49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Silvana Tótora

49º CONGRESSO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS

SIMPÓSIOS CIENCIAS POLITICAS Y SOCIALES, RELACIONES INTERNACIONALES

POL. 05 - CULTURA, GOVERNABILIDAD, DEMOCRACIA Y SEGURIDAD EN AMERICA LATINA

A QUESTÃO DEMOCRÁTICA NO PENSAMENTO POLÍTICO NA DÉCADA DE 80

Autora: Silvana Tótora

Professora do Departamento de Política da PUC/SP

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da PUC/SP

Endereço:

Rua Ministro Gastão Mesquita, 219, apto 303

Perdizes, São Paulo - Capital, Brasil

CEP. 05012-010

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A QUESTÃO DEMOCRÁTICA NO PENSAMENTO POLÍTICO DA DÉCADA DE 80.

A democracia como tema central do pensamento latino-americano, especialmente do brasileiro, configurou-se na grande novidade da década de 1980. Podemos afirmar que se tratou de uma verdadeira ruptura na tradição desse pensamento. A análise da produção intelectual do referido período com seus distintos referenciais teórico metodológicos nos permite, entretanto, identificar um campo de debate que constitui-se no objeto dessa reflexão. No referido período multiplicaram-se as análises sobre o processo de transição do regime autoritário, formularam-se distintas teorias da consolidação da democracia, inaugurando um novo campo de pesquisas. Confrontar essas distintas teorias, no seu contexto histórico, constitui-se no objetivo desse trabalho.

A QUESTÃO DEMOCRÁTICA NO PENSAMENTO POLÍTICO DA DÉCADA DE 80

Silvana Tótora

(Professora do departamento de Política da PUC/SP)

Não podemos nos orgulhar, no caso brasileiro, de ser herdeiros de formas de convívio, instituições e idéias democráticas. O que se evidenciou, na nossa experiência histórica, foi a ausência de uma cultura política democrática. Mesmo considerando o período de 1945 a 1964, em que, bem ou mal, conviveu-se com o pluralismo partidário e com representantes eleitos pelo sufrágio universal, não se pode falar em institucionalização da democracia política. Além disso, a democracia não constituiu temática central do pensamento político.

No Ocidente o prestígio da democracia não ultrapassa cem anos. No Brasil, reduz-se a pouco mais de uma década. Como compreender o nosso atraso na direção de uma modernidade democrática? Qual o estatuto da democracia no pensamento político brasileiro?

A modernidade democrática reside no fato de que homens comuns, pela simples condição de cidadãos, adquirem o direito de participar da vida política. A democracia política implica em um consenso mínimo acerca dos procedimentos democráticos, a saber: o voto secreto sufrágio universal, eleições regulares, competição interpartidária, reconhecimento de associações voluntárias e responsabilidade executiva dos governantes.

Podemos afirmar que a democracia, como tema central do pensamento político, configurou-se na grande novidade da década de 1980. A "onda"(1) de democratização dos regimes autoritários, iniciada em meados da década de 1970, abriu novos desafios para o pensamento político. Multiplicaram-se, no período, as análises sobre os processos de transição do regime autoritário(2), formularam-se distintas teorias da consolidação do regime democrático, inaugurando, com isso, um novo campo de pesquisa.

Não só a luta contra o autoritarismo mas a defesa da democracia unificou distintas forças sociais e políticas, dentre elas, os intelectuais. Sendo o pensamento político uma forma de ação política, a democracia enquanto núcleo teórico e prático definiu a relação dos intelectuais entre si e com a política. Suas idéias foram expressas das mais variadas formas - publicações, seminários, conferências - e em distintos espaços - partidos políticos, centros de pesquisas, universidades, congressos nacionais e internacionais

Se, contudo, a defesa da democracia foi aglutinadora dos intelectuais, múltiplas e divergentes concepções se confrontaram. Porém, pensar como democrata é situar-se frente aos outros reconhecendo-lhes a igualdade de direitos. Assim, um verdadeiro espaço democrático pressupõe o confronto de posições divergentes e o reconhecimento do direito de expressá-las.

Isto posto, segundo alguns autores(3), o compromisso e a defesa da democracia política constituiu uma verdadeira ruptura na tradição do pensamento brasileiro, assim como latino-americano. Historicamente, oscilou-se ora por um total desprezo pela democracia política e, outras vezes, atribuindo-lhe uma função instrumental na luta pelo poder. Tais posições não foram, entretanto, privilégios dos conservadores, mas também das esquerdas.

Nesse sentido, Weffort dirigindo seu discurso às esquerdas advertiu-as de que a concepção instrumental da democracia foi o resultado da hegemonia de posições autoritárias e conservadoras da política. Assim, diz ele: "se a democracia é apenas um meio para o poder, a política perde o sentido do direito e da legitimidade. Institui-se a prática da usurpação como norma"(Weffort, 1984:40).

Nas décadas de 1920 e 1930 o pensamento político conferiu destaque a agenda de problemas que envolviam a consolidação do Estado nacional e sua relação com a sociedade. Nos anos 50, priorizou-se o desenvolvimento econômico autárquico na direção da industrialização - o modelo nacional desenvolvimentista. Também as esquerdas, nos referidos períodos, destacaram o desenvolvimento econômico, a emancipação nacional e a igualdade social como agenda prioritária.

Examinando mais de perto nossa herança política, podemos perceber o descaso com a democracia política no pensamento brasileiro. Na década de 1930, o debate político em torno da unidade nacional, modernização institucional e incorporação de novos setores sociais à política levou a que vários políticos e intelectuais concluíssem que o autoritarismo seria o regime político mais adequado à realidade nacional(Souza,1976:65).

Azevedo Amaral(1881-1942) e Oliveira Vianna (1883-1952), dois dos mais destacados publicistas dos anos 20 e 30, não pouparam críticas à democracia representativa. A despeito das suas diferentes justificativas, ambos propuseram o autoritarismo como a forma política mais condizente com a realidade brasileira.

Oliveira Vianna, pouco sensível às mudanças da sociedade brasileira no após-1930, reitera em "Instituições políticas brasileiras"(1949) as teses defendidas em suas obras dos anos 20 e 30. Apoiando-se em teorias culturalistas, ele aponta a inviabilidade da democracia política no Brasil. Isto porque, diferente da cultura anglo-saxonica, não se desenvolveu no Brasil "um complexo cultural democrático", ou seja, "a capacidade de cada cidadão de subordinar, ou mesmo sacrificar os seus egoísmos naturais e os seus interesses pessoais, aos interesses gerais e coletivos dos grupos ou comunidades maiores a que pertencem"(Vianna,1987:vol.1,143).

Diante disso, concluiria, o autor, ser o autoritarismo o regime político que melhor asseguraria ao Estado os recursos de poder para mudar a sociedade. O Estado, no seu entender, deveria ser forte para romper os laços privatistas e personalistas enraizados na formação sociocultural brasileira. Só então, rompidos esses entraves pré-políticos, poderia ter vigência um regime político liberal.

O sufrágio universal não seria condenável, a priori, mas desde que "manejados por cidadãos capazes". Para ele, o "nosso povo massa", diferentes dos anglo-saxões, "não têm educação democrática". Além do que, na seleção dos representantes para os poderes Executivo e Legislativo deve ser considerado o critério qualitativo, ou seja, selecionar os melhores. Nessa linha, defende, o autor, direitos diferenciados entre os que votam e os que podem ser eleitos(4).

O mais adequado, para Vianna, seria restringir o direito do sufrágio apenas aos cidadãos sindicalizados - ou seja, ao homem socializado, membro de uma comunidade - e não ao indivíduo. Desqualifica os partidos políticos, e em seu lugar propõe, como canais de participação política, as corporações profissionais . Idealisando a função política dos partidos, ele os critica no Brasil. Afirma acerca deles que "nunca puderam representar o papel de agentes de formação de uma mentalidade solidarista, do tipo altruísta (...) - e isto porque foram sempre agrupamentos constituídos para a satisfação de ambições pessoais e não para a realização de interesses coletivos e públicos"(Vianna,1987:vol.2,146).

Azevedo Amaral(1881-1942)(5), apesar de contemporâneo de Oliveira Vianna, difere desse autor. Situa a crise brasileira dos anos 20 e 30 no âmbito da crise mundial, e aponta para a falência do Estado liberal e do regime democrático.

O autoritarismo foi defendido porque, segundo Amaral, tratava-se do regime que melhor se adequava às sociedades industriais de massas. Nessas sociedades o conflito entre corporações capitalistas -resultantes da centralização do capital- e corporações trabalhistas adquiriu uma natureza explosiva e ameaçadora do próprio sistema capitalista. Tais sociedades perderam a capacidade de autogerir o conflito através de seus agentes sociais. Dessa forma, seria necessário um Estado com funções ampliadas para imprimir racionalidade ao mercado econômico e regular o conflito social. O fortalecimento do Poder Executivo seria necessário para agilizar e implementar as decisões de caráter político, econômico e social.

No caso brasileiro, o autoritarismo, tanto na forma do Estado como do regime político, seria funcional para implementar a modernização econômica na direção da industrialização, assegurar a unidade nacional e a soberania. O Estado autoritário com sua função ampliada para intervir na ordem social e econômica difere, contudo, do Estado totalitário. Isto porque aquele "objetiva promover o bem público, sem no entanto comprimir ou reduzir as iniciativas e liberdades individuais além do ponto que elas entrem em conflito com os interesses coletivos"(Amaral,1981:97).

Na tentativa de conferir ao poder político algum grau de legitimidade fundada no consentimento dos governados, afirma, o referido autor: "sem representação não há democracia". Porém, reavalia os mecanismos próprios da democracia representativa, tais como, o sufrágio universal e os partidos políticos. Na sua análise destacam-se três formas de conceber a representação política, a saber: primeiro, no nível mais abstrato, o Estado como representante da nação; segundo, no nível mais concreto, a seleção dos representantes através das corporações profissionais; terceiro, processo indireto de escolha, por cidadãos qualificados, para os poderes Executivo e Legislativo. Em todos os modos de representação prevalece o princípio de uma cidadania restrita e controlada.

O predomínio do pensamento autoritário, nas décadas de 1920 e 1930, não nos autoriza a ignorar honrosas exceções. Nestor Duarte, por exemplo, afirma, em 1939, em plena vigência do Estado Novo, ser o Estado democrático a forma estatal de maior poder educacional e capaz de interessar de forma viva e direta uma população como a nossa, tão alheia e indiferente aos acontecimentos políticos e aos problemas da nação(Duarte,1966:88).

S. B. de Hollanda, como Nestor Duarte, não atribui ao Estado autoritário todas as virtudes apregoadas por seus contemporâneos, principalmente Oliveira Vianna. No entanto, não deixa de apontar as mazelas do regime, de conteúdo elitista e conservador, vigente no Brasil. "A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido"(Hollanda,1981:119), diz ele.

Muitos dos obstáculos à democracia na década de 1930 -tais com, o predomínio rural sobre o urbano, o escasso eleitorado e sua dependência social e política de uma oligarquia rural, baixa rede de comunicação, etc.- foram ultrapassados na década de 1970. Com aponta Santos(1885a), o Brasil industrializou-se, urbanizou-se e tornou complexa sua estrutura social. Porém, se por um lado, o país tornou-se mais rico, por outro, aprofundou-se as desigualdades sociais. Pois, o crescimento econômico, acompanhado da concentração de riquezas, foi patrocinado por um regime autoritário.

A novidade da década de 1980 foi a defesa da democracia política na luta contra o autoritarismo. A via democrática foi defendida como o melhor caminho onde os indivíduos, grupos ou classes podem chegar a um acordo quanto à ação política comum.

Seria possível estabelecer uma relação entre a descoberta da democracia e o regime autoritário instaurado após 1964? Estabelecer essa relação significaria situar a problemática da democracia no âmbito político. Assim, a novidade da década de 1980 foi a centralidade dada à democracia política no pensamento político.

No correr da longa transição do regime autoritário foi se forjando um pensamento político democrático. Tratou-se, pois, de uma verdadeira ruptura na tradição do pensamento brasileiro. Tal fato não foi exclusividade brasileira, e sim latino-americana(6).

Podemos perceber dois momentos distintos do debate acerca da democracia. No primeiro, as análises centravam-se nas formas de transição do autoritarismo, e na defesa de um desfecho em direção ao regime democrático. No segundo momento, após 1985 - eleição indireta de um presidente civil - o debate dirigiu-se aos obstáculos para a consolidação da democracia. Weffort expressou esses momentos distintos em duas obras seminais: "Por que democracia?"(1984) e "Qual democracia?"(1992). Se a democracia constituiu numa esperança no primeiro momento, no segundo, caracterizou-se pela crítica democrática à democracia vigente.

Em 1979 foi realizado um seminário na PUC/SP onde vários intelectuais se reuniram para discutirem "os novos caminhos para a democracia brasileira"(7). A participação, a cidadania e o direito constituíram o eixo temático, bem como a base para a construção de uma democracia no Brasil. Em um texto seminal Lamounier(1981) ressaltou a importância dos mecanismos formais da democracia representativa, ou seja, as eleições e os partidos políticos. Tratou-se, pois, de um divisor de àguas com a tradição do pensamento político brasileiro. Para o autor as instituições políticas, a parte o seu formalismo, são importantes para a democracia.

Multiplicaram-se, ao longo da década de 1980, as análises do processo de transição do autoritarismo. Dentre os vários enfoques teórico-metodológicos destaca-se Lamounier. Esse autor rompe com as análises deterministas infraestruturais, e Levanta hipóteses estritamente políticas e institucionais para explicar a transição. Seguindo a orientação teórica de Juan Lins ressalta "a dificuldade de institucionalizar-se um regime autoritário e a viabilidade de um processo de descompressão baseado na ativação gradual de mecanismos eleitorais e pluralistas"(Lamounier,1988:94).

Demonstra, o referido autor, que o processo de transição foi o resultado de um "calculus de descompressão". A via eleitoral e a competição política foram buscadas pelos governantes como uma estratégia, dentre outras possíveis, para a institucionalização do regime, ou melhor, para resolver a erosão de legitimidade que padecem todos os regimes autoritários. Por outro lado, tal ação política estratégica produziu seus próprios efeitos. O processo de transição controlada e gradual, a partir da fixação do calendário eleitoral, envolveu o partido de oposição, MDB, e trouxe resultados imprevisíveis para o governo. Dentre eles, destacam-se o crescimento eleitoral da oposição e o caráter plebiscitário das eleições -contra ou favor do governo- obrigando o governo a recorrer a frequentes recursos casuísticos(8).

Para o autor, se houve um gradualismo controlado da transição, ocasionando em decorrência disso uma "erosão da legitimidade", por outro lado, até 1982 o governo conseguiu se sustentar graças ao papel de fiador do processo de normalização institucional(Lamounier,1988:125).

Na dimensão teórico-metodológica predominou, nas análises do processo de transição, o enfoque nas estratégias de ação dos diferentes atores políticos envolvidos neste processo. Perspectivas histórico-estruturais foram relegadas a um segundo plano. O'Donnell e Schmitter justificaram tal posição, ressaltando, nas aberturas transicionais, "o alto grau de indeterminação da ação social e política e dos graus de liberdade que a ação coletiva, e até mesmo individual apresentam"(1988:40).

Na luta contra o autoritarismo a democracia constituiu na esperança de distintos e múltiplos atores políticos e sociais. A adesão aos valores democráticos foi ocorrendo no percurso da transição -percurso longo e incerto quanto ao seu desfecho democrático. Tal incerteza e o alto grau de liberdade de escolha dos sujeitos sociais e político produziram um deslocamento nas análises de toda forma de determinismo externo à ação política.

Nesse sentido é que podemos compreender a afirmação de Weffort de que "nenhuma democracia se constituiu jamais como simples reflexo de exigências supostamente irrelutáveis da história"(1984:31). Ressalta o sentido da ação política como um ato de liberdade e da função política do pensamento, pois, diz ele: "qualquer esforço por esclarecer o significado da democracia e da revolução só pode servir para torná-la possível"(Ibidem,31). O autor dirige seu discurso às esquerdas.

No processo de transição, aponta Weffort, a democracia deixou de ser instrumental e tornou-se um "valor geral". Isto é, constituiu-se em um objetivo comum das forças políticas. Como democrata, todavia, o autor conclama as esquerdas a conquistarem a "hegemonia dentro da democracia"(Ibidem:59). Aponta, então, a multiplicidade de sentidos da democracia e o significado de valor geral, diz ele: "na própria luta dos divergentes e dos contrários em torno do sentido da democracia está a afirmação da democracia como valor geral"(Ibidem:61).

Qual a explicação para a mudança de sentido da tradição do pensamento político brasileiro na direção da democracia?

Weffort articula os condicionantes políticos às condições histórico-estruturais. Por um lado, "sob as circunstâncias de violência do período Médici, muitas das ambiguidades da tradição política brasileira em face da democracia se resolveram em favor de uma concepção democrática da democracia"(Ibidem:76). Por outro lado, o crescimento urbano e a expansão industrial, da década de 1970, criando setores novos na classe média e na classe operária, promoveu uma alteração na tradição ideológica do país agrário que engendrou o movimento de 1930(Ibidem:74)

O processo de democratização, para Weffort, foi o resultado da combinação da ação das forças políticas no âmbito dos canais político-institucionais e, principalmente, na sociedade civil - a novidade está na criação desse espaço político ampliado.

Coutinho(1980), como Weffort(1984), estimula o debate na esquerda sobre o valor da democracia política. Defende a via democrática para o socialismo, bem como a preservação da forma política democrática no socialismo(9). Para o autor, sobretudo no Brasil, face a tradição elitista e autoritária, a democracia mesmo no molde liberal-formal torna-se decisiva(Coutinho,1980:32). Segundo ele, "a democracia de massas que os socialistas brasileiros se propõem a construir conserva e eleva a nível superior as conquistas puramente liberais"Ibidem:34).

A centralidade da questão democrática, entre as esquerdas, não significou, como procura demonstrar Weffort, a exclusão do tema da revolução(10) -em pauta na década de 1960. Trata-se, pois, de rearticulá-los. Weffort retoma H. Arendt(1988) para esclarecer à esquerda do equívoco da redução da revolução à violência. O sentido histórico da revolução segundo essa autora - com o qual Weffort concorda- foi a conquista da liberdade. Entendendo esta no seu duplo sentido, a liberdade da opressão -garantias dos direitos civis- e a liberdade de "participação nas coisas públicas, ou admissão no mundo político"(Arendt,1988:26). Para que a liberdade possa se realizar nesse último sentido seria necessário uma nova forma de governo, a saber, a República. Daí a conclusão de Weffort, as "revoluções são fenômenos democráticos"(Weffort,1984:109).

A via democrática seria, para o autor, a melhor garantia de mudanças na sociedade como um todo sob a direção do povo. Desse modo, a liberdade política e a igualdade social seriam constitutivas do mesmo processo. Pois, diz ele: "quando tocamos nos fundamentos políticos da sociedade atingimos também os seus fundamentos sociais e econômicos(Ibidem,113). A democracia política, portanto, no seu entender, produziria um impacto transformador sobre a sociedade e sua estrutura econômica. "Onde ela chega, subverte a concepção tradicional de poder"(Ibidem: 119): eis o sentido revolucionário da democracia, conclui Weffort.

Em Abril de 1986, Marco Aurélio Garcia organizou um seminário no CEDEC sobre "as esquerdas e a democracia"(11). Participaram, entre outros, Weffort e Coutinho. Questões históricas, teóricas e políticas foram objeto da discussão. Iniciou-se ,o debate, por um balanço crítico da relação das esquerdas, com destaque para o PCB, com a democracia. Tanto Weffort como Coutinho retomaram o debate acerca do conceito de democracia e de revolução. Mais do que um discurso sobre o conceito de democracia, predominou entre os debatedores e expositores a defesa da democracia política.

Para além de um discurso político, L. W. Vianna debruça-se sobre a história para encontrar os fundamentos que justificam o compromisso com a democracia. Nesse sentido afirma, "o desmonte das estruturas e instituições sobre as quais se assenta por décadas o autoritarismo, mantido e reforçado na empreitada modernizante, aproxima a democracia política de um verdadeiro processo político revolucionário"(Vianna,1983:244).

A peculiaridade da "Revolução Burguesa" brasileira foi, de um lado, a intensificação da modernização econômica na direção do capitalismo industrial e, de outro, a manutenção de instituições político-sociais excludentes e conservadoras. É nisso que insiste Vianna ao demonstrar que pela via da "modernização conservadora" o capitalismo no Brasil revelou-se incompatível com uma cidadania livre de controle. Prova disso, foi a continuidade, mesmo entre 1946-1964, da regulamentação da organização sindical, via Estado, através de estruturas corporativa.

Se, por um lado, a burguesia extraiu sua força econômica instrumentalizando o Estado, por outro, ao longo da história, ela demonstrou sua fragilidade política na direção do processo de expansão da cidadania. Assim, na transição política do regime autoritário, "a democracia política, rompendo com o domínio autocrático burguês, não significa o triunfo da revolução burguesa (...) mas o surgimento das massas que assumem sua livre cidadania sem compromissos com a ordem burguesa e que deverão competir com ela no terreno da democracia visando seu progressivo aprofundamento"(Vianna: 1983:263).

L.W.Vianna destaca a ação dos sujeitos na criação da forma política. Assim, inúmeras seriam as alternativas possíveis para o desfecho da transição. Contudo, seja uma forma liberal-democrática, ou uma democracia participativa de massas, rumo ao socialismo, será definida no terreno político, isto é, através da ação política dos diferentes sujeitos coletivos (Vianna,1983).

Isto posto, podemos constatar nas análises do processo de transição tanto a valorização da democracia como da própria política - isto é, como um campo onde distintos sujeitos coletivos defrontam-se e disputam suas posições. Esse espaço político para uns se restringe às instituições políticas(p.ex.Lamounier), enquanto para outros(Coutinho, Weffort,L.W.Vianna) compreende também a sociedade civil(no sentido gramsciniano).

No entanto, não podemos ignorar as diversas abordagens acerca do início e o desenrolar da transição -aquela que, segundo o conceito de O'Donnell,"vai de um regime autoritário anterior até a instalação do governo democrático"(O'Donnell,1988b:43).

Lamounier, como vimos, prioriza os condicionantes políticos para o desenrolar do processo de transição. Sua análise restringe-se ao âmbito das instituições políticas. Seu referencial teórico é o da crise de legitimidade que padecem os regimes autoritários. Como qualquer outro governo sofrem com o tempo o declínio de sua legitimidade. Contudo, nas democracias a legitimidade é renovável através das eleições, recurso este que não dispõe o regime autoritário. Isto posto, destaca, Lamounier, a decisão de fortalecer o processo eleitoral como uma estratégia deliberada do governo autoritário -mais especificamente do grupo Geisel, em 1974,-para alcançar a legitimidade de seu regime. Tal estratégia, no entender do autor, mostrou-se eficaz para assegurar, pelo menos até 1982, o controle do governo sobre o processo de transição.

Para Diniz, entretanto, se o projeto de transição originou-se na cúpula do governo, o seu processo desenrolou-se a partir de uma dupla dinâmica: "uma dinâmica de negociação e pacto conduzida pelas elites e uma dinâmica de pressões e demandas irradiadas da sociedade, articuladas através de movimentos sociais e traduzidas por organizações políticas"(Diniz,1985:333). Segundo essa autora os resultados eleitorais favoráveis à oposição, no decorrer do período, sinalizavam a presença de uma sociedade em busca de sua autonomia. Frente a essa sociedade, e ao crescimento do movimento de oposição, o governo se viu compelido a empregar os seus recursos de poder autoritário a fim de garantir a manutenção do seu projeto de liberalização. Tal procedimento reverteu-se em prejuízo desse mesmo projeto(Ibidem,1985).

Com ênfase nas mudanças da sociedade brasileira, na década de 1970, W.G.Santos aponta para o descompasso dessa sociedade e sua forma de organização política. O regime autoritário encontra-se, portanto, em desacordo com a sociedade emergente no após-64. Diante disso, o autor destaca duas alternativas, a saber, "ou a favor da sociedade finalmente liberta para reelaborar na prática os termos de um novo contrato social, ou a favor de um recrudecimento autoritário cuja brutalidade é inimaginável"(Santos 1985a:233). Sua tese parece ser a da instabilidade inerente aos regimes autoritários. Isso porque, "quanto mais autoritário o regime maior a assimetria entre sua dinâmica política e sua dinâmica societária(Santos,1985b;309).

Com base nos resultados de uma ampla pesquisa empírica, Santos demonstra a complexidade assumida pela sociedade brasileira nas últimas décadas. O Brasil "cresceu, urbanizou-se, industrializou-se, reestruturou-se ocupacionalmente, educou-se e reordenou-se"(Santos, 1985a). Em suma, a sociedade brasileira de 1984 distingue-se do pré-1964 em sua estrutura econômica e social. Diante disso, o autor aponta a obsolescência do regime autoritário em vigor.

Santos ressalta os limites das análises comparativas da transição, pois, segundo ele, "o sentido da transição não é o mesmo em todos os países"(1985a:193). Para compreendê-la seria necessário uma análise histórica, num largo tempo histórico, capaz de explicitar a ordem social precedente e o sentido da transição. Seu objetivo seria demonstrar uma ruptura na década de 1970 na "ordem regulada" que se gestou na década de 1930.

A "ordem regulada" caracterizou-se por uma forma de cidadania onde "são cidadãos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei"(Santos,1985a:293-294). Daí derivam tanto o privilégio de participação política como o seu controle. São pré-cidadãos todos aqueles indivíduos ou grupos sociais cuja profissão não foi regulamentada pelo Estado. Historicamente, essa foi a condição do campesinato e dos trabalhadores rurais no Brasil. Tanto a exclusão como o controle constituíram a ordem regulada no após-30.

A década de 1970 apresentou mudanças substantivas na "ordem regulada" até então prevalecente. O autor destaca o crescimento da sindicalização rural em padrões distintos da "cidadania regulada". A condição de membro do sindicato, bem como o acesso aos direitos sociais, advém da condição de trabalhador e não de corporações profissionais. Também o sindicalismo urbano não só cresceu como foi mudando qualitativamente. Apesar da manutenção das estruturas corporativas, um "novo sindicalismo" mais autônomo e com lideranças representativas dos trabalhadores demonstram a tendência crescente da década de 1970 de ruptura com a "ordem regulada".

Em relação a burguesia industrial, Santos salienta a sua incapacidade, historicamente demonstrada, de formular um projeto autônomo de sociedade. Mesmo beneficiando da ordem instituída, a burguesia ocupou uma posição política subalterna - em relação por exemplo às forças armadas e a burocracia pública. Na década de 1970 a burguesia assim como as classes populares intensificaram a sua organização. Por causa disso, pondera o autor, dificilmente a burguesia poderá desenvolver um projeto de ordenamento social sem considerar os novos atores emergentes(Santos,1985a:305)

Isto posto, conclui o autor, a vida política e social brasileira nas décadas de 1970 e 1980 foi enriquecida por novos atores. A remodelação da ordem social e política resultará da solução, "mediante competição social e política", do encaminhamento para os seguintes problemas: desconcentração de renda; proteção social e participação política. Eis, portanto , a agenda de um novo pacto social(Santos,1985a:308-309).

Tanto Vianna(1983), numa tradição marxista, como Santos(1985a), numa tradição liberal-democrática, buscam analisar a transição à partir das particularidades histórico-sociais brasileiras. O primeiro destacando a "modernização conservadora", o segundo, a "cidadania regulada" como característica da ordem social e política que se definiu à partir de 1930. Ambos ressaltam as mudanças como a marca distintiva da década de 1970 das décadas anteriores. E essa mudança diz respeito às bases concretas, fortalecimento e diversidades dos sujeitos sociais, para a construção de uma democracia.

Como podemos constatar, a democracia configurou-se na grande esperança de ordenamento político e social para uma geração de intelectuais na década de 1980 - sejam eles de tradição liberal-democrática ou de esquerda(marxistas ou não). O ensaio político de Weffort "Por que democracia?" expressa o clima de uma época que deixou na história como marca a defesa da democracia política, como o regime que melhor permite a liberdade e igualdade políticas numa sociedade pluralista e complexa.

Considerações finais

Não se trata aqui de formular conclusões, mas apenas, de forma sintética, reforçar o argumento que norteou a construção deste texto. Através das questões levantadas objetivou-se suscitar o debate em torno da novidade que constituiu, no pensamento brasileiro da década de 1980, a questão da democracia.

A partir das contribuições de alguns pensadores de destaque no período, que elegeram a democracia como tema central de suas reflexões, procurou-se demonstrar a multiplicidade de análises da transição do autoritarismo.

O tema da democracia apareceu no pensamento político da década de 1980 de formas distintas, conforme o contexto histórico. Até meados de 1980 predominou no debate a análise do processo de transição do regime autoritário. Com a chamada "Nova República"-que nasceu de uma eleição indireta, em 1985, via Congresso Nacional - a discussão no campo democrático deslocou-se, no final da década, para a forma de democracia que emergiu após o autoritarismo. O pensamento político defrontou-se, então, com o dilema da consolidação democrática.

O'Donnell referiu-se a dois processos de transição: o primeiro, "que vai do regime autoritário anterior até a instalação do governo democrático; [o segundo], que vai desde o governo democrático até a consolidação da democracia, isto é, um regime democrático (O'Donnell, 1988b:43).

Weffort sintetiza os desafios do pensamento político brasileiro, frente ao segundo processo da transição do final da década de 1980, a saber, "Qual democracia?"(1992).

A esperança depositada na democracia no início da década cede lugar para a análise crítica da forma de democracia instalada após o autoritarismo.

Para Bolivar Lamounier "o conceito de consolidação democrática pode ser entendido de duas maneiras distintas, dependendo da amplitude que se dê ao conteúdo de democracia. Assim, prossegue ele, temos de um lado, os que vêem a democracia como estrutura social global (...) e aqueles que procuram delimitar a democracia como um subsistema político institucional, ou seja, como um regime fundado na competição política, na disputa partidária, em eleições livres (...) na garantia constitucional de direitos individuais e civis"(Lamounier,1989:109).

Lamounier dedicou-se a pesquisar os obstáculos políticos institucionais à consolidação da democracia no Brasil. Dentre eles, destacam-se a fragilidade do sistema partidário, do sistema eleitoral e, também, a forma presidencialista de governo. Sua crítica incide na estrutura institucional brasileira, que no seu entender seria a mais perversa forma de organização política. Isto porque, "combina a aguda dependência do executivo presidencialista em relação a legitimação plebiscitária (...) com a tendência à amplificação do poder de veto das minorias e à multiplicação de bloqueios que caracterizam as chamadas democracias 'consociativas'"(Lamounier,1996:23). Eis a raiz do problema da instabilidade e fragilidade da democracia no Brasil. Importante frisar que o autor filia-se à tradição liberal-democrática, e delimita a democracia à sua forma representativa.

Santos(1994) discorda de Lamounier no que se refere ao sistema representativo brasileiro. Para o autor a representação proporcional seria a forma mais democrática das sociedades pluralistas. Critica toda forma de reforma constitucional que venha reduzir a proporcionalidade do sistema político- seja na adoção de um sistema eleitoral misto ou majoritário puro, ou na redução do número de partidos. No seu entender, qualquer forma de sistema eleitoral majoritário "violenta os princípios da justiça alocativa e distributiva e cristaliza oligarquias partidário-parlamentar"(Santos,1994:6).

Em obra anterior, Santos(1993) revela o seu pessimismo em relação a democracia política brasileira. Demonstra que alguns dos requisitos para uma "poliarquia" - democracia representativa no sentido definido por Dahl(1971)(12)- têm sido alcançados no Brasil. Destaca o crescimento econômico, o pluralismo social, a ampliação da participação político-eleitoral e um sistema partidário competitivo. Isto posto, interroga o autor: como explicar a precária eficácia e instabilidade das instituições poliarquicas?

Segundo o referido autor a "crise de governabilidade" têm ocupada a agenda política da última década. A literatura política especializada a definiu como sendo o resultado do excesso de demandas e a incapacidade do governo em respondê-las. Todavia, para Santos, a explicação para tal crise no caso brasileiro seria outra. Trata-se, pois, de um "híbrido institucional", ou seja: de um lado um excesso de leis e regulamentos oriundos do sistema político, por outro, um "hobbesianismo social" - onde a lógica é outra, ou seja, "inexistem normas gerais universalmente aceitas"(Santos,1993:109). "É esse hibrido, [diz o autor], que faz com que o governo governe muito, mas no vazio - um vazio de controle democrático, um vazio de expectativas legítimas, um vazio de respeito cívico"(Ibidem:80).

Weffort também aponta para os limites da democracia brasileira. Tais limites se revelam pela sua incapacidade de reduzir as desigualdades sociais. Por sua vez, tais desiqualdades constituiriam , no seu entender, uma ameaça à estabilidade da democracia política. Nesse sentido, diz ele, "o funcionamento das regras mínimas de procedimento de uma democracia política implica a existência de certas condições sociais mínimas"(Weffort, 1992:98). Assim, para esse autor, a defesa da liberdade política deve vir acompanhada da defesa da igualdade social

Historicamente, a extensão da cidadania política -sufrágio universal- ampliou as oportunidades das classes populares influenciarem as decisões políticas no sentido de reduzirem as desigualdades sociais geradas pelo mercado econômico. Contudo, nem todas as formas de democracias são iguais. A democracia brasileira, bem como as latino americanas, têm revelado escasso poder de reduzir as desigualdades sociais, ou mesmo de garantia dos direitos civis.

O'Donnell conceitua as "novas democracias" - aquelas que emergiram após autoritarismo em sociedades de pouca tradição democrática- como "democracia delegativa". A partir de um critério descritivo, tais democracias têm as seguintes características: "Aquele(a) que ganha uma eleição presidencial é autorizado a governar o país como lhe parecer conveniente (...) até ao fim de seu mandato. O presidente é a encarnação da nação (...), o que faz no governo não precisa guardar nenhuma semelhança com o que ele disse e prometeu durante a campanha (...). Não se apoia num partido e sua base política é um movimento. Os candidatos vitoriosos(...) apresentam-se como estando acima de todos os partidos(...) e dos interesses organizados. A democracia delegativa é fortemente majoritária(...) e fortemente individualista (...), isto é, pressupõe-se que os eleitores escolham, independentemente de suas identidades e filiações, a pessoa que é mais adequada para cuidar dos destinos do país(...). Após as eleições os eleitores/delegados retornam à condição de espectadores passivos"(O'Donnell,1991:30-31).

O pensamento político até meados da década de 1980 fez da democracia o seu "leitmotiv" como pretendemos ter demonstrado. Após o autoritarismo dedica-se, no campo democrático, à crítica da democracia existente. Aí reside a diferença e a ruptura com a tradição do pensamento político do passado, ou seja, o compromisso com a democracia não impede a crítica, pelo contrário, é a crítica que fortalece esse compromisso.

NOTAS

(1) - Huntington destaca, ao longo da história, três ondas de democratização , a saber: a primeira de 1828 a 1926; a segunda, de 1943 a 1962; a terceira, a partir de 1974. As duas primeiras foram seguidas por ondas de reversão autoritária, de 1922 a 1942 e 1958 a 1975 respectivamente(Huntington,1994)

(2) - ver O'Donnell e Schmitter(1988a); O'Donnell(1988b); Przeworski(1984; 1992; 1994); Huntington(1994); Numa perspectiva comparada os processos de transição distinguem-se conforme o grau de negociação ou de ruptura das oposições com o regime autoritário.

(3) -Sobre o Brasil ver Coutinho(1980); Weffort(1984); Lamounier(1993). Na América Latina ver Lechner(1988); Castañeda(1994).

(4) - Ver O.Vianna(1987:vol.2;139,141,142)

(5) -O pensamento desse autor foi objeto de estudo de Tótora,S. Azevedo Amaral e o Brasil moderno, dissertação de mestrado, PUC/SP 1991.

(6) - Em 1978 pela primeira vez a democracia assumiu centralidade no debate entre os intelectuais latino-americanos na Conferência "Sobre as condições sociais da democracia" organizada pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais(CLACSO) na Costa Rica(ver Lechner,1988:18).

(7) - Esse Seminário foi publicado em Lamounier, Weffort, Benevides(orgs)(1981)

(8) - As eleições de 1974 ampliaram consideravelmente a posição de MDB(Movimento Democrático Brasileiro) tanto no Senado, elegendo 16 senadores entre 22 vagas, como na Câmara Federal e Assembléias estaduais. O governo reagiu com a Lei Falcão impondo restrições ao uso dos meios de comunicação para as eleições seguintes. Em abril de 1977 promulgou um conjunto de medidas constitucionais utilizando o poder excepcional conferido ao governo pelo Ato Institucional nº 5, dentre elas: a eleição indireta de um terço dos Senadores, aumento da Câmara Federal, de 364 para 420 deputados, escolhidos proporcionalmente a população de cada Estado e não ao eleitorado. Em 1979 extinguiu o bipartidarismo e instituiu o pluripartidarismo. Por fim, em 1981, decretou a vinculação dos votos, ou seja, o eleitor seria obrigado a escolher os candidatos do mesmo partido. Todas essas medidas visavam evitar o crescimento da oposição e as disputas polarizadas, a favor ou contra o governo.

(9) - Esse debate intensificou-se na Itália, particularmente no PCI, a partir da releitura de Gramsci, e irradiou-se para o pensamento brasileiro, e também o latino-americano. Entre os marxistas a democracia ganha destaque com os debates acerca da transição para o socialismo. Gramsci, na década de 1920, abriu as portas para a reflexão em torno de uma alternativa de transição no Ocidente, distinta da solução soviética. De acordo com ele, no Ocidente a fórmula jacobina da revolução permanente seria superada pela conquista da hegemonia na sociedade civil(Gramsci,1978).

(10) -Um funcionário da embaixada americana dirigindo-se a Weffort perguntou-lhe, em 1973, "porque vocês(entenda-se as esquerdas) falam tanto de democracia?" Por que não revolução? Weffort procura demonstrar o equívoco no tratamento excludente entre a democracia e a revolução. Pretesto para escrever o seu ensaio(1984), dirigindo-se as esquerdas, na defesa da democracia. Revolução e democracia como termos excludentes marcou o debate das esquerdas na década de 1960.

(11) - ver Garcia,M.A.(org)(1986), participaram desse seminário Daniel Aarão Reis Filho; Carlos Nelson Coutinho; Francisco Weffort; Maria Vitória Benevides; Régis de Castro Andrade; José Álvaro Moisés; Marco Aurélio Garcia(org).

(12) Dahl denomina de "poliarquia"a democraia moderna -democracia representativa. A poliarquia seria uma forma de regime político que equilibra a liberalização e a democratização. Isto é, um conjunto de instituições que asseguram as liberdades individuais e/ou de grupos, assim como os direitos de cidadania sem discriminações. Nesse sentido, denomina-se poliarquia o sistema político capaz de combinar os direito de expressão, manifestação, associação, dissensão face a política governamental e o direito de cada cidadão votar e ser votado em eleições livres e regulares(Dahl,1971).

BIBLIOGRAFIA

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--------------"A escolha de instituições na transição para a democracia: uma abordagem da teoria dos jogos" In DADOS, Rio de Janeiro, vol. 35, nº 1, 1992.

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---------- -Qual democracia? São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

NOTAS

(1) - Huntington destaca, ao longo da história, três ondas de democratização , a saber: a primeira de 1828 a 1926; a segunda, de 1943 a 1962; a terceira, a partir de 1974. As duas primeiras foram seguidas por ondas de reversão autoritária, de 1922 a 1942 e 1958 a 1975 respectivamente(Huntington,1994)

(2) - ver O'Donnell e Schmitter(1988a); O'Donnell(1988b); Przeworski(1984; 1992; 1994); Huntington(1994); Numa perspectiva comparada os processos de transição distinguem-se conforme o grau de negociação ou de ruptura das oposições com o regime autoritário.

(3) -Sobre o Brasil ver Coutinho(1980); Weffort(1984); Lamounier(1993). Na América Latina ver Lechner(1988); Castañeda(1994).

(4) - Ver O.Vianna(1987:vol.2;139,141,142)

(5) -O pensamento desse autor foi objeto de estudo de Tótora,S. Azevedo Amaral e o Brasil moderno, dissertação de mestrado, PUC/SP 1991.

(6) - Em 1978 pela primeira vez a democracia assumiu centralidade no debate entre os intelectuais latino-americanos na Conferência "Sobre as condições sociais da democracia" organizada pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais(CLACSO) na Costa Rica(ver Lechner,1988:18).

(7) - Esse Seminário foi publicado em Lamounier, Weffort, Benevides(orgs)(1981)

(8) - As eleições de 1974 ampliaram consideravelmente a posição de MDB(Movimento Democrático Brasileiro) tanto no Senado, elegendo 16 senadores entre 22 vagas, como na Câmara Federal e Assembléias estaduais. O governo reagiu com a Lei Falcão impondo restrições ao uso dos meios de comunicação para as eleições seguintes. Em abril de 1977 promulgou um conjunto de medidas constitucionais utilizando o poder excepcional conferido ao governo pelo Ato Institucional nº 5, dentre elas: a eleição indireta de um terço dos Senadores, aumento da Câmara Federal, de 364 para 420 deputados, escolhidos proporcionalmente a população de cada Estado e não ao eleitorado. Em 1979 extinguiu o bipartidarismo e instituiu o pluripartidarismo. Por fim, em 1981, decretou a vinculação dos votos, ou seja, o eleitor seria obrigado a escolher os candidatos do mesmo partido. Todas essas medidas visavam evitar o crescimento da oposição e as disputas polarizadas, a favor ou contra o governo.

(9) - Esse debate intensificou-se na Itália, particularmente no PCI, a partir da releitura de Gramsci, e irradiou-se para o pensamento brasileiro, e também o latino-americano. Entre os marxistas a democracia ganha destaque com os debates acerca da transição para o socialismo. Gramsci, na década de 1920, abriu as portas para a reflexão em torno de uma alternativa de transição no Ocidente, distinta da solução soviética. De acordo com ele, no Ocidente a fórmula jacobina da revolução permanente seria superada pela conquista da hegemonia na sociedade civil(Gramsci,1978).

(10) -Um funcionário da embaixada americana dirigindo-se a Weffort perguntou-lhe, em 1973, "porque vocês(entenda-se as esquerdas) falam tanto de democracia?" Por que não revolução? Weffort procura demonstrar o equívoco no tratamento excludente entre a democracia e a revolução. Pretesto para escrever o seu ensaio(1984), dirigindo-se as esquerdas, na defesa da democracia. Revolução e democracia como termos excludentes marcou o debate das esquerdas na década de 1960.

(11) - ver Garcia,M.A.(org)(1986), participaram desse seminário Daniel Aarão Reis Filho; Carlos Nelson Coutinho; Francisco Weffort; Maria Vitória Benevides; Régis de Castro Andrade; José Álvaro Moisés; Marco Aurélio Garcia(org).

(12) Dahl denomina de "poliarquia"a democraia moderna -democracia representativa. A poliarquia seria uma forma de regime político que equilibra a liberalização e a democratização. Isto é, um conjunto de instituições que asseguram as liberdades individuais e/ou de grupos, assim como os direitos de cidadania sem discriminações. Nesse sentido, denomina-se poliarquia o sistema político capaz de combinar os direito de expressão, manifestação, associação, dissensão face a política governamental e o direito de cada cidadão votar e ser votado em eleições livres e regulares(Dahl,1971).

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