QUARTEIRÃO JORGE AMADO.
UM POTENCIAL LOCAL PARA O TURISMO CULTURAL NA CIDADE DE ILHÉUS
*

Juliana Santos Menezes**

Resumo

O turismo cultural vem se destacando atualmente, aliando planejamento econômico e de infra-estrutura à percepção da procura por bens culturais e estilos de vida. Isto acontece devido ao crescente interesse do turista em compreender a cultura e a história de lugares diferentes, assim como conhecer hábitos e costumes de outros povos. Essa procura por cultura tem levado a um crescente interesse em revitalizar artefatos com valor cultural, com o objetivo de dinamizar o turismo, melhorar a economia e, ao mesmo tempo, valorizar a cultura local. Nesse sentido o presente artigo procurou analisar como as imagens de Ilhéus- cidade litorânea localizada no sul da Bahia, na região nordeste do Brasil - citadas pelo escritor Jorge Amado podem ser utilizadas para o desenvolvimento do turismo e para a valorização da cultural local, agregando significado e valor ao legado cultural reunido no Quarteirão Jorge Amado - roteiro turístico-cultural baseado nas imagens da cidade de Ilhéus retratadas na ficção de Jorge Amado. Em conseqüência disso, foi feito um breve estudo sobre o Quarteirão, buscando analisar como as imagens amadianas  são utilizadas para a valorização de Ilhéus como centro turístico. Em seguida, foi apresentada uma descrição sobre o caráter cultural, social e histórico da obra de Jorge Amado. Por fim voltou-se a atenção para a importância de um planejamento turístico responsável e participativo para que haja uma relação eficaz entre turismo e patrimônio cultural, evitando assim a banalização e o uso apenas mercadológico do Quarteirão Jorge Amado. Para tanto, foi utilizado o método exploratório que envolveu pesquisa bibliográfica e o método descritivo que possibilitou a descrição da situação atual do turismo com base na literatura de Jorge Amado. O trabalho parte do pressuposto de que o turismo cultural, pode andar de mãos dadas com a sustentabilidade na medida em que se busquem alternativas capazes de contribuir para o desenvolvimento sustentável em geral, visando promover o bem estar da comunidade e garantindo a preservação e valorização de sua identidade cultural. Este estudo demonstrou que o Quarteirão Jorge Amado está sendo explorado apenas sob o ponto de vista mercadológico. Isto devido à falta de um planejamento que envolva a comunidade, assim como a falta de ações interpretativas que venham a valorizar a cultura do local e  a experiência do turista cultural.


1. Introdução

Um dos tipos de turismo que mais cresce atualmente é aquele que alia planejamento econômico–financeiro e de infra-estrutura à percepção da procura por bens culturais e estilos de vida. Isto acontece devido ao crescente interesse do turista em compreender a cultura e a história de lugares diferentes, assim como conhecer hábitos e costumes de outros povos (LAGE & MILONE, 2000). Este tipo de turismo, analisado segundo o critério da motivação, de acordo com Margarita Barreto (2000) é chamado de turismo cultural, aquele em que o principal atrativo é algum aspecto da cultura humana. Esse aspecto pode ser a história, o cotidiano, o artesanato ou qualquer aspecto que o conceito de cultura1 abrange.

A procura por cultura tem levado a um crescente interesse em preservar e revitalizar artefatos com valor cultural, com o objetivo de atrair o turista, manter a identidade cultural e melhorar a economia.

Dessa forma, um estudo que procura analisar o uso do patrimônio cultural2 da cidade de Ilhéus como atração turística, parece ao mesmo tempo oportuno e relevante, visto que o problema do turismo com base na cultura vem preocupando especialistas e estudiosos da área de cultura e já suscitou vários estudos. Margarita Barreto (2000), por exemplo, procurou demonstrar a importância do legado cultural como atrativo turístico porque pode atrair um público diferenciado e ao mesmo tempo ajuda a recuperar a memória e a identidade do local, assim como manter a economia. Por outro lado, segundo a autora, este tipo de turismo acaba banalizando a cultura, pois o “patrimônio deixa de ser valioso por sua significação na história ou na identidade local e passa a ser valioso porque pode ser ‘vendido’ como atrativo turístico” (BARRETO, 2000, p. 32). Américo Pellegrini Filho, em Ecologia, Cultura e Turismo (2000) também discute o assunto, abordando a problemática da preservação cultural. O autor ainda aponta alguns casos de revitalização de bens patrimoniais que foram aproveitados como recursos turísticos e acabaram sendo integrados ao quadro econômico-financeiro do local e ao mesmo tempo ajudaram a melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. A restauração do Pelourinho, em Salvador (Ba), foi um dos casos citados pelo autor.

Tendo em conta essas considerações, é que se intenta analisar como o patrimônio cultural da cidade de Ilhéus, especificamente aquele reunido no Quarteirão Jorge Amado, pode ser utilizado para a valorização da cultura local. Em conseqüência disso, na primeira parte do trabalho será feito um estudo de caso do Quarteirão Jorge Amado, buscando analisar como as imagens construídas pelo escritor são utilizadas para valorização de Ilhéus como centro turístico. Em seguida, será apresentada uma breve descrição sobre o caráter cultural, social e histórico da obra de Jorge Amado para salientar a necessidade de sensibilizar a comunidade local a respeito do conhecimento das histórias contadas por este escritor para que se possa compreender o valor intrínseco da construção do Quarteirão. Por fim, será voltada a atenção para a importância de um planejamento turístico responsável e participativo para que haja uma relação saudável entre turismo e patrimônio cultural, evitando assim a banalização e o uso apenas mercadológico do Quarteirão Jorge Amado.

O trabalho parte do pressuposto de que o turismo cultural, apesar de sua dimensão não sustentável (porque se utiliza da cultura como um bem de consumo provocando a sua trivialização), pode andar de mãos dadas com a sustentabilidade na medida em que se busquem alternativas capazes de contribuir para o desenvolvimento sustentável em geral, visando promover o bem estar da comunidade e garantindo a preservação e valorização de sua identidade cultural. Trata-se de um turismo cultural sustentável, segundo Swarbrooke (2000).

2. O Quarteirão Jorge Amado

A cidade de Ilhéus é conhecida pelos quatro cantos do mundo como Terra de Jorge Amado, Terra da Gabriela e Terra dos Coronéis do Cacau, epítetos que recebeu em decorrência das fascinantes narrativas contadas por Jorge Amado e que tiveram a cidade como cenário. Alguns dos romances do escritor, como Terras do Sem Fim (1942), São Jorge dos Ilhéus (1944) e Gabriela, cravo e canela (1958) revelam uma variedade de imagens que sinalizam tanto aspectos culturais quanto aspectos naturais e arquitetônicos da região.

Por conta desse manancial cultural e de um conjunto de traços característicos do estilo do escritor de Gabriela (descrição fotográfica, humor e linguagem que se aproxima da oralidade), além do sucesso de sua obra atestado nas inúmeras reedições e pelas transposições para cinema, televisão, música e teatro, o leitor (turista) tem interesse especial em conhecer a cidade e identificar locais históricos habitados pelas personagens e ao mesmo tempo conhecer a história e a cultura da cidade. Este interesse impulsionou a preservação e a revitalização do patrimônio cultural e a criação de um roteiro turístico baseado nas imagens de Ilhéus retratadas na ficção deste escritor baiano. Neste sentido, os casarões, as igrejas e todo o centro histórico de Ilhéus transformaram-se em recurso turístico num projeto denominado “Quarteirão Jorge Amado”. No projeto do Quarteirão, a figura do escritor Jorge Amado é utilizada a todo o momento: nos banners colocados na parede de cada patrimônio, nas camisetas de identificação dos funcionários das empresas participantes do projeto, nos folhetos de informação, nos mapas e cartazes de divulgação.

Além disso, o turista pode circular pelo Roteiro Cravo e pelo Roteiro Canela, passando em frente dos casarões deixados pelos coronéis. Passeando pelo Roteiro Cravo, por exemplo, o turista pode conhecer a Catedral de São Sebastião, sentar no Bar Vesúvio para comer o quibe da Gabriela ou visitar a Casa de Cultura Jorge Amado, lugar onde o escritor passou parte de sua vida e escreveu seu primeiro livro: O país do carnaval. Enfim, o turista pode conhecer um pouco das histórias contadas por Jorge Amado.

O projeto Quarteirão Jorge Amado, também inclui obras de recuperação parcial ou total dos casarões e das praças, sempre procurando preservar, na medida do possível, a originalidade das construções. Os prédios recuperados são devolvidos à comunidade para desempenhar as suas funções originais ou podem ser ressignificados, mudando-se as funções originais e dando-lhes novos usos. O Bar Vesúvio, por exemplo, foi recentemente restaurado e revitalizado, preservando as suas características originais; e foi reinaugurado, preservando a sua função original: a de bar. Já o Bataclan, antiga casa noturna que divertia os coronéis, teve a sua fachada restaurada, no entanto, apesar da preocupação em manter preservadas as suas características originais, as suas portas e janelas de madeira foram substituídas pelas portas e janelas de vidro fumê. A sua restauração total está sendo feita atualmente. O espaço será ressignificado e a sua função original será substituída por um salão de festas onde poderão acontecer eventos culturais, como apresentações teatrais, palestras e saraus.

Pretende-se, com a construção do Quarteirão, atrair o turista, melhorar a economia e valorizar a cultura local, preservando a identidade cultural. Este último objetivo é muito importante e sobre isto afirma Margarita Barreto (2000, p. 43) “a manutenção do patrimônio histórico, em sentido amplo, faz parte de um processo maior ainda, que são a conservação e a recuperação da memória, graças à qual os povos mantêm sua identidade”.

No entanto, tem-se observado que parte da comunidade local mal sabe localizar o Quarteirão e quase não conhece as histórias contadas por Jorge Amado, muito menos o seu valor cultural, social e histórico. Isto acaba dificultando a preservação do patrimônio e a valorização da cultura. A população não consegue compreender o valor intrínseco que há na restauração e revitalização do patrimônio cultural e, portanto não há como perpetuar sua história, suas lendas e sua cultura, por falta de conhecimento.

Fica por conta dos guias turísticos dar informações básicas sobre a história do local. Conclui-se, com isso, que todo o legado cultural reunido no Quarteirão Jorge Amado tem sido explorado apenas sob o aspecto de seu valor mercadológico deixando em segundo plano o seu valor cultural. Nesse caso, “a busca dos elementos característicos e diferenciais [...] aparece como uma necessidade de mercado, a cultura autóctone é a matéria-prima para a criação de um produto turístico comercializável e competitivo internacionalmente. O legado cultural, assim transformado em produto para o consumo, perde seu significado. A cultura deixa de ser importante por si mesma e passa a ser importante por suas implicações econômicas. A história não é importante porque mostra as raízes, mas porque traz dinheiro” (BARRETO, 2000, p 48).

3. É preciso conhecer para preservar.

O escritor Jorge Amado "pinta", como poucos, a sua terra, a sua Rainha do Sul, a sua querida Ilhéus. Tomando como referente suas vivências, os fatos históricos e os "causos" contados pelos mais velhos, Jorge Amado reconstrói, na sua narrativa, a saga do cacau, a luta pela conquista das matas e histórias de mulheres sensuais que aconteceram nestas terras do sem fim. A respeito disso, o próprio Jorge Amado faz o seguinte comentário:

Nessas terras de Ilhéus e Itabuna, [...] fui buscar homens de uma rude humanidade para traçar com eles a saga da conquista da terra, a grandeza e a miséria dos coronéis e do latifúndio, o nascimento de uma civilização na boca dos rifles, de uma cultura massada na violência. Contei histórias de espantar, levantei o monumento de alguns homens que eram ao mesmo tempo fraternos e brutais, de normas estritas e impossível vilania, tratei das mulheres que mantiveram alta a chama do amor onde só a morte comandava.

(AMADO, 1972 apud COSTA, 1991, p. 33)

É a partir dessa relação entre o vivido e o imaginário que o escritor tece a sua ficção com fatos, personagens e lugares históricos que dialogam com outras histórias que povoam o seu imaginário, aproximando a sua literatura da realidade.

Para tanto, Jorge Amado escreve os seus romances da maneira mais descritiva e fotográfica possível, criando no leitor a sensação de estar “vendo” a cena tal como aconteceu na realidade. É como se o escritor estivesse pintando um quadro com palavras.

É esse tipo de descrição que Flora Sussekind chama de “a estética do visível”, uma forma de repetição da estética naturalista em que o “leitor é dominado por um desejo irresistível de ver” e o escritor centra sua concepção de literatura na realidade, assemelhando-se a um processo fotográfico, em que a sua narrativa se reveste de objetividade e clareza (SUSSEKIND, 1984). Ao escritor, cabe fotografar o real com palavras e ao leitor, “ler para ver” (ibidem, p. 91).

Além de uma descrição fotográfica do espaço físico, natureza e imagens arquitetônicas, Jorge Amado conta, através da construção de perfis humanos, a essência de seu povo, seus anseios, costumes e hábitos, a vida de um povo que possuía o visgo do cacau grudado nos pés e no coração.

A tendência em retratar as características e os costumes do povo baiano demonstra a grande preocupação do escritor com as questões sociais e atribui à sua obra um caráter sociológico. Ao revelar a essência da baianidade, o escritor de Gabriela, cravo e canela, acaba por mostrar aspectos da sociedade e das relações sociais existentes na sociedade brasileira.

Sobre este assunto, Roberto Da Matta, no livro A Casa e a Rua, afirma que a obra de Jorge Amado pode ser entendida como a representação dos problemas da sociedade brasileira. Assim, o que se vê no romance amadiano é a carnavalização, isto é, o relacionamento entre categorias sociais divergentes e a possibilidade de diálogo entre pessoas, categorias e ações sociais. E é justamente este aspecto carnavalesco que tipifica a sociedade brasileira (DA MATTA, 1991).

Jorge Amado, na sua carnavalização, revela uma baianidade que resultou de um processo de miscigenação, em que são observadas características físicas e comportamentais do índio-nativo, do negro-africano, do branco-europeu e de outras tantas culturas estrangeiras. Sobre este assunto, o escritor de Gabriela, cravo e canela afirma que "o brasileiro é um povo muito especial e isso vem exatamente dessa mistura de negro, branco e índio" (apud MAX, 1996, p. 13).

Esse cruzamento entre as raças delega ao Brasil uma variedade culinária, musical e religiosa muito grande. A observação do antropólogo Waldeloir Rego confirma o que foi dito: “O Brasil se destaca no cenário mundial e a Bahia mantém características próprias se comparada a outros Estados. Aqui, a miscigenação não teve conseqüências apenas no aspecto físico, na aparência das pessoas, os costumes populares também se diferenciam e por aqui é comum o relacionamento entre religiões, a exemplo da Católica e do Candomblé” (apud MAX, 1996, p. 13).

Enfim, Jorge Amado retrata uma sociedade baiana em que as diferentes culturas se relacionam de maneira harmônica. Jorge Amado retrata uma mistura social que faz de “[Ilhéus] uma terra em que existe harmonia até no contraste” (BASTIDE, 1980, p. 14).

Tais observações são importantes para que se entenda o valor cultural, social e histórico da obra deste escritor.

Nessa perspectiva, "indagar sobre as representações da cidade [de Ilhéus] na cena escrita construída pela literatura [amadiana] é, basicamente, ler textos que lêem a cidade, considerando não só os aspectos físicos-geográficos (a paisagem urbana), os dados mais específicos, os costumes, os tipos humanos, mas também a cartografia simbólica, em que se cruzam o imaginário, a história, a memória da cidade e a cidade da memória" (GOMES, 1999, p. 24). Assim, a presença desses aspectos colhidos da realidade observada e vivida acaba por marcar a identidade cultural da região.

A Ilhéus pintada por esse escritor faz-se presente nos romances Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus e Gabriela, cravo e canela. Nesses romances, o autor descreve a cidade desde a época do desbravamento, conquista e luta pela posse das terras, assim como o seu progresso e crescimento, apogeu e queda dos coronéis e, até mesmo, a vida política e econômica. Pode-se dizer que Jorge Amado faz mais do que uma descrição fotográfica, faz sim uma radiografia da cidade de Ilhéus e de seu entorno, fazendas e matas.

Com os três romances citados, Jorge Amado “pintou” as imagens de sua terra em momentos distintos, que vão da conquista sangrenta das matas ao progresso que instaura a esperança de um novo tempo. Foram essas imagens (de uma terra adubada com sangue, povoada por coronéis rudes e mulheres sensuais), que Jorge Amado levou para os quatro cantos do mundo. Foram essas imagens que fizeram de Ilhéus a Terra da Gabriela, a Terra dos Coronéis do Cacau, a Terra de Jorge Amado.

No entanto, são essas mesmas imagens que estão sendo banalizadas com o passar do tempo. O Quarteirão Jorge Amado está sendo construído e um de seus objetivos é valorizar a cultura e preservar a identidade do local. Para tanto, seria importante sensibilizar e informar a comunidade a respeito do valor cultural, social e histórico da obra de Jorge Amado. É preciso conhecer para poder valorizar e preservar.

O mundo conhece Ilhéus através da obra de Jorge Amado. Os turistas visitam a cidade e querem entrar em contato com a população local e conhecer as histórias do lugar, porém, como já foi dito, a comunidade não tem como dar tais informações por falta de conhecimento.

Diante disso, o questionamento feito por Ulpiano Meneses se faz pertinente: “Como evitar que o turismo crie alucinações culturais, [personagens que saem dos livros] apenas para atender as solicitações externas de consumo?” (MENESES, 1999, p. 98). Talvez se as pessoas tiverem maior conhecimento da história da cidade e dos romances amadianos, será mais fácil respeitar a sociologia local, principalmente aquela assentada nas relações de poder mais camufladas que ainda existem na sociedade ilheense, isso em decorrência do poder e da conseqüente decadência da monocultura do cacau. Afinal “um povo conhecedor de sua cultura e de sua história é um povo que sabe perpetuar seus costumes, suas tradições, suas lendas. É um povo que aprende a preservar o patrimônio local porque reconhece um valor intrínseco” (PASSEIO HISTÓRICO PARA ESTUDANTES, 2000, p. 7).

4. Planejamento turístico responsável e participativo – uma solução possível

Como já foi dito, utilizar o patrimônio cultural, neste caso o Quarteirão Jorge Amado, como atrativo turístico é uma maneira de não só ajudar a manter a economia, como também ajudar a recuperar a memória e preservar a identidade local. Sobre este assunto, comenta Maria de Lourdes Netto Simões: “Carrear para atividade turística esses aspectos culturais da literatura e da culinária, se, por um lado, contribui para a nossa economia, por outro lado, é forma de fazer uma atividade turística de valorização do cultural, estratégias de preservação de nossa cultura, da nossa identidade” (SIMÕES, 2000, p. 10).

No entanto, o que acontece na realidade é uma grande falha nessa estratégia, afinal de contas o Quarteirão está sendo explorado apenas sob o ponto de vista mercadológico, a cultura está sendo usada pela economia e, para que esta problemática seja solucionada, além de sensibilizar e informar a população a respeito do valor cultural do Quarteirão, é preciso também um planejamento turístico responsável e participativo. De acordo com Margarita Barreto (2000, p. 15) “para que patrimônio e turismo possam ter uma convivência saudável, é necessário que haja planejamento, o que inclui controle permanente e replanejamento”.

Desta forma, cabe ao planejador do turismo refletir sobre as possibilidades de transformar o patrimônio num produto turístico de qualidade e autêntico, que sirva para que não só aos visitantes, mas também a comunidade local compreenda o presente através do conhecimento de suas lendas e de sua história. Nesse planejamento, é importante também que se promova benefícios para a comunidade local.

Para tanto, é necessário o envolvimento da população, pois ela, junto com os planejadores – seguimento do poder público e empresários – pode avaliar os impactos das atividades turísticas sobre o ambiente em que vive. Sobre este assunto, afirma Bissoli (1999, p. 36): “os cidadãos têm obrigação de se envolver com o processo de planejamento turístico da municipalidade. Eles vivem diariamente as causas, conseqüências e/ou efeitos do desenvolvimento da atividade turística, seja qual for seu estágio de desenvolvimento”.

É com a ajuda da comunidade que o administrador (ou representante do poder público) pode obter informações históricas e depoimentos de vida de moradores mais antigos, o que pode, juntamente com a ajuda de especialistas, historiadores e estudiosos de Jorge Amado, ajudar a recriar os fatos que aconteceram no Quarteirão. Com este tipo de ajuda, também fica mais fácil sensibilizar a comunidade a respeito do valor cultural e histórico do Quarteirão Jorge Amado. Assim, é possível valorizar e preservar a cultura, pois a comunidade passa a conhecer o caminho que sua sociedade trilhou para chegar ao ponto em que se encontra no momento, permitindo também que as gerações futuras conheçam a sua história.

É nesse contexto que a idéia de desenvolvimento do turismo cultural sustentável reforça a necessidade e preocupação de envolver a comunidade no planejamento turístico. O conceito de desenvolvimento sustentável engloba três princípios fundamentais: a sustentabilidade ecológica, que permite às pessoas entender o valor daquilo que está sendo explorado e compreender a importância do equilíbrio ambiental para a sua manutenção para as gerações futuras; a sustentabilidade sociocultural, que promove o bem estar das populações envolvidas, tem obrigatoriedade de gerar benefícios para a comunidade e que mantém e reforça a identidade da comunidade; e a sustentabilidade econômica, que promove a conservação dos recursos naturais e culturais, valorizando-os econômica e financeiramente.

Assim, esses princípios dão suporte à idéia de que seja preciso um planejamento responsável e participativo para que se evite o uso apenas mercadológico do Quarteirão Jorge Amado.

De acordo com Lage & Milone (2000, p. 91) “o turismo faz com que os recursos mereçam ser preservados e protegidos porque representam o futuro e as condições de vida para as novas gerações”. No entanto, para que se tenha sucesso e para que se pratique um turismo com base na cultura é preciso que haja planejamento, conhecimento e apoio por parte da população local.


5. Considerações Finais

Diante da problemática do uso da cultura como atrativo turístico de Ilhéus – o que abrange aspectos relacionados à preservação e revitalização dos bens patrimoniais que fazem parte do Quarteirão Jorge Amado – deve-se sempre ter em mente que o ideal é que se faça um turismo com base na cultura e não “usá-la” apenas para atrair o turista, apenas sob o ponto de vista mercadológico. Se a idéia é revitalizar para preservar a memória e a identidade cultural, então é preciso que a comunidade esteja envolvida no processo de planejamento turístico e que se criem ações e programas turísticos que contem a história do local. Por exemplo, ao invés do turista circular pelo Quarteirão enquanto o guia dá as informações sobre o local, a comunidade poderia participar encenando partes dos romances, fatos históricos ou a vida das pessoas que moravam nos casarões.

É necessário um trabalho cooperativo entre todos os profissionais envolvidos na área do turismo e que se estabeleça parceria não só com a comunidade, mas também com o Governo e com outras instituições da sociedade. Dessa forma, promover encontros e reuniões junto às escolas, às associações de bairros, às associações comercias, com o objetivo de sensibilizar sobre a importância da preservação do patrimônio cultural, dos hábitos, dos costumes e das tradições, pode ser o primeiro passo para que todos tenham conhecimento e respeito por sua cultura e assim possam dar o verdadeiro valor ao Quarteirão Jorge Amado.

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SWARBROOKE, John. Turismo Sustentável – turismo cultural, ecoturismo e ética. Trad. Saulo Krieger. São Paulo: Aleph, 2000.



NOTAS

* Trabalho apresentado no Seminário Vamos Conhecer a Nossa História, realizado no Teatro Municipal de Ilhéus, no dia 14/03/2003

** Mestranda em Cultura & Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz, bolsista da Fundação de Amparo à pesquisa no Estado da Bahia-FAPESB

1 Concepção de cultura segundo Singer (1968 apud RUSCHMAN, 1997, p. 50) “A cultura de um povo é entendida como os padrões explícitos ou implícitos dos comportamentos, adquiridos ou transmitidos por símbolos, que constituem o patrimônio de grupos humanos, inclusive sua materialização em artefatos. O aspecto mais importante de uma cultura reside nas idéias tradicionais de – origem e seleção histórica – e, principalmente, no seu significado”.

2 Patrimônio cultural, segundo Margarita Barreto (2000, p. 11) inclui não apenas os bens tangíveis como também os intangíveis (por isso, o conceito de “legado cultural” parece mais adequado do que “patrimônio”), não só as manifestações artísticas, mas todo o fazer humano, e não só aquilo que representa a cultura das classes abastadas, mas também o que representa a cultura dos menos favorecidos.


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