Perspectivas del Turismo Cultural II
La gestión del turismo y sus problemáticas desde visiones sociales

TURISMO CULTURAL: LEITURAS DA ANTROPOLOGIA

Autor: Xerardo Pereiro Pérez (*)

Resumen:

Presento en este texto un acercamiento antropológico a diferentes perspectivas teóricas del turismo cultural, pero al mismo tiempo intento reflexionar sobre el papel social y las líneas de orientación ética que el turismo cultural debe seguir en los días de hoy.

Resumo:

Apresento neste texto uma aproximação antropológica a diferentes abordagens teóricas do turismo cultural, mas ao mesmo tempo pretendo reflectir sob o papel social e as linhas éticas orientadoras que o turismo cultural está chamado a ter nos dias de hoje. 

Abstract:

In this paper I write about the diferents theoretical perspectives of cultural tourism. At the same time, I try to explain the social role and the ethics of cultural tourism nowadays.  

1.OS PIONEIROS DO TURISMO CULTURAL

A pesar do turismo cultural ter deixado uma forma de turismo antes reservada aos “happy few” e a pessoas com um capital cultural específico, algumas das experiências de aqueles viajantes do passado são semelhantes às dos turistas culturais actuais (Malkin, 1999: 24-25). Todas elas se resumem no que denominamos “sintoma de Stendhal” (Magherini, 1996). Stendhal era a alcunha do novelista francês Marie-Henry Beyle (1783-1842), viajante compulsivo em Itália que se deleitava com a apreciação dos seus monumentos. Este sintoma, ou síndrome, caracterizar-se-ía pelos seguintes traços:  

·        Profundo transtorno psicológico causado pela contemplação de uma obra de arte;

·        Sintomas: perda do sentido de identidade, depressão, esgotamento físico;

·        Dose excessiva de cultura, para a qual o remédio é o repouso;

·        Acontece a muitos turistas em Firenze;

·        Pode provocar uma forte experiência emocional e um maior conhecimento de si mesmo. 

 Esta é uma experiência partilhada tanto pelos viajantes do passado como pelos turistas culturais modernos, mas não é a única:

·        Os guias de viagens proliferavam já na antiga Grécia (ex.: As Sete Maravilhas do Mundo é um exemplo do gosto grego);

·        Já em 1840 existiam guias turísticos interactivos. Karl Beadeker, na Alemanha, convidava aos seus leitores a escreverem e enviarem sugestões para futuras edições dos seus guias.

·        Com a revolução industrial melhoraram os transportes e as estradas, encurtando-se as distâncias. A revolução industrial também criou e regulou a distinção entre tempo de trabalho e tempo de lazer, estabelecendo, logo, o tempo de férias.

·        Os barcos a vapor fazem a primeira viagem entre Dover e Calais em 1821, mas foi a extensão dos caminhos de ferro que democratizou a viagem, criando mais possibilidades de ir mais longe e mais rápido.

·        Em 1840 o navio à vapor Britannia cruzou o Atlântico em 14 dias.

A meados do século XIX nasceu uma indústria turística que inclui agências de viagens, guias, hotéis, itinerários, etc. Três figuras foram chave neste processo:

  1. O editor britânico John Murray (1808-1892).
  2. O editor alemão Karl Beadeker (1801-1859), o qual realizou viagens de incógnito para se certificar dos conteúdos dos seus guias, de capa vermelha e texto uniforme. O próprio kaiser Guillerme II, todas as tardes, olhava através da janela do seu palácio o render da guarda, pois assim o assinalava o guia de Beadeker e, logo, muita gente o esperava.

3. O agente de viagens britânico Thomas Cook (1808-1892), começou

por organizar excursões em comboio para os trabalhadores ingleses. Em 1865 transportava a Itália a “religiosos, médicos, banqueiros, engenheiros e comerciantes”. Ao mesmo tempo, a empresa de Cook foi um agente militar e administrativo no Egipto. 

2. DEFINIR O TURISMO CULTURAL

Em um sentido genérico, o turismo pode ser entendido como um acto e uma prática cultural, pelo que falar em “turismo cultural” parece ser uma reiteração. Porém, sob o meu ponto de vista, é pertinente falar de “turismo cultural” em sentido estrito, porque face ao turismo convencional e de massas, o turismo cultural significa uma reacção contra a banalização social e o excesso de mercantilização. A mercantilização da cultura não significa sempre o desfrute da cultura por todos, senão, como muitas vezes acontece (Greenwood, 1992), é só a conversão da mesma em ritual espectacular, passivo, ficcional e superficial.

Se é certo que a cultura se tem convertido em “recurso”, “produto”, “experiência” e “mais valia”,  é numa perspectiva humanista que podemos encontrar várias definições do que se entende e se pode entender como turismo cultural. Vamos, por um momento, sublinhar algumas das que pensamos mais importantes, à partida não necessariamente opostas.  

De acordo com o sociólogo britânico John Urry (1990), vivemos numa sociedade pós-moderna na qual há uma tendência para a nostalgia, que se manifesta também numa atracção nostálgica pelo património cultural, enquanto representação simbólica da cultura, sendo esta uma das motivações mais fortes para a prática do turismo cultural, um turismo que destaca a cultura sobre a natureza. Para Urry, a causa do auge e da decadência dos locais tradicionais de férias (praia e montanha) tem a ver com a cisão contemporânea da identidade social. Antes, as férias, estavam orientadas em função do tempo de Verão e da família, hoje em dia isto mudou e re-inventaram-se novos tipos de turismo que servem a recriação dessas novas identidades sociais.

 Numa perspectiva histórica, o historiador francês Pascal Ory (1993) diz-nos que o turismo cultural está ligado a algo que sempre tem existido, a curiosidade (Ory, 1993; Walle, 1998:9), isto é, o interesse dos sujeitos pela “formação”, pela estética, pelo património cultural e a criação cultural de outros países. Para ele há três etapas históricas básicas:

1)     A Antiguidade e a Idade média, caracterizadas pelas suas peregrinações a santuários famosos, ex.: Ephesus, Santiago de Compostela;

2)     As grandes viagens dos ss. XVIII e XIX, quando intelectuais e artistas do Norte de Europa visitam o Sul de Europa;

3)     A actualidade, quando o turismo cultural se converte num segmento do turismo de massas, sobretudo praticado pelas pessoas de maior capital cultural.

A ligação que Ory estabelece entre religião e turismo cultural, é defendida também por outros autores, assim por exemplo, o literato norte-americano Tom Wolfe (1988) encontrou paralelismo entre as catedrais medievais e os modernos centros de turismo cultural (museus, centros de arte, etc.). Os dois elementos representam um repto para os arquitectos mas também uma “peregrinatio”, e neste sentido o turismo cultural é entendido como um rito que celebra a cultura como um substituto moderno da religião.

A organização norte-americana de defesa do Património Cultural “National Trust for Historic Preservation” (1993), vai definir o turismo cultural, desde o ponto de vista da procura, como “a prática de viajar para experimentar atracções históricas e culturais com o fim de aprender sobre o passado de uma região ou um país, de uma maneira divertida e informativa”. Nesta definição o que se sublinha é uma visão historicista do turismo cultural, definido como um olhar experimental sobre o passado. Num ponto de vista mais crítico, sabemos que o turismo cultural produz, vende e consome também o “presente” (Richards, 2001: 7), mas também que é desde o presente que atribuímos valores aos legados culturais.

Na Carta de Turismo Cultural do ICOMOS (1976), o turismo cultural define-se como um facto social, humano, económico e cultural irreversível. O turismo cultural é uma forma de turismo que tem por objecto central o conhecimento de monumentos, sítios históricos e artísticos ou qualquer elemento do património cultural. Exerce um efeito positivo sobre estes porque contribui para a sua conservação, mas também corremos riscos de provocar efeitos negativos que devem ser evitados por meio da educação e de medidas políticas concretas.

O antropólogo Manuel Delgado Ruíz (2000: 37), segundo um ponto de vista crítico com a ficção do turismo, disse do turismo cultural:

"...el turismo cultural se ha constituido en lugar privilegiado en el que operar análisis acerca de cómo las sociedades humanas se presentan ante otras sociedades y ante si mismas... el turismo cultural es una industria cuya materia prima es la representación dramatizada y en extremo realista, de cualidades que se consideran de algún modo inmanentes a determinadas agrupaciones humanas de base territorial -ciudades, regiones, países-, reificación radical de lo que de permanente y substantivo pueda presumir una entidad colectiva cualquiera."

            Também outro antropólogo, James Clifford (1999: 88 e 98), fala do turismo cultural, mas já não segundo o ponto de vista dos produtores e dos produtos, senão segundo o ponto de vista dos consumidores e do consumo. James Clifford entende este como uma forma de viajar específica: 

 “El viaje abarca una variedad de prácticas más o menos voluntaristas de abandonar `el hogar´ para ir a `otro lugar´. El desplazamiento ocurre con un propósito de ganancia: material, espiritual, científica. Entraña obtener conocimiento y/o tener una “experiencia” (excitante, edificante, placentera, de extrañamiento y de ampliación de conocimientos... El viaje denota prácticas más o menos voluntarias de abandono del terreno familiar, en busca de la diferencia, la sabiduría, el poder, la aventura o una perspectiva modificada”.

O investigador do turismo cultural, Greg Richards (2000), vai definir o turismo cultural como: “o modo como os turistas –aquelas pessoas que viajam fora dos seus locais de residência- consumem a cultura”. A cultura é aqui entendida desde um ponto de vista antropológico como o conjunto de crenças, ideias, valores e modos de vida de um grupo humano (aspecto moral da cultura), mas também como os artefactos, a tecnologia, e os produtos de um grupo humano (aspecto material). Para este autor, um exemplo de turismo cultural seria visitar lugares de interesse cultural e monumentos, ou consumir o modo de vida das culturas visitadas. De acordo com Richards (1996 e 2001) o acréscimo no número de visitas culturais está em relação com o aumento do número de atracções culturais a visitar, isto é, alarga-se cada vez mais o conceito de cultura, de produção cultural e de consumo cultural, em constante redefinição pelo mercado e os agentes produtores.     

            Desde o ponto de vista do marketing cultural, Priscilla Boniface (1995) entende o turismo cultural como uma visita fugidia à alteridade, uma fuga às rotinas quotidianas que procura o excitante, a paz, a tranquilidade e os sítios de interesse cultural.

 

3. COMPONENTES DA OFERTA DE TURISMO CULTURAL

O turismo cultural tem-se convertido numa forma de consumo de determinados bens e produtos culturais, daí que devemos prestar atenção aos mesmos. A definição que Tighe (1986: 2) deu de turismo cultural resume alguns destes elementos a considerar:

"The term cultural toruism encompasses historical sites, arts and craft fairs and festivals, museums of all kinds, the performing arts and the visual arts and other heritage sites which tourists visit in pursuit of cultural experiences"

O que se destaca nesta definição não é só um conjunto de componentes da oferta, mas também que o turismo cultural é entendido como um tipo de turismo “experiencial” através do qual os turistas contactam com produções culturais (ex.: artes visuais, artes manuais, festivais, festividades, etc. ) e com património cultural (sítios históricos, paisagens, arquitecturas, “bens patrimoniais imateriais”, etc.).

            De uma maneira mais detalhada, a oferta de turismo cultural está baseada em vários tipos de atracções:

1)     Património cultural:

-O maior atractivo para os turistas culturais.

-Representa uma cultura através duma série de elementos, imagens, objectos e símbolos.

-Mostra a identidade cultural de um grupo humano.

-Sítios históricos e naturais (ex.: centros históricos)

-Sítios arqueológicos.

-Monumentos.

-Museus.

2)     Lugares de recordação e memórias (Nora: 1984):

-Atraem visitantes pelo seu atractivo histórico, artístico ou literário.

-Lugares de acontecimentos como batalhas, revoluções, etc.

-Lugares que recordam a vida de artistas ou intelectuais (ex.: o Salzburgo de Mozart).

3)     Artes:

-Servem para alargar as estadias dos turistas.

-Ópera, dança, teatro, música, etc.

-Festivais famosos: Vilar de Mouros (Portugal), Edimburgo, etc.

-Teatros como a Scala de Milão, a Ópera de Viena ou Sidney, etc.

Sob este assunto, o que Greg Richards (1996: 3-17) nos diz é que na Europa está a acontecer não só um aumento da procura de turismo cultural, senão também um aumento na produção de bens culturais, patrimoniais e artísticos. Esta produção é utilizada com fins de rentabilidade económica, mas também política, social e cultural.    

            Desde uma perspectiva crítica ao turismo cultural convencional, o antropólogo espanhol Agustín Santana (1998: 37) afirma que nele não há um interesse pelo nativo real, pois o que predomina é a impessoalidade, a segregação e o simples intercâmbio económico. Esta reflexão é uma chamada de atenção que tenta evitar converter os produtos do turismo cultural em simples mercadorias, e sim em mediadores de uma experiência e vivência de aprendizagem intercultural.

4. CARACTERÍSTICAS DA PROCURA

De acordo com alguns autores, as características sócio - económicas do turista cultural são as seguintes (Bodo: 1995; Prentice: 1993):  

·        Visitantes estrangeiros de idiomas e bagagens culturais diferentes.

·        Cidadãos de um mesmo país, que procuram uma relação mais aprofundada com o seu património cultural.

·        Residentes locais que procuram um conhecimento mais aprofundado do território que habitam.

·        Pessoa com rendimentos acima da média.

·        Pessoas que despendem mais.

·        Passam mais tempo num mesmo sítio.

·        É mais provável que se alojem em hotéis.

·        É mais provável que sejam gente culta e que sejam mulheres.

·        Jovens que procuram experiências culturais intensas e pouco estereotipadas.

·        “Whoppies” (Whealthy Healthy Older People), pessoas maiores com meios económicos e saúde. O vinte por cento dos australianos, norte-americanos e europeus têm mais de 60 anos.

·        Turismo de “alta qualidade” (“Santo Graal” do turismo).

·        Turistas desejáveis, pois são cultos, poderosos e distinguidos.

Este perfil sócio-económico pode servir de orientação sociológica para entender em linhas gerais o papel social do turista cultural, porém, não podemos sobredeterminar este perfil e aplicar este a todos os casos e contextos culturais. Assim, numa investigação sobre o turismo cultural na Europa (Richards, 2000: 73-74), promovida pela ATLAS (Associação Europeia do Turismo e a Educação no Ócio) em 1992 e subsidiada pela DGXXIII da Comissão Europeia, chegou-se às seguintes conclusões:

1.      As motivações dos turistas em visitar lugares de interesse cultural foram:

·        22% salientaram a “fuga da cidade”.

·        27% disseram que “saíam para fazer turismo”.

·        51% afirmaram motivações estritamente culturais, e que faziam férias especificamente “culturais”, para “aprender coisas novas” e procurar “descanso”.

2.      Nem todos os turistas que se vem atraídos pelos lugares de interesse cultural estão motivados por eles para passar férias.

3.      Os turistas culturais procuram experiências novas.

4.      Mudamos desde uma “economia de serviços” para uma “economia da experiência”. Portanto o desenvolvimento de vivências resulta mais importante que a simples provisão de bens e serviços.

5.      Os produtos do turismo cultural incorporam importantes valores educativos e estéticos, mas também deveriam de integrar a experiência, o entretimento e a diversão. 

A metodologia empregada foi um inquérito a pessoas que visitam lugares de interesse cultural. Em 1992 entrevistaram-se 6.500 pessoas, em 26 lugares de 9 países; em 1997 repetiu-se com uma amostra superior a 8.000 visitantes em 10 países europeus e 70 lugares de interesse cultural. Esta investigação exibe a ambiguidade da prática de um turismo cultural, mas ao mesmo tempo exige a redefinição e apropriação particular de algo mais geral e profundo, como é o turismo cultural. 

5. AS POLÍTICAS DE TURISMO CULTURAL

Pese a grande quantidade de elementos do património cultural e das potencialidades que o Sul de Europa tem, foram paradoxalmente os países com criação de património mais recente (Austrália, Canadá), que tiveram uma atenção mais importante para com o património cultural e a sua exploração turística. São muitos os agentes implicados e há problemas de cooperação e coordenação. As políticas começam a mudar, pois agora o apoio ao sector é indirecto e não directo, isto é, se até ao momento, as instituições públicas apoiavam a indústria turística, agora o apoio é para os serviços, a assistência técnica e a revitalização do património cultural. Este apoio tem maior rentabilidade política, mas também social. Entre os serviços impulsionados salientamos a comunicação (marketing, publicidade, etc.) e as bases de dados.

O turismo cultural é uma das prioridades da União Europeia (ex.: Plano de Acção de Apoio ao Turismo de 1993-1995), mas só desde o Tratado de Maastricht em 1991 (Richards, 2001: 5), no qual se define a importância dele para o desenvolvimento turístico. Também a nível internacional esta preocupação tem sido muito importante desde há várias décadas. Assim, por exemplo, a  carta internacional sobre o turismo cultural (ICOMOS: 1976) define que o património cultural e natural, no seu sentido mais genérico, pertence a todos e temos o direito e a responsabilidade de o compreender, valorizar e conservar. O turismo cultural pode ser um meio para atingir esses objectivos, entendido este como uma experiência de intercâmbio cultural na qual não só nos aproximamos ao conhecimento do passado e à sua mudança, mas também à vida actual de outros grupos humanos.

O turismo cultural pode e deve estar ao serviço da conservação e valorização do património cultural, mas também pode acontecer o contrário, isto é, o património cultural cria-se em função dos interesses mercantis, e é com esse objectivo que é explorado. Aqui os riscos são o abuso, os impactos negativos e a própria perca do património cultural. Neste sentido as políticas deveriam ser orientadas desde uma perspectiva de equilíbrio entre o turismo cultural e o património cultural.

De acordo com o ICOM -Conselho Internacional de Museus-, os objectivos que o turismo cultural deveria atingir são os seguintes:  

¨      Transmitir a importância do património cultural a anfitriões e visitantes.

¨      Respeitar as culturas anfitriãs.

¨      Facilitar e animar o diálogo entre os conservadores do património cultural e a indústria do turismo, com o objectivo final de um desenvolvimento sustentável.

¨      Apoiar a conservação e a gestão do património cultural.

¨      Formular pautas de intervenção no património cultural.

Também segundo o ICOMOS, os princípios de activação do turismo cultural devem ser:

1.      O turismo cultural como veículo de intercâmbio cultural entre anfitriões e visitantes.

2.      Gestão sustentável do património cultural e do seu aproveitamento turístico.

3.      Planificação da conservação e do turismo nos sítios com património cultural, para garantir uma experiência agradável ao visitante.

4.      Implicar os anfitriões na planificação da conservação do património cultural.

5.      Beneficiar a comunidade anfitriã: distribuição equitativa dos benefícios do turismo.

6.      Proteger e sublinhar os valores do património cultural e natural.

Estes princípios servem como guia de orientação política do “campo de sonhos” (Richards, 2001: 13) no qual se tem convertido o turismo cultural. Nele, os políticos costumam sonhar com ter um museu, um teatro e um centro de exposições, se é possível um “clone” mais “espectacular” que o da cidade ou vila vizinha.

6. OS DILEMAS DO TURISMO CULTURAL

Apesar das boas intenções das declarações como as do ICOMOS, o turismo cultural não está isento de gerar conflitos (Robinson, 1999; Greenwood: 1992; Richards: 2001). Por exemplo, os “torajas” das Célebes –Indonésia- tiveram que adaptar as suas cerimónias funerárias para o gosto do turista. O rejeitamento local foi grande, e a fins dos anos 1980 os “torajas” negaram o acesso dos turistas a essas cerimónias.

O exemplo anterior ilustra alguns dos dilemas do turismo cultural. Por um lado, os turistas interessam-se cada vez mais pelas experiências culturais e exóticas. Por outro, a sua presença coloca em risco a própria cultura local, reinventando esta em função dos interesses da indústria turística (Martins Ramos: 1999). O resultado é, às vezes, uma cenação “kitsch” e uma ameaça para a cultura nativa. Gera o turismo harmonia cultural? Promove a paz e o entendimento mútuo? Favorece a coesão mundial?

            Se bem que é certo que o turismo é um vector da mundialização (Bauman: 1999: 103-133) que provoca mudanças nas culturas locais, o turista procura lazer, mas o anfitrião trabalha. O turista chega com numerosas expectativas, porém, os anfitriões não conhecem as expectativas do turista. O que faz o turismo é transformar as culturas locais em bens de consumo, mas a mercantilização do turismo provoca que os maiores benefícios sejam para os países geradores. Nos países anfitriões podem existir conflitos entre diversos sectores da comunidade, pois os empregados no turismo podem ter objectivos diferentes dos camponeses locais, por exemplo, e além disso pode existir um certo monopólio por parte de certos grupos sociais e étnicos.

A realidade empírica mostra como os esforços de colaboração com as culturas locais foram mínimos. Por exemplo, na Nova Zelândia a cooperação com os “maories” foi muito baixa (Robinson, 1999). Os governos dos países com desenvolvimento turístico ficam seduzidos pelas grandes receitas que entram em pouco tempo, mas um turismo cultural sustentável deve definir o direito das culturas locais a dizer não ao turismo. Nos casos em que as culturas locais digam “sim” ao turismo, estes devem ter o direito de tomar decisões sobre os princípios orientadores e de ordenação do mesmo, um bom exemplo será o caso dos “kunas” do Panamá (TOURISM CONCERN, 1998: 11-13). Bem sabemos que um excesso de visitantes degrada a cultura ata o ponto de fazer perder o seu atractivo e a qualidade da vivência.      

Em opinião de Greg Richards (2000, 70-96) há uma “corrida ao armamento” no campo da cultura, pela qual se perseguem serviços e infra-estruturas culturais tão boas como as do vizinho ou melhor. Tudo isso para captar a atenção do turista. Nos anos 80 o número de atracções culturais aumentou mais depressa que o número de visitantes. Ao mesmo tempo dissolve-se a fronteira entre turista e turista cultural, e o turismo cultural compete cada vez mais com outras formas de ocupar os tempos de lazer (ex.: consumo). Também acontece que se diluíram os limites entre cultura popular, cultura de massas e alta cultura. Todas elas se converteram em produtos para o turista cultural. O turista cultural encontra-se agora em todos os segmentos do mercado turístico. Talvez só se mantenha uma polarização entre grandes e pequenas atracções culturais (museus locais / museus de arte), e a divulgação dos produtos através de novas tecnologias será um desafio para o futuro de muitos projectos de turismo cultural.

7. ÉTICA DO TURISMO CULTURAL

Ser conscientes dos efeitos negativos do turismo (Guttman, 1999: 76) implica ter em conta uma série de princípios ou regras éticas que guiem o desenvolvimento do mesmo, e em particular do turismo cultural. O artigo 1 do Código Ético para o Turismo elaborado pela Organização Mundial do Turismo (OMT) afirma:   

"Os agentes do desenvolvimento turístico e os próprios turistas atenderão às tradições e práticas sociais, religiosas e culturais de todos os povos, inclusive às das minorias nacionais e das populações autóctones".

Este código condena a exploração da pessoa em todas as suas formas, sobre tudo sexuais. Também sublinha que a política turística deve beneficiar as comunidades locais, preservar e conservar o património cultural. Já nos anos sessenta do século XX o Conselho Mundial de Igrejas, conjuntamente com outras associações, tinha chamado a atenção para o impacto do turismo nas culturas locais. Nos últimos anos esse debate levou a que em Abril de 1999, na Cimeira de Rio de Janeiro, se chegasse a um acordo em 2 pontos:

1.       A necessidade de estabelecer mecanismos que garantam um desenvolvimento sustentável do turismo, isto é, que os benefícios sociais e ecológicos a longo prazo prevaleçam sobre os ganhos a curto prazo.

2.       O papel decisivo das autoridades locais na concepção dos projectos e a avaliação do seu interesse para a população.

De tudo isto, desprende-se que o turismo não pode ser reduzido a uma simples actividade comercial regida pelos critérios de mercado; as políticas nacionais de turismo devem ser concebidas por equipas interdisciplinares de economistas, geógrafos, arqueólogos, antropólogos, historiadores, sociólogos, etc., pois educar o visitante e o turista é um dever dos sectores públicos e privados. Praticar turismo cultural ético implica praticar um turismo que respeite (O´Grady, 1987: 211-212) os habitantes do país de acolhimento, que escute, pergunte e observe os locais, com o fim de compreender as diferenças no uso e significado do tempo, do espaço e da memória.

Agradecimentos:

Muito agradeço ao meu colega e amigo o Professor Paulo Mendes os seus comentários e revisão feita a este texto. Também agradeço os comentários e discussões mantidos com os estudantes do 3º Ano da Licenciatura em Recreação, Lazer e Turismo (UTAD-Pólo de Chaves, 2001-2002), enquadrados dentro da disciplina de Turismo Cultural.

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www.miranda.utad.pt/imp/~xerardo

www.word-tourism.org/pressrel/code_E.htm



(*) Autor:
Xerardo Pereiro Pérez
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)
Pólo de Miranda do Douro
Departamento de Antropologia Aplicada
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