O  DESENVOLVIMENTO  VOLTADO ÀS CONDIÇÕES HUMANAS E O TURISMO COMUNITÁRIO

Luzia Neide Menêzes Teixeira Coriolano[1]

O desenvolvimento voltado para a escala humana pode ser entendido como aquele que privilegia o ser humano, possibilitando o desabrochar de suas potencialidades, assegurando-lhes subsistência, trabalho, educação e condições de uma vida digna a todos os cidadãos. Ao contrário da economia do ter, baseia-se na economia do ser, que se traduz em um modelo de desenvolvimento centrado no homem, em uma cultura de cooperação e parceria. Entender o desenvolvimento na escala humana significa encontrar os caminhos para viabilizar o desenvolvimento local e o desenvolvimento do turismo, porque ambos têm o homem no centro da ação e o objetivo é a busca da satisfação humana.

Em 1990 a UNESCO, através da CEPAL[2] sustentou sua proposta econômica especificando que é a educação, o conhecimento, que conformam o eixo da transformação produtiva com eqüidade (Coraggio, 1996, p. 104). Essa diretriz da UNESCO situa a educação e o conhecimento como eixo do desenvolvimento, ou seja, um desenvolvimento voltado ao ser humano, que respeita seus valores e direitos.    

O respeito e a proteção aos direitos humanos são bases essenciais para que se promova o desenvolvimento social e se possa construir uma sociedade humanizada. Sociedade humanizada é entendida como é aquela que assegura o necessário à vida digna de todos os cidadãos, com tranqüilidade no relacionamento social, dentro de possibilidades de intercâmbios dos povos e na construção de bases confiáveis para a vida social, para a construção de uma sociedade sustentável. Essas condições são imprescindíveis para a preservação da dignidade humana e oferecem bases sólidas para o desenvolvimento do turismo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos[3] (ONU, 1948) aponta rumos e dá diretrizes para a promoção do desenvolvimento na escala humana. Trata do direito de ser, direito ao trabalho, ao lazer, a um padrão de vida digno, à instrução, à liberdade e à participação. Representa as normas jurídicas internacionais, as exigências elementares de respeito à pessoa humana, aponta os Estados como responsáveis pela garantia das condições de sua efetivação histórica. Portanto, o sentido do Estado na comunidade humana é estar a seu serviço e garantir esses direitos. Diz Oliveira (1998, p. 6) que:

(...) só se pode compreender o sentido dos Direitos Humanos na medida em que os considerarmos como princípios norteadores da ação pública dos Estados e dos cidadãos, ou seja, eles constituem o horizonte normativo, que articula o conjunto de exigências decorrentes da dignidade do ser pessoal e, por esta razão, inspiram projetos históricos que devem conduzir a transformações profundas na vida humana no sentido de humanizar as condições reais de vida das pessoas.

A possibilidade de se desenvolver uma política econômica voltada ao homem ou ao desenvolvimento social remete à necessidade de se respeitar os direitos individuais e sociais da pessoa humana, proclamados pela ONU, e se definir ainda os objetivos do desenvolvimento que se pretende alcançar.  Desenvolvimento é um continuum que está sempre dando avanços. Voltar o desenvolvimento para a escala humana é um desses progressos substanciais.Costuma-se dizer que só há desenvolvimento quando este atinge a sociedade, resolvendo seus problemas básicos. Daí se dizer que o Brasil cresceu economicamente, mas não se desenvolveu. Uma prova disso é a grande exclusão social, com a negação dos direitos humanos. Diz ainda Oliveira (1998, p.6) que:

... a realidade nacional é violação clara destas exigências normativas: os pobres e excluídos são os primeiros agredidos em sua dignidade de modo que a celebração dos 50 anos dos Direitos Humanos implica, para todos nós, uma pergunta básica: qual a relação entre pobreza, exclusão e violação dos Direitos Humanos?

 Esses questionamentos básicos conduzem também a lógica dessa reflexão, que relaciona o desenvolvimento com o respeito aos direitos humanos e com o turismo local. Anota Brockway (1995, p. 21) que Adam Smith inicia seu primeiro livro - The Theory of Moral Sentiments - com esta frase: por mais egoísta que o homem possa ser considerado, há evidentemente certos princípios, em sua natureza, que o fazem interessar-se pelos destinos das demais pessoas e a considerar a felicidade destas como indispensável para ele, embora isto não lhe proporcione benefícios, exceto o prazer de observar a isso. Brockway diz, ainda, que, embora Smith tenha utilizado a palavra evidentemente, não ofereceu evidências concretas desta forma de pensar nos seus escritos, ou seja, o discurso não conduziu a uma prática coerente. O mesmo acontece quando se analisa a maioria dos planos governamentais, das propostas de desenvolvimento: os objetivos remetem ao bem comum, ao desenvolvimento sustentável, à qualidade de vida, no entanto, os programas, planos e projetos não conseguem implementar o chamado desenvolvimento, justamente porque os resultados desses processos chamados de desenvolvimento só conseguem beneficiar uma minoria de pessoas, produzindo-se, pois, o crescimento econômico concentrado. O desenvolvimento econômico concentra riqueza, sempre nas mãos de pequenos grupos, por isso segrega os espaços e separa as pessoas. Assim, é oportuno promover outros estilos de desenvolvimento, pois o modelo hegemônico, especialmente por sua rigidez e necessidade de ampliar-se cada vez mais, tenta transformar-se em um sistema - mundo, apesar de excluir a maioria, afirmam teóricos como Wallerstein, Soja e Santos. A teoria do Sistema Mundial de Wallerstein, da década de 1970, mostra como o capitalismo se estabeleceu como um sistema mundial de produção e de trocas, com divisões espaciais do trabalho alimentado por fluxos de intercâmbios desiguais. Milton Santos repetiu em seus livros e na imprensa falada que o que globaliza separa; é o local que permite a união e que só é possível humanizar a partir do local. Dowbor (1998, p. 44), nessa mesma lógica admite que:

(...) não é que o ser humano agora seja menos solidário, é que ninguém se solidariza com o anonimato. A humanização do desenvolvimento, ou a sua re-humanização, passa pela reconstituição dos espaços comunitários. O próprio resgate dos valores e a reconstrução da dimensão ética do desenvolvimento exigem que para o ser humano o outro volte a ser um ser humano, um indivíduo, uma pessoa com os seus sorrisos e as suas lágrimas.

 No modelo global, a lógica do local torna-se inviável quando a maioria das pessoas fica excluída e isso causa efeitos nefastos sobre a identidade individual e social dos desempregados, dos excluídos. Os estudiosos do desenvolvimento local e do desenvolvimento na escala humana[4] não têm a pretensão de que esse seja o modelo único, mas têm a convicção de que o padrão econômico neoliberal não satisfaz a todos e que a proliferação de estalões de desenvolvimento solidários e alternativos poderão ser a contraposição ou antítese ao modelo de desenvolvimento econômico clássico. Esse espelho tem se mostrado incapaz de atingir setores marginalizados, de situar o homem como principal beneficiário do processo e respeitar os direitos humanos, ou seja, atingir a escala humana. Milton Santos (2000, p. 14) mostrou a tendência dessa mudança, dizendo:

(...)  estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado partícipe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso  único.

 Essa efervescência é sentida em todas as classes sociais, em todas as áreas do conhecimento, quando essas idéias ganham volume no mundo acadêmico, no mundo artístico, no mundo popular, no mundo periférico. É a força das idéias que mobiliza para mudanças.   Lembra Lewandowski (1984, p. 174) que na prática inexistem sanções diretas contra Estados que violam os direitos humanos (...) e que se deve aproveitar ao máximo o recurso da publicidade, para que a opinião pública, por ela mobilizada crie obstáculos, no plano doméstico e internacional, à atuação dos violadores contumazes. Ficam patentes a importância das denúncias e o uso dos media para sensibilizar as populações e essas exercerem controles sociais. Nas pequenas comunidades, algumas populações locais conseguem fazer o controle do meio ambiente, mobilizando a opinião pública, quando alguns crimes ambientais são evitados, mas esse controle além de precisar se intensificar impõe que se  estenda com maior intensidade aos casos de violação dos direitos humanos, e para a implementação do turismo com benefícios para o local.  A fome, por exemplo, que é uma das maiores violações dos direitos humanos, fica banalizada e já não sensibiliza quem a presencia no dia-a-dia das cidades nordestinas.A convivência com a pobreza fez-nos perder a sensibilidade diante da injustiça e vê-la como algo natural, interferindo na ética. Martin (1997, p. 8)  lembra de que há mais de 2000 anos, na China, já se afirmava que a ética se funda na consciência da humanidade, esta definida como o sentimento que cada homem possui de considerar insuportável o padecimento que afeta os outros seres humanos e que o conceito de desenvolvimento precisa adotar essa filosofia. Mesmo assim, pode-se dizer que a preocupação com o destino das sociedades humanas aparece na esfera do discurso, em alguns economistas clássicos e contemporâneos, nos cientistas sociais, de um modo geral, nos governos e órgãos públicos como ONU, UNESCO, FAO, CEPAL, SUDENE[5], mas torna-se difusa e inócua a implementação de ações concretas, como programas de desenvolvimento que apresentem modelos de luta contra a pobreza e insira as camadas pobres da população no processo de desenvolvimento.

Segundo dados do IPEA/PNUD[6], o Brasil apresenta um dos maiores índices de desigualdades sociais do mundo:

(...) Os 20% mais ricos da população detêm 65% da renda total e os 50% mais pobres ficam com 12 % (em 1960 essa relação era de 54% contra 18%). A renda média dos 10% mais ricos é quase 30 vezes maior que a renda média dos 40% mais pobres, contra 10 vezes na Argentina, 5 vezes na França e Alemanha, 4 vezes na Holanda, 25 vezes no Peru e 13 vezes na Costa Rica. A fração da renda apropriada pêlos 20% mais ricos cresceu 11 pontos entre 1960 e 1990, enquanto a dos 50%  mais pobres caiu 6 pontos e a das classes intermediárias permaneceu quase sem alteração.

Voltar o desenvolvimento para a escala humana e o turismo para beneficio local significa adotar políticas que possam ocasionar trabalho e ocupação para todos, tanto quanto atuar no campo da proteção social, e de programas emergenciais quando necessários, mas requer, sobretudo, o homem no centro do poder, de forma que possa promover a sua realização. Significa implementar atividades de revalorização do lugar e das pessoas. As atividades planejadas voltam-se para o desenvolvimento social e cultural do grupo e as atividades econômicas passam a contribuir para que isso aconteça. O turismo pode ser  uma forma viável de conciliar esses dois pólos, o crescimento do trabalho e do bem-estar-social. Deve ser essencialmente um processo que valoriza as pessoas. Lembra Oliveira (1998, p. 6) que: não se pode permitir que o discurso dos Direitos Humanos seja monopolizado, precisamente por aqueles que mais os violam. Faltam políticas que objetivem e viabilizem esses direitos, tornando os propósitos e benefícios concretos para todas as pessoas, sobretudo para as populações mais pobres. Inexistem políticas de redistribuição das riquezas, de uma forma mais eqüitativa. Daí a proposta de desenvolvimento local, de desenvolvimento na escala humana, de turismo de base local para mudar o eixo de interesse das ações. Falar de eqüidade em países de economia liberal pode soar como ironia ou ideologia e não como alguma coisa viável. O Bem-Estar-Social, essa antiga preocupação dos Estados e da sociedade civil, parece corroído. Numa sociedade de exclusão, os Estados mantêm os privilégios das classes dominantes, da qual fazem parte e apenas lutam para proteger a ordem coletiva, os padrões mínimos de integração social, a fim de preservar a vida democrática e sua integração na economia global.

      La Cumbre de la Tierra, realizada em junho de 1992, no Rio de Janeiro, consagrou o princípio básico do desenvolvimento, a sustentabilidade, surgindo daí a expressão desenvolvimento sustentável. Diz Sachs (1995, p. 191) que todo desenvolvimento digno desse nome deve ter como objetivo a justiça social, o respeito à natureza e a busca de uma eficácia econômica, sem que essas duas preocupações se convertam em um fim em si mesmo. Estão em pauta o desenvolvimento social, o desenvolvimento ecológico ou ecodesenvolvimento, dando maior dimensão ao simples desenvolvimento econômico.   Em 1995, La Cumbre Mundial sobre Desarrollo Social reuniu, em Copenhague, 185 países-membros das Nações Unidas e denunciou o fato de que nossas sociedades estão pagando de uma forma muito cara sua dependência exclusiva da economia, em lugar de subordinar a economia a um projeto social democraticamente elaborado.O homem foi relegado à economia informal, apresentada em termos de solução às crises do desenvolvimento e, na realidade, se caracterizou como um dos sintomas mais graves do subdesenvolvimento. Diz Sachs (1995, p. 191) que:

(...) A estratégia de sobrevivência a que tem que recorrer os participantes da economia informal só constitui de imediato um paliativo e não deve servir de pretexto para o Estado abolir sua responsabilidade e para esquivar-se da luta contra as raízes da exclusão. Estamos presenciando o que caberia chamar-se uma terceira mundialização do planeta.

A crise por que passa o mundo se torna uma megacrise, porque não atinge somente o segmento econômico, aloca-se especialmente nos setores político, social e cultural, dificultando as condições da vida humana. É isso que amplia a magnitude da crise, dificultando ainda mais a solução, porque não se trata de produzir, economicamente, mas de investir no homem; habilitá-lo e propiciar-lhe os meios para integrá-lo como protagonista na sociedade civil, de forma a alcançar igualdade econômica, social e política. Toda e qualquer mudança e habilitação do homem passam pela educação. Assim, qualquer tentativa de desenvolvimento implica preparar o homem, reconduzi-lo ao seu devido lugar, o protagonista do processo de desenvolvimento. Essa preparação se faz com educação, que é a base necessária a todo desenvolvimento econômico eqüitativo ou humano. Nos países pobres, a mais urgente transformação requerida está no campo social, para que se garantam as condições e as possibilidades de participação e integração de todos os segmentos da sociedade. Lembra Draibe (1996, p. 2) que os países latino-americanos, com poucas exceções, arrastam até os tempos atuais, padrões inaceitáveis de desigualdade e pobreza que, sob a onda transformadora da globalização, foram expostos aos novos e fortes mecanismos que reforçam a diferenciação, que aumentam a desigualdade e ampliam a exclusão social. Essas forças desagregadas podem comprometer a integração nos mercados globais.

Para uma análise sobre desenvolvimento na escala humana, toma-se o pensamento do chileno Neef como uma das principais referências.  Ele mostra essa abordagem que faltou na maior parte dos teóricos do desenvolvimento. Diz Neef[7] (1994, p. 10) que se confunde o conceito de trabalho com o de emprego assalariado, esquece-se dos camponeses, das cooperativas informais e dos trabalhos voluntários. Tudo que não dá valor agregado ou estatístico é invisível. Esses dados invisíveis aos olhos da economia capitalista são importantes para o desenvolvimento local, porque atendem à satisfação das necessidades populares. No entanto, o que na maioria das vezes ocorre é o desvirtuamento das cooperativas, deboche ao trabalho comunitário voluntário. Menospreza-se a tradição de solidariedade, diz Boff (1999, p.19). As visões de homem e de sociedade encontram-se subjacentes aos processos de desenvolvimento. Para a racionalidade técnica científica, o homem é um ser racional; para o desenvolvimento econômico, é consumidor; para o desenvolvimento na escala humana, ele é sujeito histórico dotado de direitos e deveres inalienáveis, um ator social que pode e deve mudar o cotidiano e sua história. Assim, cada proposta de desenvolvimento possui introjetada sua visão de homem e de sociedade desejada. Na compreensão de Neef, os economistas desprezam a palavra necessidade e trabalham apenas com as "preferências reveladas" no mercado, ou seja, a visão de homem no desenvolvimento econômico é de um consumidor que pode produzir lucro. Na luta pelos direitos humanos, há que se identificar essas visões de homem e definir a proposta de sociedade que se defende. Para Marshall (1972, p. 307),

(...) o poder das palavras e símbolos persistirá e tenderá a aumentar. Por isso, slogans como liberdade, igualdade e justiça; apelos éticos à consciência e um senso de comunidade cada vez mais afetarão as relações de poder. Palavras e símbolos sempre foram uma ameaça aos usos arbitrários da força física, do poder econômico e os ameaçarão cada vez mais.

Há que se fazer uma mudança radical de mentalidade para a compreensão de que a economia deva estar a serviço dos homens e não os homens a serviço da economia, para que esta retorne a uma das dimensões, a um dos componentes da realidade social e que, portanto, esteja em íntima correlação com a política, a cultura, a educação e com todos os outros aspectos dessa realidade. A acelerada redução do trabalho, chegando à forma de desemprego e exclusão, criou um desequilíbrio econômico e uma desesperança explicada por Neef (1994, p. 27-28) ao dizer que... nosso modelo de desenvolvimento não é gerador de desenvolvimento no sentido que hoje o entendemos: as condições dos países pobres, onde a miséria não pode ser erradicada pela liberação do mercado em que os pobres se encontram de fato marginalizados, a atividade econômica se orienta no sentido especulativo o que deriva em resultados concentradores que são socialmente insolúveis. A idéia de desenvolvimento na escala humana - apesar de estranha ao modelo vigente, porque não apenas fala, mas objetiva o homem, a justiça e a eqüidade e não visa ao capital e ao lucro - parece emergir com uma certa força, quando associada à busca de respostas aos problemas concretos da sociedade. Denota que as opções econômicas são difíceis quando implicam a adoção de valores morais e éticos. Fala-se de direitos humanos e esses foram, de fato, uma conquista das sociedades liberais, por isso eles precisam concretizar-se para todos. O desenvolvimento na escala humana somente se efetivará de forma plena quando as políticas públicas reorientarem suas prioridades para o social, passando a ver o homem como seus reais beneficiários; quando se aprofundar na sociedade a consciência da dignidade do ser humano e quando for possível extingüir a estrutura social que agride sistematicamente os direitos da pessoa humana. Dowbor (1998, p. 81) lembra que:

(...) Não há solução espontânea para esses problemas. Algum tipo de "mão invisível" institucional capaz de assegurar os equilíbrios. Os atores econômicos e sociais são hoje tão desiguais, que a imagem da "livre concorrência", capaz de equilibrar os processos de desenvolvimento econômico, é hoje tão utópica e antiquada quanto à visão de "bom selvagem" que ainda sobrevive em certas visões de esquerda. A liberdade sobrevive quando há um mínimo de equilíbrio de poder entre as partes, pois entre desiguais significa liberdade do mais forte e resulta na erosão das instituições. Quando se desarticulam os instrumentos institucionais de governo, ficam mais frágeis os instrumentos políticos de compensação, perdem-se de vista o longo prazo e os interesses humanos.

O desenvolvimento social sustenta-se na satisfação das necessidades humanas fundamentais, na geração de níveis crescentes da independência dos indivíduos, na articulação orgânica dos seres humanos com a natureza, com a tecnologia, a fim de que possam se integrar nos processos globais, respeitando os valores e os comportamentos locais. O desenvolvimento, para ser definido como social, precisa estar voltado para as necessidades humanas, tornar as pessoas auto-independentes e habilitadas para o trabalho e para a vida comunitária.  Implica o desenvolvimento dos indivíduos como pessoa e como grupo, organizados como sociedade civil para se tornarem protagonista de seu desenvolvimento e do desenvolvimento de seu lugar.

Conforme Furtado (1984, p. 105), uma vez que a idéia de desenvolvimento se refere diretamente à realização das potencialidades do homem, é natural que ela contenha, ainda que implicitamente, uma mensagem de sentido positivo. As sociedades são consideradas desenvolvidas na medida em que nelas o homem mais cabalmente logra satisfazer suas necessidades, manifestar suas aspirações e exercer seu gênio criador. A preocupação com a metamorfose social deriva dessa outra idéia simples de que é mediante a invenção e implementação de novas estruturas sociais que se cumpre o processo de desenvolvimento. O homem passa a ser sujeito e objeto do desenvolvimento.  Muitas vezes, as soluções para os problemas que atormentam a sociedade são produzidas de cima para baixo, sem um maior conhecimento da realidade, sob orientação dos modelos clássicos, elitistas e centralizadores.  O tradicionalismo, o medo de mudar, o medo da participação popular persiste. Explica Neef (1994, p. 34) que

(...) vivemos e trabalhamos orientados por nossos conhecimentos formais adquiridos. Daí que observamos que muitos dirigentes têm medo patológico do protagonismo e da liberdade. O povo está orientado muitas vezes por aqueles que se dão o luxo de desconhecer a orientação do povo. Assim,  se desenham programas para conscientizar porque por alguma estranha razão se supõe que quem sofre não sabe porque sofre e o que vai  mal não sabe o que almeja.

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O estado de privação vivido pelas classes pobre é experimentado de forma consciente, pois elas sabem que, para abolir sua miséria, há meios técnicos e institucionais, o que elas não têm é acesso a esses meios.  Sabem também que falta vontade política para redirecionar o paradigma do desenvolvimento para a escala humana. O desenvolvimento local precisa de homem consciente, que significa muito mais do que homem conscientizado.  Os sistemas políticos sociais latino-americanos não foram capazes de construir coesão, igualdade e benefícios sociais para todos, até porque esses não eram seus objetivos. Alguns países que conseguem implantar programas direcionados à redução dos impactos negativos sobre as condições sociais das populações o fazem seguindo modelo corporativista e clientelista, com resultados não satisfatórios.  Neef (1994, p. 35) a esse respeito posiciona-se nos seguintes termos:

(...) Confundimos assim a lei com a justiça, o regulamento com a eficiência. Identificamos a generosidade com a esmola e a participação com a reivindicação concedida. Utilizamos as palavras sem respeitar seus conteúdos e acabamos assim construindo caricaturas em vez de contextos coerentes nos quais se sustentem as construções de nossos projetos de vida individuais e coletivas.

A participação é um processo de mobilização social que conduzindo a uma mudança da realidade, ajudará a superar o fatalismo. É pela participação que as pessoas começam a compreender que são capazes de construir ordem social diversa da vigente.  E se essa ordem social pode ser reconstruída, ela não é natural, portanto é passível de mudança. A participação não se dá apenas como uma estratégia política em determinadas ocasiões, mas como uma luta constante de conquista dos direitos. Quando se trata de direitos, fala-se de conquistas, que de modo geral não são concedidas gratuitamente. Muitas vezes, a confusão conceitual aparece a propósito para inviabilizar a construção de uma proposta de desenvolvimento social. A esmola seria desnecessária se a justiça fosse concedida a todos. Ela, que significava a compaixão que se tinha pela pobreza do outro, transforma-se em "ajuda" moderna, calculista, interesseira e uma obrigação nova e institucionalizada do Estado. Assim, as chamadas "ajudas externas" são muitas vezes formas de modernizar e submeter o país beneficiário para facilitar as parcerias e obter maiores proveitos nas relações.

Modernamente, a pobreza passa a ser vista como a recusa ao trabalho por aquelas pessoas que supostamente são  preguiçosas, malandras e desordeiras.  As palavras precisam recuperar seus conteúdos: muitos falam de desenvolvimento, de participação, de direito humano, sem o conhecimento do significado dessas expressões, ou dando-lhes uma significação conveniente aos seus interesses. É comum se ouvir pessoas chamando os "humildes" se referindo aos pobres. Ora, ser pobre não significa necessariamente ser humilde.  A humildade é uma virtude que pode estar em qualquer pessoa, seja rica ou pobre.  Essa confusão de conceitos mascara a realidade. As virtudes modernas passam a ser comparadas com as do mecanismo das máquinas, das oficinas, como ordem, precisão, regulação, energia, prontidão e submissão. Direito humano não pode ser entendido como concessão, algo legal, não pode ser confundido com algo justo, porque pode ser uma coisa e não ser outra.

Participar é um ato de livre escolha, uma ação de liberdade, é uma decisão de cada um. Assim, quando alguém decide participar, mobiliza sua vontade para agir em direção àquilo que definiu como objetivo e passa a se sentir responsável. Quando essa compreensão é coletiva, mobiliza grupos sociais capazes de mudar a realidade. É isso que se presencia nas comunidades de base, nos movimentos populares, na luta dos "sem terra", dos "sem teto", nas pequenas experiências de desenvolvimento local, de turismo de base local espalhadas em todo o Território brasileiro. A participação é um espaço de educação política, onde se vivencia e se constrói a cidadania. A filantropia e a caridade eram virtudes individualizadas em toda a história européia antiga, uma herança que ainda hoje influencia o sentimento religioso.  Era mais virtuoso dar do que receber. O valor da caridade provinha mais dos motivos do próprio doador do que dos efeitos da doação. É na modernidade que o espírito filantrópico vai se redefinir e se institucionalizar de uma forma peculiar. Passaram os propósitos da filantropia a sair do eu, e se preocupar com a melhoria da qualidade de vida das comunidades. O foco mudou do doador para o receptor, da salvação das almas para a solução dos problemas, da consciência individual para a consciência coletiva, do trabalho individual para o trabalho comunitário. Ampliando a consciência comunitária, o nível de participação e de integração, as comunidades passam a encontrar os caminhos para gerar seu crescimento econômico, seus próprios benefícios que deixam de ser vistos como alvo da doação, da generosidade, da concessão, dos políticos e dos governos. O turismo que é de interesse global, internacional,    passa a ser também  de interesse local. Os ganhos passam a constituir fruto da conquista de grupos organizados em comunidades. Prevalece a percepção que tem como referência as pessoas e não os objetos, por isso ele se dá na escala humana. Quando relativo aos objetos, às técnicas, deve ser identificado como progresso; quando visa à acumulação de capital, é considerado apenas   crescimento econômico; quando prioriza o homem trata-se do desenvolvimento social.

Os modelos tradicionalmente utilizados para avaliar o desenvolvimento de um lugar baseiam-se em indicadores predominantemente econômicos, como o PIB (Produto Interno Bruto), denotam o crescimento econômico, mas não o desenvolvimento. Poderão até ensejar desenvolvimento, mas não necessariamente. Se o seu produto, se a renda fica concentrada, beneficiando apenas uma classe, não se chegará ao desenvolvimento. Desenvolvimento em escala humana significa o crescimento das atividades econômicas, por decisão e trabalho de todos, garantindo o atendimento de suas necessidades, promovendo o bem-estar social. Portanto, não significa produção, acumulação, lucro, consumo, ou simples aumento do PIB, da renda per capita e da mais-valia. Os países mais ricos que mais investem em seus recursos humanos, em termos de educação e cultura - como Austrália e Canadá, por exemplo - lideram a lista dos Estados ricos que mais investem nesses setores, portanto na escala humana (Banco Mundial, 1995). Necessita-se, com efeito, de indicadores do crescimento qualitativo e não apenas de indicadores econômicos, como os índices de realização dos desejos, de educação, de solidariedade, de realização humana, do homem como sujeito de sua história. Certamente, esses são bastante difíceis de mensurar, até porque o método científico clássico não considera a subjetividade. Quanto maior a qualidade de vida das pessoas, maior o processo de desenvolvimento, significando que atingiu a escala humana, satisfazendo suas necessidades amplas que se alargam pelos desejos, sonhos e utopias.  Quanto maior for a distância entre os ricos e os pobres, tanto menor o desenvolvimento local. Quando essa disparidade é muito grande, dificulta a vida das classes e não mais só dos estratos pobres. A rica passa a ser ameaçada e violentada: é esse o quadro brasileiro.  Agradável seria estar em um ambiente onde todos pudessem viver e conviver dignamente, sem causar problemas uns aos outros, sem assaltos, roubos e violências. É de um ambiente assim que o turismo precisa para se sustentar e os países que mais se aproximam dessa realidade são os mais procurados pelos turistas que também possuem essa visão, portanto turistas desejáveis.

Mudar a visão do desenvolvimento significa substituir idéias, compromissos, significados para depois substituir os indicadores clássicos por aqueles mais representativos dessa construção mental remetidos à sociedade e não apenas à economia.  O desenvolvimento nacional não pode ser medido apenas pelo PIB (Produto Interno Bruto), dado que este faz ver apenas a produção material. Deve ser avaliado também sobre a base humana, por isso se vêm procurando medidas socioeconômicas mais realistas. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), proposto em 1990 pelo Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD, apresenta grande contribuição metodológica, por incluir outros componentes básicos do desenvolvimento humano: a longevidade, o conhecimento ou índice de alfabetização e educação e o padrão de vida. Avaliar o desenvolvimento humano torna-se uma tarefa muito difícil por sua complexidade e dificuldade de mensuração.  O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil, apresentado pelo IPEA[8] em 1999, mostra o esforço de construção de um indicador que capte e sintetize as diversas e complexas dimensões do processo de desenvolvimento humano e de desalojar o PIB per capita, da condição de única medida do desenvolvimento. Para a definição do IDH, foi adotada pelo IPEA uma metodologia que define como:

·          indicador de longevidade, a esperança de vida ao nascer;

·          indicador de nível educacional, a taxa de alfabetização dos adultos e a taxa combinada de matrícula nos ensinos fundamental, médio e superior. Essas taxas são reunidas em indicador único, uma média ponderada, com peso dois e um, respectivamente, ou seja, o conhecimento é avaliado por uma média entre a taxa de alfabetização dos adultos (com peso dois) e a taxa combinada de matricula nos ensinos fundamental, médio e superior (com peso um);

·          indicador de acesso aos recursos, a renda per capita, o poder de compra, baseado no PIB per capita, ajustado ao custo de vida local, traduzida como paridade do poder de compra.. A adoção do IDH é um indicador mais fiel, porque sai um pouco do percentual quantitativo, inserindo o qualitativo de uma forma mais abrangente, portanto mais próxima da realidade.

Diz Neef, (1994) estudioso chileno do desenvolvimento na escala humana[9], que o mundo foi levado a pensar que as necessidades humanas são infinitas, que variam de uma cultura para outra, a cada período histórico.  Além disso, acreditava-se que existia uma correspondência biunívoca entre as necessidades e as satisfações das necessidades. Na verdade, as necessidades humanas são finitas, poucas, classificáveis e as mesmas em toda e qualquer cultura. O que muda através do tempo e das culturas são as formas e os meios de satisfazer essas necessidades.  Essas formas é que determinam a qualidade de vida de um lugar.  O que está culturalmente determinado são as formas de satisfazer as necessidades, porque se é levado a abandonar maneiras tradicionais por outras modernas. As necessidades humanas são as existenciais como: ser, ter, fazer, estar e as axiológicas como: necessidade de subsistência, de proteção, de afeto, de entendimento, de participação, de ócio, de criação, de identidade, e de liberdade.

As culturas são definidas pelo modo como satisfazem suas necessidades. O que está culturalmente determinado não são as necessidades, mas as formas de satisfação dessas necessidades. Qualquer necessidade humana fundamental não satisfeita revela uma pobreza humana, havendo uma variedade de pobrezas, tais como, de afeto, entendimento, participação, de bens materiais. A pobreza produz e alimenta patologias individuais e coletivas como: angústia, depressão, violência, marginalidade, medo e isolamento. Agnes Heller, socióloga húngara citada por De Masi (1999, p. 204) acentua que todos os seres vivos manifestam necessidades existenciais ligadas à sobrevivência, como alimento, repouso e reprodução. Mas a espécie humana apresenta especificidade, por possuir necessidades próprias que se atêm à própria raiz da natureza humana, por isso chamadas necessidades radicais. São, sobretudo, necessidades de introspecção, amizade, amor, diversão, ou necessidades qualitativas. Outras necessidades se constroem, por isso são necessidades induzidas ou alienadas. Essas são típicas de sociedades identificadas pela exigência de poder, posse, acúmulo quantitativo interminável. Entre as necessidades radicais e as alienadas existe uma profunda diferença. Frente a elas o indivíduo é obrigado a escolher ou cindir-se. Há pessoas que preferem a auto-realização, privilegiando a satisfação das necessidades radicais; outras terminam por alienar-se, privilegiando a satisfação das necessidades induzidas.  São aquelas pessoas que não passam mais sem as comodidades e os objetos supérfluos. Outras, totalmente esquizofrênicas, apresentam-se indecisas, frente à satisfação de suas necessidades. A outras, Heller chama de desconfiadas, porque renunciam a qualquer esforço para satisfazer tanto as necessidades radicais como as induzidas. Essas pessoas são portadoras de patologias. O modelo capitalista induziu tantas necessidades que produziu uma sociedade de consumo, que origina desperdício e ainda segregação De um lado os que têm e podem consumir, e, do outro, os que não têm e, portanto, não podem consumir.

 Satisfação de necessidade corresponde a uma perspectiva biológico/psicológica que procura encontrar pontos universais de justificação de comportamentos humanos. Sabe-se que existem necessidades básicas e necessidades criadas, mas sabe-se, também, que a teoria e o discurso das satisfações das necessidades são lineares e simplistas, pois construídos fora da concepção dos atores sociais sem os levar em conta; sem considerar seus interesses, sonhos, utopias, estratégias de realização. É certo que há populações que não atingem o mínimo de satisfação de suas necessidades básicas, ou se encontram "alienadas" e contra essas situações os cientistas sociais devem se mobilizar. Mas, é certo também que não compete aos cientistas sociais definir o mínimo e o máximo do que é razoável nessa satisfação, específica de cada povo e realidade.

  A lógica da transdisciplinaridade, da territorialidade das estratégias sociais, possibilita e mobiliza a criação de paradigmas, dentre os quais aflora outra lógica que Morin chama de "auto-eco-organizada", porque se torna capaz de possibilitar o esperado desenvolvimento que se deseja para todos. Esse desenvolvimento ressurge fazendo valer lógicas econômicas já descartadas ou que não têm valor dentro do padrão liberal economicista, tais como o papel das culturas-matrizes situadas fora dos interesses e dos discursos consensuais da economia, o papel das mulheres com sua capacidade de administração, o papel dos espaços tradicionais e das microeconomias.

Pobreza, historicamente, refere-se à situação das pessoas que estão abaixo de um determinado padrão econômico, que não têm suas necessidades atendidas. Pobre seria uma pessoa situada abaixo da linha de pobreza, ou seja, não tem o suficiente para adquirir os bens necessários à sobrevivência adequada. Esse é o conceito utilizado pelo IPEA.  Essa noção de pobreza é ainda restrita e limitada porque ser pobre é muito mais do que não ter, é, sobretudo, não ser. O não-ter leva também ao não-ser. Segundo o pensamento de Neef (1994, p. 43), qualquer necessidade humana fundamental que não é adequadamente satisfeita revela uma pobreza humana. Porem, as pobrezas não são só pobrezas são muito mais que isso.Cada pobreza gera patologia toda vez que rebaixa a limites críticos de intensidade e duração. Assim, a hiperinflação aliada à crise de desemprego, ao endividamento externo, à falta de cidadania, dentre outras, constituem modalidades de pobreza atual e mundial, que tornam as sociedades doentes e fragilizadas. As patologias sociais são tantas e, o que é mais grave, a maioria dos programas para o desenvolvimento tem se apresentado apenas como paliativos sem resultados eficazes, porque não vão à essência da questão e não beneficiam a todos. No que diz respeito aos direitos humanos, mesmo nos países onde se vive formalmente em paz e na democracia, as violações assumem proporções avassaladoras.   Diz Santos (2000, p. 24) em sua Crítica a Razão Indolente que quinze milhões de crianças trabalham em regime de cativeiro na Índia, a violência policial e prisional atinge o paroxismo no Brasil e na Venezuela, enquanto os incidentes raciais na Inglaterra aumentaram 26% entre 1989 e 1996, a violência sexual contra as mulheres, a prostituição infantil, os meninos de rua, os milhões de vítimas de minas antipessoais, a discriminação contra os tóxicos dependentes, os portadores de HIV,  os homossexuais, o julgamento de cidadãos por juízes sem rosto na Colômbia e no Peru, as limpezas étnicas e o chauvinismo religioso são apenas algumas manifestações da diáspora da liberdade. Essas patologias transcendem a esfera econômica e afetam todo o conjunto da vida social.  Assim, não há por que priorizar a esfera econômica em detrimento das demais, mas há que se contemplar o conjunto, ou melhor, atentando para a resolução também das questões sociais.

No Relatório da Organização Internacional do Trabalho-OIT, acerca de Exclusão Social no Mercado de Trabalho, no Ceará (1999), o termo exclusão compreende aqueles que se encontram desempregados há mais de um ano, os que não são qualificados profissionalmente para o trabalho e os migrantes. A partir dessas três categorias, passaram a ser considerados excluídos: os pobres, os "novos pobres", os jovens de bairros afastados, os desempregados, os analfabetos, os anciãos, os deficientes, os doentes mentais, os soropositivos e os doentes de AIDS. Nesse sentido, a exclusão passou a determinar aqueles que se encontram estigmatizados socialmente. A injustiça social tem sido fator de exclusão e, referindo-se ao tema, afirmam os técnicos desse relatório que a primeira abarca aspectos mais amplos da pobreza. É preciso entender e assumir o princípio de que a economia existe para atender as pessoas. Esse é um princípio básico do desenvolvimento na escala humana, razão por que é a antítese do modelo hegemônico global, embora possam conviver os dois princípios em territórios diferentes.

As múltiplas dependências econômicas, financeiras, tecnológicas, culturais e políticas inibem o desenvolvimento orientado para a auto-independência e para a satisfação das necessidades fundamentais. O capital internacional vem restringindo a capacidade e o direito de os países devedores latino-americanos decidirem sobre seus destinos. Os planos de ajuste impostos aos governos devedores, que solicitam crédito para pagar suas dívidas, refletem o poder do capital internacional de minar a soberania dos países pobres.  As pautas de consumo que os países ricos impõem ao mundo tido como subdesenvolvido agravam a situação de dependência, perpetuam os desequilíbrios internos e ainda, ameaçam a identidade cultural desses países. A idéia de desenvolvimento é intricada com o de poder político, razão por que os países ricos é que ditam a regra do jogo econômico. Abandonar essa pauta global e voltar às ações para o homem é apresentar um novo paradigma ao desenvolvimento, o paradigma humano.  O professor Martin (1998) diz que o desenvolvimento na escala humana é um modelo que atende às satisfações das necessidades humanas fundamentais, porque enseja níveis crescentes de auto-independência, pela articulação orgânica dos seres humanos com a natureza e a tecnologia dos processos globais, articulando também os comportamentos locais do individual com o social, dotando de autonomia a sociedade civil. Ajuda a definir estratégias que estimulam o autodesenvolvimento dos indivíduos e de seus lugares. Além do mais, viabiliza princípios definidos no Artigo I da Constituição Brasileira que destaca: "O Brasil é um Estado democrático de direito e tem como fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e todo poder emana do povo". É na pratica humana total, ou na prática social, que os humanos analisam, enfrentam esses problemas que, no limite máximo desafiam as consciências e mostram rumos para uma transformação criadora.

                   Há que se perguntar: e o turismo como se relaciona com o desenvolvimento na escala humana? E o que significa turismo comunitário? A professora Margarita Barreto (2000) apresenta a Coleção Turismo da Papirus (Campinas) afirmando que turismo é movimento de pessoas, é um fenômeno que envolve gente. Que as pessoas que cansam de trabalhar precisam pensar em si enquanto ser humano. O lazer local muitas vezes não é suficiente para o alcance dessa forma de pensar. É o turismo que leva o indivíduo a distanciar-se de seu meio, de seu cotidiano, para buscar esse bem-estar. A qualidade da vida humana passa pelo trabalho, mas também pelo lazer e entretenimento. Assim, o turismo atinge a escala humana.  Os países que conseguem introduzir um desenvolvimento voltado para a escala humana tornam-se mais preparados à promoção do turismo. Os lugares que não respeitam o direito humano, com desigualdades gritantes, onde há guerra, violência, fome e pobreza inviabilizam o turismo. Nesses lugares, o turismo incomoda e é incomodado.

            O turismo desenvolvido pelas  comunidades litorâneas do Ceará vem sendo chamado de turismo comunitário porque requer o envolvimento de todos, considera os direitos e deveres individuais e coletivos e  elabora um  processo de planejamento participativo desde as tomadas de decisões até  a execução das atividades turísticas.É realizado na escala humana Desenvolve a gestão participativa na  qual a maioria dos atores social de uma comunidade se envolve  de forma direta e/ou indireta com as atividades desenvolvidas neste lugar, tendo em vista a melhoria da comunidade e de cada um dos participantes, além de levar em conta  a cultura local,  a valorização do patrimônio cultural, os desejos e as necessidades das pessoas da comunidade. Turismo comunitário é aquele  desenvolvido pelos próprios moradores de um lugar que passam a ser os articuladores e os construtores da cadeia produtiva, onde a renda e o lucro ficam na comunidade e contribuem para melhorar a qualidade de vida; levar todos se sentirem capazes de contribuir, e organizar as estratégias do desenvolvimento do turismo.

                   O turismo é realizado do ponto de vista cultural,  significa aprendizagem, encontro de pessoas. A viagem age como estimulante da vitalidade, como fator educativo, como realização do direito ao ócio, como crescimento pessoal. Diz Ballarin (1999, p. 7)  que viajar encanta e quem viaja  sente essa sensação.

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NOTAS

[1]  Professora de Geografia e de Turismo da Universidade Estadual do Ceará e da Faculdade Grande Fortaleza.

[2] Comissão Econômica para a América Latina.

[3] As desastrosas conseqüências da II Guerra Mundial sensibilizaram a consciência da humanidade, levando 50 países, dentre eles o Brasil, a reunirem-se na Conferência de São Francisco para pensar o futuro da humanidade, criando nessa oportunidade a ONU - Organização das Nações Unidas. No dia 10 de outubro de 1948, essa Assembléia aprovava a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Após mais de cinco décadas, estamos nós e as Nações Unidas reclamando pelos mesmos direitos. Continuamos a pensar no âmbito universal os direitos individuais e sociais, econômicos e culturais da pessoa humana, mas como membros de uma sociedade não fomos ainda capazes de diminuir entre as nações as gritantes desigualdades econômicas e sociais e de respeitar esses direitos, mesmo na escala local.

[4] A literatura relativa ao desenvolvimento na escala humana ainda é incipiente e, se comparada à literatura sobre o desenvolvimento econômico que é exacerbada, praticamente, desaparece. Há que se intensificar a produção teórica sobre esse novo parâmetro do desenvolvimento, mesmo correndo o risco de passar por uma visão simplificadora, dada à fragilidade que a teoria ainda oferece.

[5] Organização das Nações Unidas, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, Comissão Econômica para América Latina, Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

[6]  http:www.undp.org.br.

[7] Tradução da autora

[8] Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

[9] Neef, Manfred Max. Desarrollo a Escala Humana. Barcelona: Icaria Editorial, 1994. Optou-se por traduzir as idéias do autor, como forma de facilitar a compreensão, para aqueles que não lêem o espanhol, considerando também que há uma carência de texto sobre o tema.


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