é atingir todos os homens.

No que diz respeito aos direitos humanos, mesmo nos países que vivem formalmente em paz e democracia, as violações assumem proporções avassaladoras. Diz Santos (2000, 24) em sua Critica a Razão Indolente que quinze milhões de crianças trabalham em regime de cativeiro na Índia, a violência policial e prisional atinge o paroxismo no Brasil e na Venezuela, enquanto os incidentes raciais na Inglaterra aumentaram 26% entre 1989 e 1996, a violência sexual contra as mulheres, a prostituição infantil, os meninos de rua, os milhões de vítimas de minas anti-sepsias, a discriminação contra os toxico dependentes, os portadores de HIV ou os homossexuais, o julgamento de cidadães pôr juizes sem rosto na Colombia e no Peru, as limpezas étnicas e o chauvinismo religioso são apenas algumas manifestações da diáspora da liberdade.

Essas patologias transcendem a esfera econômica e afetam todo o conjunto da vida social. Assim, não há porque priorizar a esfera econômica em detrimento das demais, há que se contemplar as questões sociais.

O termo exclusão nomeia aqueles que se encontram desempregados há mais de um ano, os que não são qualificados profissionalmente para o trabalho e os migrantes. Dizem ( Santos, Holanda, Araújo, 1999:7) no relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Exclusão social no Mercado de Trabalho no Ceará, que a partir dessas três categorias passaram a ser considerados excluídos : os pobres, os "novos pobres", os jovens de bairros afastados, os desempregados, os analfabetos, os anciãos, os deficientes, os doentes mentais, os soropositivos, e os doentes de AIDS. Nesse sentido, a exclusão passou a determinar aqueles que se encontram estigmatizados socialmente. A injustiça social tem sido fator de exclusão e, referindo-se ao tema, afirmam os técnicos do relatório da OIT que exclusão e pobreza são vistas como sinônimos por muitos teóricos como Hélio Jaguaribe, mas que ela abarca maiores aspectos da pobreza. A exclusão social numa sociedade burguesa, inclui além de todos os pobres, aquelas pessoas atingidas pôr seus preconceitos, como pôr exemplo os velhos, os homossexuais, os analfabetos .Numa sociedade onde não há respeito a dignidade humana a exclusão e o preconceito passam a ser fatos naturais.

É preciso entender e assumir o princípio de que a economia existe para servir as pessoas e não as pessoas para servirem a economia, como vem acontecendo. Esse é um princípio básico do desenvolvimento na escala humana, por isso esse desenvolvimento é a antítese do modelo hegemônico global.

As múltiplas dependências econômica, financeira, tecnológica, cultural e política, inibem o desenvolvimento orientado para a auto independência e para a satisfação das necessidades fundamentais. O capital internacional tem restringido a capacidade e o direito dos países devedores latino-americanos de decidir sobre seus próprios destinos. Os planos de ajuste impostos aos governos devedores, que solicitam crédito para pagar suas dívidas, refletem o poder do capital internacional de minar a soberania dos países pobres.

As pautas de consumo que os países ricos impõem ao mundo subdesenvolvido agrava a situação de dependência e perpetua os desequilíbrios internos e ainda, ameaçam a identidade cultural desses países. Abandonar essa pauta global e voltar as ações para o homem é apresentar um novo paradigma ao desenvolvimento, o paradigma humano.

O professor Cárpio Martin diz que o desenvolvimento na escala humana é um modelo que atende às satisfações das necessidades humanas fundamentais, com a geração de níveis crescentes de auto independência, com a articulação orgânica dos seres humanos com a natureza e com a tecnologia, dos processos globais com os comportamentos locais, do individual com o social, da planificação com a autonomia, da sociedade civil com o Estado.

O desenvolvimento na escala humana ajuda a definir estratégias nacionais que estimulem o auto desenvolvmento dos individuos e de seus lugares. Além do mais, viabiliza principios definidos no Artigo I da Constituição Brasileira que diz : o Brasil é um Estado democrático de direito e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo politico, e todo poder emana do povo.

 É  na pratica humana total, ou na prática social, que nós, seres humanos, analisamos, enfrentamos esses problemas que, no limite máximo dasafiam nossas consciências e mostram rumos para uma transformação criadora. Que se façam valer os Estatutos do Homem, que o poeta Thiago de Melo, nos oferece nesse Ato Institucional Permanente , mostatrando a leveza dessa práxis.

Artigo I- Fica decretado que agora vale a verdade , que agora vale a vida e, que, de mãos dadas, trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II- Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III- Fica decretado que, a partir desse instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra, e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV- Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu. O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.

Artigo V - Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que, sobretudo, tenha sempre o quente sabor da ternura. Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquier hora da vida, o uso do traje branco.

Artigo VI- Decreta-se que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, inclusive brincar com rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.

Artigo Final - Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante, a liberdade será algo vivo e transparente, como um fogo ou um rio, ou como semente de trigo, e a sua morada será sempre o coração do homem.

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[2] Ver Neef, Manfred Max. Desarrollo a Escala Humana. Barcelona : Icaria Editorial, 1994. Optou-se pôr traduzir parafraseando as idéias de Neef, como forma de facilitar a compreensão para aqueles que não lêem o espanhol., considerando também que há uma carência de textos sobre o tema.


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