49 Congreso Internacional del Americanistas (ICA)

Quito Ecuador

7-11 julio 1997

 

Telma de Barros Correia

49 Congresso Internacional de Americanistas

Foro de Investigação: Condições de vida e organização do espaço urbano em cidades brasileiras (séculos XIX e XX)

A Socialização das cidades empresariais e o desmonte dos requisitos urbanos da vida fabril: tendências recentes no sul do Brasil

Telma de Barros Correia (EESC-USP)

Resumo:

O trabalho discute o movimento atualmente em curso de desmonte de cidades empresariais no sul do Brasil. A construção de cidades empresariais por indústrias, empresas madeireiras, siderúrgicas, etc. tem marcado o desenvolvimento da grande indústria no País, desde as últimas décadas do século XIX. Consistem em equipamento de arregimentação, fixação e controle do trabalhador, em cuja organização a segurança da propriedade e a produtividade do trabalho são questões centrais. Trata-se de formas urbanas cuja ordem espacial funciona como base para a instauração de um cotidiano coerente com a formação de trabalhadores obedientes e produtivos. Na constituição deste mundo do trabalho, a indústria tomou a seu cargo a organização não apenas a moradia do trabalhador, como seu consumo, lazer, educação, saúde e uso do tempo, criando escolas, igreja, postos de saúde, etc. Embora a literatura sobre o tema costume se centrar mais no estudo das vilas operárias criadas no início do século, a prática de construí-las perdura até os dias atuais. A partir dos anos 80, entretanto, verificou-se no Brasil um movimento bastante abrangente de desmonte de cidades empresariais. Tal movimento tem atingido empresas grandes e pequenas, privadas e estatais. Este trabalho pretende, a partir dos casos das empresas Klabin e Giacomet-Marodim no estado do Paraná, abordar este processo de desmonte, investigando suas causas e as características que assume em diferentes casos (desmonte parcial ou total, solução de moradia posterior do trabalhador, etc.).

49 Congresso Internacional de Americanistas

Foro de Investigação: Condições de vida e organização do espaço urbano em cidades brasileiras (séculos XIX e XX)

A Socialização das cidades empresariais e o desmonte dos requisitos urbanos da vida fabril: tendências recentes no sul do Brasil

Telma de Barros Correia (EESC-USP)

1. A construção e o desmonte de vilas operárias e núcleos fabris

No período entre as duas últimas décadas do século passado e os anos quarenta deste século, a construção de vilas operárias em subúrbios urbanos e de núcleos fabris em localidades rurais era alardeada por seus promotores como indício da dedicação dos patrões aos seus funcionários. Uma vasta literatura, incluindo romances, artigos em revistas de engenharia, discursos em congressos médicos, matérias em periódicos, palestras em congressos católicos, obras bibliográficas, enalteciam as qualidades espaciais e os objetivos sociais destes lugares, mostrados como ideais para o florescimento de classe trabalhadora saudável, honesta, operosa e, disciplinada. Industriais como Delmiro Gouveia e Jorge Street, por exemplo, construíram reputações de patrões exemplares baseadas, em grande parte, na organização tida como exemplar dos núcleos fabris que criaram, junto às suas fábricas têxteis em Alagoas e São Paulo.

Atualmente estamos vivendo uma situação inversa: cercado de silêncio e discrição, longe da mira dos jornalistas, distante das falas dos técnicos e ausente dos discursos patronais, verifica-se um processo nacional de desmonte de vilas operárias e núcleos fabris construídos por empresas. Usinas em Pernambuco e Alagoas, madeireiras no Paraná, fábricas têxteis em todo o Pais, empenham-se em se desobrigar rapidamente de prover moradias e equipamentos para seus empregados, promovendo um movimento nacional de desmonte de vilas e núcleos fabris.

A construção de habitação para seus operários por indústrias esteve relacionada com a necessidade de construção de fábricas em localidades rurais, junto às fontes de energia e de matéria-prima e esteve inserida em estratégia de disciplina da mão-de-obra, fundamentada na sedentarização, na moralização dos costumes e na difusão de novas noções de higiene. No afastamento do ambiente das grandes cidades, visto como fonte de perigos sanitários, morais e políticos e no controle amplo das circunstâncias que envolvem o cotidiano operário nos assentamentos que criaram, os industriais localizavam a possibilidade de obter um grupo de trabalhadores produtivos e submissos. A organização do trabalho fabril e a vida nestes núcleos envolveu um violento processo de adaptação do trabalhador: assimilar novos hábitos domésticos, de lazer, aceitar uma distribuição de atividades diárias regida pelo tempo linear do relógio, submeter-se á disciplina da fábrica e da escola, do padre, do vigia e do médico.

Nas décadas mais recentes, muitas vilas operárias e núcleos fabris construídas no início do século continuam existindo, enquanto outros foram edificadas ou ampliadas. Simultaneamente muitas estão deixando de existir. Alguns se transformam em cidades não empresariais, às vezes com o repasse da casa ao morador como forma de indenização pela empresa. Outros são demolidas, para dar lugar a prédios em áreas objeto de intensa valorização imobiliária ou, surpreendentemente, para dar lugar a nada, em localidades rurais. O desmonte de vilas operárias e núcleos fabris se acelerou a partir de meados dos anos oitenta, num contexto de difusão de idéias e políticas neoliberais e de mudanças profundas na estrutura industrial do País, com o fechamento de muitas fábricas - sobretudo têxteis - e alterações nos processos produtivos de outras.

Está em curso simultaneamente um redirecionamento importante das formas de gestão operária, configurado, entre outras coisas, num interesse das empresas em se desvencilhar da gestão e controle da esfera doméstica de seus trabalhadores. Tal redirecionamento associa-se a uma busca de redução de custos com mão-de-obra e sobretudo com a intenção de tornar mais tênues os laços e compromissos da empresa com os trabalhadores, de modo a facilitar as demissões e a rotatividade da mão-de-obra. Em alguns casos o desmonte das vilas foi o passo inicial de processos de terciarização de empresas, nos quais a mão-de-obra empregada foi substituída por outra contratada por empreiteiras com salários e condições de trabalho inferiores. Configura-se portanto, uma atenuação do controle da esfera doméstica simultânea a um aumento da exploração na produção.

O texto a seguir investiga as diversas formas assumidas pelo processo de desmonte de vilas operárias e núcleos fabris no Brasil, a partir dos anos 50, a partir dos casos das empresas Klabin e Giacomet-Marodim no estado do Paraná. Mostra como às vezes, o desmonte atinge todos os funcionários, enquanto em outras apenas alguns grupos, geralmente os menos qualificados. Enfatiza a surpreendente e brusca mudança nas políticas empresariais ocorridas em meados dos anos 80, associadas com a decisão de muitas empresas de abolir a prática de conceder moradias aos seus funcionários, algumas das quais mal tinham concluído a construção de grupos de casas ou de equipamentos em suas vilas e núcleos fabris. Diante da profundidade das mudanças em curso, surpreende a pouca visibilidade do tema no momento atual. O fato provavelmente relaciona-se à pouca importância dada ao próprio tema das vilas e núcleos fabris nos anos recentes - entendido frequentemente de forma equivocada como algo inerente ao início do processo de industrialização - e ao desinteresse patronal no debate em torno do assunto.

2. A construção e o desmonte de Harmonia e Lagoa

As motivações que levam empresas ao desmonte de vilas operárias e núcleos fabris são diversas e variam ao longo do tempo. Uma causa importante pode ser localizada na valorização dos terrenos ocupados, correlata ao crescimento das cidades em direção às áreas industriais suburbanas, como foi o caso de duas vilas operárias de fábricas na Gávea e em Laranjeiras, no Rio de Janeiro. No caso da Companhia Têxtil de Aninhagem, situada no bairro de São José, no Recife, a Lei do Inquilinato, que congelou os aluguéis e criou empecilhos para o despejo de inquilinos a partir de 1942 e necessidades de ampliação da fábrica, foram apontadas como causas da demolição de cerca de vinte casas - em um total de cerca de 55 - em 1957. Outra causa importante do desmonte de vilas operárias e núcleos fabris é o fechamento das fábricas. Este foi o caso da Vila do Pombal, construída durante as décadas de 30 e 40 no Recife, pela Tecelagem de Seda e Algodão de Pernambuco e da Vila Santa Luzia, construída ao longo das décadas de 40 e 50, pela Companhia de Fiação e Tecidos de Pernambuco, no bairro da Torre, no Recife, cujos desmontes foram correlatos ao fechamento das fábricas nas décadas de 70 e 80.

Os casos acima indicam um desmonte total das vilas, em outros entretanto ocorre de modo parcial, atingindo uma parcela específica dos funcionários. Uma experiência neste sentido foi empreendida no início dos anos 50 pela Fábrica de papel e celulose Klabin no núcleo fabril de Monte Alegre, no Paraná.

A construção da fábrica da Klabin no Paraná se iniciou em 1944, tendo começado a funcionar em 1946. Os mais de dez despendidos na implantação do empreendimento testemunham sua magnitude. Um primeiro aspecto surpreendente neste sentido é sua dimensão física e o caráter autárquico do empreendimento, que incluiu um setor florestal responsável pela extração e reflorestamento de eucalíptos, pinus e araucárias que ocupam amplas extensões de terras, uma unidade fabril que foi a maior da América do Sul, além de estação de tratamento de água, oficina mecânica e elétrica, fábrica de cloro e soda caústica, usina hidrelétrica, usina termelétrica, mineração de carvão, represa, serrarias, olarias, estradas e, com vistas à atender seus funcionários, casas, equipamentos coletivos e culturas agrícolas. A demanda da empresa era tal que justificou a construção pela Rede Viação Paraná Santa Catarina de um ramal até Monte Alegre. No interior da Fazenda, em 1944, já haviam sido abertas mais de 150 km de estradas e construído um campo de aviação (FERNANDES, 1974).

A Fazenda Monte Alegre conciliava exemplarmente os requisitos que geralmente condicionam as escolhas locacionais de núcleos empresariais em áreas rurais. Possuía grandes reservas de pinheiros, matéria-prima da indústria de papel. Suas matas forneciam também madeira para construções de moradias e de alojamentos para trabalhadores, lenha para combustível, dormentes para estrada de ferro e postes para linhas de alta tensão. O Salto Mauá, com 20 metros, possibilitou a instalação de hidrelétrica, propiciando fonte própria de energia, num momento em que o Estado ainda não tinha uma intervenção importante no setor. A localização permitia ainda, um isolamento em relação às grandes cidades, que costumava ser bastante apreciado por industriais que desejavam controlar um mercado de trabalho próprio e propiciava amplas extensões de terras relativamente baratas.

Prover condições de habitabilidade - moradia, abastecimento de alimentos e água, etc. - para os técnicos estrangeiros e o grande contigente de trabalhadores mobilizados era outra questão central na organização do empreendimento. A seguir discutiremos como a empresa conduziu suas ações neste sentido.

A população mobilizada pela Klabin do Paraná era bastante numerosa e diversificada. Incluía gerentes e funcionários especializados vindos sobretudo do Rio de Janeiro e de São Paulo, técnicos estrangeiros e trabalhadores, originários principalmente de pequenas cidades e sítios próximos. Razões diversas atraíam estas pessoas a uma localidade remota como Monte Alegre: para os técnicos especializados os salários e as diversas concessões relativas à moradia eram motivos relevantes, para muitos trabalhadores braçais trata-se de buscar meios para a simples sobrevivência.

No momento em que iniciava os trabalhos de instalação da fábrica e das atividades a ela relacionadas, os escritórios da Klabin, os alojamentos dos empregados, o armazém de subsistência e uma escola concentraram-se na sede da Fazenda existente. O pessoal mais qualificado era alojado em pensões, com comida e quartos gratuitos. Em seguida foram construídos três núcleos residenciais. No primeiro destes - chamado Lagoa - passou a funcionar o centro administrativo do setor florestal e do serviço de tráfego e núcleo residencial dos trabalhadores neles envolvidos. Suas construções eram predominantemente de madeira, incluindo residências para os trabalhadores casados e alguns barracões para dormitório coletivo - com capacidade para até 200 trabalhadores. Hotel, escolas, Grêmio Recreativo, capela e armazém também foram instalados. Um outro núcleo denominado Mauá, foi criado junto à usina hidrelétrica. Inicialmente reunia dormitórios coletivos para trabalhadores da barragem, depois casas destinadas aos empregados da estação de geração de energia. Harmonia, localizado junto às instalações fabris, é o maior dos núcleos, reunindo casas de gerentes, técnicos especializados, mestres, contra-mestres, motoristas, vigias e inicialmente também de operários da indústria. Nele hotéis, igreja, hospital, escolas, armazém, cinema, clubes, padaria e um pequeno comércio local, distribuíam-se em meio a imensas áreas ajardinadas. No interior da Fazenda Monte Alegre, foram criados ainda muitos acampamentos florestais e diversas colônias agrícolas, que reuniram parte dos trabalhadores envolvidos nas atividades da Klabin do Paraná Agro-Florestal S/A responsáveis pela preservação de cerca de 72 mil hectares de mata nativa, pelos 119 mil hectares de reflorestamento de pinus, araucárias e eucalipto e por áreas de cultivo agrícola.

A grande maioria dos funcionários da fábrica morava com seus familiares em casas de propriedade da empresa. Inicialmente eram casas bastante precárias - ranchos de tábuas lascadas - substituídas em seguida por outras de melhor qualidade. A casa com água e energia elétrica, assim como a lenha e a escola, era gratuita, cobrando-se do morador apenas uma taxa de manutenção. Para alojar os funcionários solteiros sem família no local foi construído na década de 40 o Hotel Central, uma ampla construção com 28 quartos e 16 apartamentos. Segundo depoimento dado em 1991 pelo então concessionário do Hotel, Ciro Guimarães de Souza, até 1982 este Hotel funcionava como pensão, com mensalistas compostos sobretudo por estagiários, recém contratados e prestadores de serviços. .Para os visitantes e indivíduos que vinham a Monte Alegre a negócios, a empresa criou na década de 50 o Hotel Igapê.

Ao mesmo tempo em que procurou concentrar nos seus domínios todas as fases e serviços complementares à produção de papel, a empresa buscou reunir tudo o que julgava indispensável à vida cotidiana de seus empregados e gerentes. Anúncios comerciais no jornal O Tibagi, na década de 50, revela a existência em Harmonia de uma séria de estabelecimentos comerciais: o Bar e Sorveteria Monte Alegre, dotado de mesas de bilhar; a Tesoura Mágica do Valentim, oferecendo "confecções finíssimas para cavalheiros e senhoras"; a Oficina Harmonia, de consertos de carros; a Casa de Móveis Paulista; a Alfaiataria Paulista; a Livraria Monte Alegre; uma representante da Cia. de Máquinas Elna do Brasil, etc.( O Tibagi , Monte Alegre, 23 nov. 1952,.9; 4 dez. 1952, 3; 10 dez. 1952, 5 e 3). Há menções ainda à existência de barbearias, farmácia, feira livre e posto gasolina.

O consumo básico no entanto, permanecia sob o controle direto da fábrica, através dos Armazéns de Subsistência criados nos vários núcleos e que, segundo propaganda no Tibagi em 1953, mantem sempre um bom e variado sortimento se Secos e Molhados, doces, conservas, frios pelos menores preços do Paraná, pois os armazéns das I.K.P.C. não visam lucros, e sim, bem servir os funcionários e operários das indústrias ( O Tibagi , Monte Alegre, 21 jan. 1953, 4). O Serviço de Agronomia da empresa organizava a produção e o fornecimento de carne, leite e cereais. Através de colônias agrícolas ligadas a esta serviço a população de Monte Alegre era abastecida de arroz, centeio, feijão, mandioca, verduras, frutas, carne, batatas, milho e trigo ( O Tibagi , Monte Alegre, 22 mar. 1949, 7).

O controle sobre o consumo pela Klabin visava fundamentalmente a garantir um consumo básico a preços compatíveis com o orçamento do trabalhador. Podia por outro lado, está associado a ações de cunho moral, como foi o caso das restrições à venda de bebidas alcoólicas. A ocorrência de um duplo homicídio na Lagoa serviu de pretexto para decisão da administração da Fábrica de estabelecer uma lei seca em toda a Fazenda Monte Alegre, determinando a proibição de venda de bebidas alcóolicas. Posteriormente, após inclusive haver sido constatada um amplo ingresso clandestino de bebidas através do Rio Tibagi, a medida foi paulatinamente sendo suavizada, permitido-se a venda de uma garrafa de vermute por mês e depois de número limitado de garrafas de vinho ou cerveja (FERNANDES, 1974, 86-88).

Os altos índices de acidente de trabalho e o isolamento de Monte Alegre impuseram à empresa a criação de um serviço médico, que funcionava inicialmente em pequenos postos situados nos três núcleos e depois também em hospital construído em Harmonia. A ênfase nesta questão explica-se também pelas condições insalubres do lugar, testemunhadas por uma forte epidemia de maleita que o atingiu no verão de 1944 e 1945, fazendo com que um dos hotéis de Harmonia fosse convertido em hospital ( O Tibagi , Monte Alegre,29 mar. 1949,7).

Nos primeiros anos, os trabalhadores utilizavam seu tempo livre com grande autonomia, consagrando-o frequentemente a divertimentos como o jogo truco e corridas cavalos onde, segundo Hellê Fernandes - esposa de um funcionário da Empresa - salários inteiros eram perdidos em apostas e raro era o feriado sem ocorrências de tiros ou facadas (FERNANDES, 1974, 83). Compreendendo os danos que estas formas de lazer podem gerar à produção, comprometendo a vida, a saúde e o orçamento do trabalhador, a empresa tomou a ser cargo organizar formas alternativas de lazer. Em 1946 fundou dois clubes: o Clube Atlético Monte Alegre para os operários, onde se promove bailes e futebol o Harmonia Clube para os funcionários graduados, com quadras de tênis, volei, piscina e sede campestre junto ao Lago. Na Lagoa foi fundado o Grêmio Recreativo Araucária. Os esportes foram incentivados também pela criação de um Estádio de futebol e pela ação de Padres Redentoristas americanos, instalados em capela na Lagoa e em igreja em Harmonia. Na Lagoa e em Harmonia surgiram cinemas. Festas populares, religiosas e cívicas são promovidas.

O ensino, instrumento central no controle e formação da mão-de-obra, foi amplamente promovido via grupos escolares, creches, pré-primário, ginásio, Escola Normal e curso profissionalizante de aprendizes florestais. Para os que não moravam nos três núcleos, foram criadas as chamadas "escola-de-mato", com cursos alfabetização para mulheres e crianças. Parte das escolas eram públicas como os grupos escolares e ginásio, enquanto outras mantidas pela fábrica, como o jardim da infância. A partir de 1949 a fábrica e o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) deram início à promoção de cursos noturnos de aperfeiçoamento para os operários.

Na concepção de núcleos fabris, um instrumento de controle social no qual as elites apostaram muito, diz respeito a uma noção de um sentido pedagógico no contato dos pobres com indivíduos de outras classes sociais. A presença física do patrão, morando entre seus empregados, dando exemplos de vida e trabalho e administrando pessoalmente a gestão do pessoal, tem sido bastante valorizada entre industriais. Monte Alegre não foge à regra. Em 1947 um novo Diretor Administrativo da empresa, Horácio Klabin, foi morar núcleo onde deu especial atenção à política da empresa em relação a lazer e moradia. Além da presença do patrão, enaltece-se o contato com os chefes imediatos, pela possibilidade de transmissão de conhecimentos, modos e valores, conforme revela o testemunho de Hellê Fernandes: Mesclava-se uma população heterogênea, que tinha brasileiros de todos Estados e de todos os níveis, cada um servindo de acordo com sua qualificação. E era o contato direto dos chefes com os operários que levava estes a superarem suas deficiências... (FERNANDES, 1974, 83).

Descrevendo seu trabalho em Monte Alegre nos anos iniciais da implantação da Klabin, o médico Euclides Marcolla diz que se voltava sobretudo para vítimas de acidentes de trabalho e de tiros e facadas, esclarecendo que "todo mundo andava armado" . Abolir este hábito envolveu um esforço grande do destacamento policial e dos funcionários da Seção de Vigilância da fábrica, sobretudo através do posto de inspeção - chamado Posto da Corrente - localizado na única entrada da Fazenda. Segundo afirma Hellê Fernandes, cada viajante ao transpor este posto entregava tinha bagagem recolhida para uma revista minuciosa, que interceptava objetos proibidos, como armas e bebidas. Tal procedimento no entanto, parecia se dirigir também, e de forma mais importante talvez, à proteção do patrimônio da Empresa, uma vez que a própria autora escreve que a inspeção da bagagem e o controle dos acesso de estranhos foi desencadeado pela constatação da ocorrência de roubos frequentes de material da empresa nos primeiros anos de sua instalação. Esse controle rígido do acesso subsidiou denúncias de jornalistas equiparando Monte Alegre a uma propriedade enfeudada e muralha chineza de mil olhos de guardiões (FERNANDES, 1974, 194).

Embora empenhada em preservar uma ampla autonomia na gestão da vida e do trabalho em Monte Alegre, a Fábrica não descartou a parceria com o Estado. Este se fazia presente na Agência dos Correios, na Delegacia, nos grupos escolares e ginásio. Empréstimos do Banco do Brasil foram liberados para a construção da Fábrica, enquanto o então Interventor do Paraná, Manoel Ribas, empenhava-se em atender com prontidão as demandas colocadas pela companhia, seja nomeando professoras e enviando material escolar para as primeiras escolas, seja mantendo a cota de combustíveis da Klabin por ocasião do racionamento de combustíveis durante a Segunda Guerra.

O Estado colocava-se essencialmente como um auxiliar da Empresa, a qual se dava ao direito de "fazer leis" locais. Em janeiro de 1950 por exemplo, avisa através de seu jornal, que a partir daquela data todos os animais (cavalos, porcos, etc), que fossem encontrados no perímetro urbano, seriam apreendidos e os proprietários multados ( O Tibagi , Monte Alegre,3 jan. 1950,.7). No mesmo mês, novo aviso, comunicava que estava proibido o comércio de alimentos (carne, ovos, farinha, legumes, feijão, etc.) em carroças nas ruas e que os colonos só poderiam vender sua produção ao Armazém Central, à peixaria de Harmonia e ao Sr. Osorio Benck ( O Tibagi , Monte Alegre, 24 jan. 1950,7).

No início dos anos 50 cerca de 150 caminhões particulares estavam a serviço da fábrica, a maioria sob regime de empreitada, transportando matéria-prima e produtos industrializados. Em maio de 1950, estes motoristas foram informados através de aviso no Tibagi que estavam impedidos, sob pena de multas e outras penalidades aplicadas pela Companhia, de transportarem nos seus caminhões passageiros no interior das terras da Klabin ( O Tibagi , Monte Alegre, 24 mai. 1950,7). A ordem social de Monte Alegre provoca admiração entre observadores letrados como Hellê Fernandes que a define como uma escola de trabalho . Nada porém propicia imagem mais forte de ordem e desperta mais entusiasmo que a configuração de suas construções e espaços coletivos.

A instalação da empresa em localização rural, distante de cidades, exigia que propiciasse meios para alojar seus funcionários. O rápido crescimento de Monte Alegre, coerente com a crescente demanda de mão-de-obra para construir e fazer funcionar a fábrica e serviços complementares, exigiu um intenso movimento de construção de casas e de repúblicas para solteiros. A moradia oferecida no entanto costumava ir além de um mero teto, assumindo aspectos de um habitat moderno, ao incorporar requisitos de conforto, privacidade e higiene. Todas as casas nos três núcleos, mesmo as mais simples construídas de madeira, tinham luz elétrica, água encanada e esgotos.

Uma moradia atraente era sem dúvidas, um requisito importante para tornar Monte Alegre aceitável para técnicos que abandonaram em outras cidades, afetos e modos de vida. A higiene e o conforto da casa por outro lado, eram amplamente aceitos pelas elites intelectuais e econômicas brasileiras da época como um requisito básico para reformar o trabalhador, tornando-o mais regrado, saudável e eficiente. Para estes setores, a construção deste novo trabalhador era essencial para uma trajetória pacífica do país no rumo do progresso.

Na Lagoa quase todas as construções, moradias de empregados da Florestal e dos Transportes e equipamentos coletivos eram feitas de madeira. O Hotel da Lagoa foi concluído em abril de 1942, ano em que também foram concluídas as obras da escola, posto médico e farmácia ( O Tibagi , Monte Alegre,8 fev. 1949, 7). Neste ano o volume de construções na Lagoa entrou em declínio, enquanto iniciaram-se as obras de Harmonia e Mauá.

Harmonia é o maior e mais sofisticado dos núcleos residenciais. Situado junto à fábrica, concentrou, além de moradias operárias, as casas de gerentes e técnicos especializados, além de uma variedade de serviços e equipamentos coletivos. Harmonia se configurava em 1944 em três áreas bem definidas: a Vila Operária, a Vila Caiubi e os chalés, indicando respectivamente o lugar de moradias dos piores situados na hierarquia fabril, dos segmentos intermediário e dos gerentes. A Vila Operário surgiu antes e excluída do projeto do restante do núcleo, como alojamentos e casas provisórias perto da fábrica, que gradualmente foram recebendo melhorias - luz, água, hortas, jardins - e permaneceram até a criação da Cidade Nova como moradia dos operários. Na Vila Caiubí as casas eram padronizadas e variavam segundo duas tipologias, uma para famílias pequenas e outra para famílias grandes. Os chalés eram casas diferenciadas para engenheiros e gerentes. Havia ainda dois hotéis, além dos prédios para as atividades de comércio e serviços já mencionadas.

No início dos anos 50, a Klabin criou a "Cidade Nova", um loteamento fora dos limites do núcleo fabril, para o qual transferiu os empregados de empreiteiras envolvidas nas obras de construção da fábrica e serviços complementares e grande parte dos seus operários, reduzindo drasticamente a população dos três núcleos da fazenda Monte Alegre. Tal ação significou em primeiro lugar, uma forma de retirar de seus domínios empregados de empreiteiras contratadas para a construção do empreendimento, num momento em que serviços se encerravam. Significou também um redirecionamento de sua ação em relação à gestão de seus operários. Isto é, a empresa abdicou do controle da gestão de parte dos trabalhadores, ao transferi-los de seus domínios para um loteamento externo, onde seriam proprietários de suas moradias. Ao mesmo tempo, manteve nos seus núcleos parte dos operários da fábrica, muitos dos engajados em atividades no Setor Florestal, os técnicos especializados e gerentes.

Tal decisão relaciona-se provavelmente com a busca de redução de custos com a reprodução do trabalhador e sobretudo com preocupações relativas à proteção de seu patrimônio, que talvez sentisse ameaçado ante as dimensões populacionais que Monte Alegre estava alcançando. O perigo provavelmente era localizado sobretudo no risco de incêndios acidentais ou intencionais das áreas reflorestadas. Com efeito, esta população em 1947 era de 12 mil pessoas ( O Tibagi , Monte Alegre, 25 jan. 1949, 7). No início dos anos 50 só Harmonia - o maior dos núcleos - tinha cerca de seis mil moradores. Este crescimento estaria tornando cada vez mais complicada a ação da Empresa no sentido de controlar o acesso a seus domínios. Segundo escreveu Hellê Fernandes, que residiu em Harmonia nos anos 40, a Klabin do Paraná dá casas para cada família e não permite favelamento. A manutenção da cidade vai se tornando exorbitante. Há muito teria sido incontrolável a proliferação de barracos se os Postos da Corrente não fizessem valer os direitos da ´propriedade particular´ que é a Fazenda Monte Alegre, e deixassem entrar o caudal de desempregados e aventureiros que querem usufruir do bem-estar dos que trabalham (FERNANDES, 1974, 134-135).

Diante das crescentes dificuldades de manter um controle social rígido em Harmonia, surge a idéia de criar um loteamento do outro lado do Rio Tibagi. O projeto da Cidade Nova é encomendado ao arquiteto Max Staudacher - que antes havia realizado alguns projetos para Harmonia -, enquanto é criada a Cia. Territorial Vale do Tibagi, para efetuar as vendas dos lotes, a serem pagos em 10 anos. Matéria de 1951 no Tibagi informa que o Sr. Horácio Klabin teria concluído o planejamento de uma nova cidade, a dois quilômetros de distância da Fábrica de Papel, na margem oposta do Rio Tibagi. Informa ainda que o idealizador na nova cidade teria efetuado reuniões com moradores de Lagoa e Harmonia, buscando sensibilizá-los para as vantagens de morar na nova cidade, argumentando-se sobretudo acerca das vantagens da casa própria. Aos empregados da Klabin que comprassem lotes na "Cidade Nova", se estaria oferecendo várias vantagens, inclusive parcelamento do pagamento e a doação da casa de madeira em que moravam nos núcleos dentro de Monte Alegre, de modo que pudessem transportá-las e reconstruí-las em lote próprio. Esclarece o jornal da Empresa que a idéia não era transferir todas as casas dos núcleos fabris, apenas as dos arrabaldes ( O Tibagi , Monte Alegre, 14 fev. 1949, 1). Isto é, trata-se de remover as casas ocupadas por trabalhadores de salário baixo, e entre estes as daqueles que não eram de especial interesse da fábrica manter dentro de seus domínios territoriais. Além de oferecer terrenos, a empresa construiu casas de diferentes tamanho, de acordo com salário dos compradores. Algumas poucas moradias maiores foram edificadas, entre as quais a do próprio arquiteto Max Staudacher.

Em 1963, Monte Alegre se desmembrou do Município de Tibagi, constituindo o Município de Telêmaco Borba, cuja sede localizou-se na "Cidade Nova", que assumiu esta nova denominação. O novo município, com cerca de cem mil habitantes atualmente, permanece extremamente associado à Klabin: sua sede é predominantemente habitada por operários ou ex-operários da Empresa, enquanto 93% da área total do Município é ocupada por suas plantações de eucalyptus, pinus e araucárias.

Do ponto de vista da gestão dos operários, a construção da Cidade Nova representou um importante redirecionamento em vários sentidos. De um lado, a empresa parece ter abdicado de um controle sobre o cotidiano de parte de seus funcionários. De outro, parece ter buscado um controle mais rígido sobre aqueles que permaneceram morando em seus domínios territoriais. Em entrevista concedida em 1991, o funcionário da Florestal residente na Lagoa, Manuel Francisco Moreira, afirmava que havia muito mais liberdade para os moradores nas décadas de 40 e 50 - antes do desenvolvimento da "Cidade Nova" - que nos dias atuais: "Naquela época aqui em Lagoa era muito mais livre (...). Hoje a nossa vila parece mais Auschwitz. Porque hoje não sei se mudou a mentalidade da Diretoria e tal, então já tem uma polícia que mais parece uma Gestapo. Controla tudo, controla a vida das pessoas, etc. Era muita empreiteira. A interferência não era tão grande, havia mais liberdade. (...) Meus filhos hoje reclamam muito mais que eu quando era jovem e morava aqui" . O depoimento acima sugere um recrudescimento da repressão sobre os moradores após a saída das empreiteiras. Com efeito, a partir daquele momento, o controle foi favorecido pela ampla redução do número de moradores de Monte Alegre e pelo monopólio do poder da Fábrica sobre um grupo de trabalhadores, a partir de então subordinado diretamente a ela.

Embora a criação da "Cidade Nova" nos anos 50 tenha sido um momento importante de transferência de moradores de Monte Alegre, este processo recebeu novo impulso nos anos 80 e 90. No fim dos anos 80 existiam 7 núcleos florestais, reunindo moradias, escolas, hortas, postos médicos (SOLAK & CARNEIRO, 1989, 20). Segundo depoimento concedido em 1991 pelo ex-motorista da Klabin Valdilau Pedroso , naquela ocasião restava apenas um destes núcleos. O número de moradias nos três núcleos maiores também vem declinando. Em entrevistas concedidas em 1991, o então concessionário do Hotel Central, Ciro Guimarães de Souza e o ex-funcionário da Klabin Rodrigo Bodogosky, referem-se ao fato de que em meados dos anos 80, Harmonia tinha um número muito maior de casas que as cerca de 90 existentes na ocasião. Informa o primeiro que muitos dos terrenos vazios eram ocupados por casas habitadas por famílias que precisaram abandoná-las, devido à aposentadoria ou morte de membros que eram funcionários da Klabin. Portanto, ao desmonte em grandes proporções dos anos 50, alia-se um mais discreto e contínuo que se estende por anos e aparentemente se intensifica a partir de meados dos anos 80. Foto de julho de 1996 retratando uma casa sendo desmanchada, testemunha este processo lento recente de redução das habitações em Harmonia. Processo este, correlato à crescente expansão de Telêmaco Borba, concentrando em escalas crescentes os atuais e os ex-operários da Klabin.

Interligando a Cidade Nova - hoje Telêmaco Borba - com a Fábrica, a Empresa criou em 1959 um bonde aéreo, garantindo simultaneamente um transporte rápido dos operários ao trabalho e um controle do acesso ao núcleo fabril eficiente e relativamente sutil. Uma ponte, precedida de um posto de inspeção, também foi criada. O profundo abismo configurado pelo leito do rio Tibagi separando o núcleo fabril e Cidade Nova, testemunha a busca de isolamento da Fábrica em relação a um mundo exterior, onde habita grande parte de seus empregados. A distância no entanto, revela-se sobretudo social. Nos dias de hoje nada é mais contrastante com as "cidade-jardim" de Harmonia e Lagoa, com suas ruas floridas, limpas, calçadas, dotadas de redes de água e esgotos e ladeadas pelas chalés dos funcionários graduados ou pelas casinhas de madeira dos operários, que a imensa cidade operária do outro lado do rio, com suas casinhas precárias penduradas em barrancos, carentes de infra-estrutura, onde habita a grande maioria dos empregados da Klabin.

3. A aceleração do desmonte a partir de meados dos anos 80: o caso da Giacomet-Marodin

A partir de meados dos anos oitenta desencadea-se no país um profundo processo de re-estruturação empresarial e de mudanças nas relações entre capital e trabalho. Tal processo configura-se no fechamento de algumas empresas, na opção de outras pela terciarização de segmentos da produção e numa tendência geral a reduzir ou eliminar custos extra-salariais com força de trabalho. Neste quadro, iniciou-se em muitas fábricas, usinas, empresas agro-extrativas e companhias estatais um processo discreto, porém profundo, de desmonte de vilas operárias e núcleos fabris. Eventualmente a imprensa noticia que as usinas de açúcar do Nordeste estão demolindo grupos de habitações operárias, que uma fábrica que fechou no Recife está arrasando sua antiga vila operária ou que uma empresa estatal no Paraná está estudando formas de repassar a seus funcionários um dos núcleos residenciais de sua propriedade.

O que parece casos isolados, quando interrelacionados configuram um aspecto relevante do atual redirecionamento das relações capitais-trabalho, sob a égide das idéias neoliberais. Trata-se de um movimento geral, que atinge empresas grandes e pequenas, privadas e estatais, nas diferentes regiões do Pais. Impressiona a velocidade do processo de desmonte, a forte inflexão das políticas das empresas em meados dos anos 80 - algumas iniciando o desmonte de vilas com casas recém-construídas - e a uniformidade do discurso empresarial. No discurso, construiu-se rapidamente um consenso contra as casas destinadas aos funcionários, mostradas como contrárias à racionalidade industrial por trazer gastos desnecessários, como algo cuja provisão que não é responsabilidade da empresa ou simplesmente como um mal necessário, que deve ser eliminado o mais breve possível ou mantido apenas nos casos imprescindíveis. Entre os atuais dirigentes de empresas parece ter se constituído rapidamente um consenso a respeito da pouca importância conferida à provisão de habitações e serviços a seus funcionários. Mesmo em casos de empresas que ainda mantêm vilas, estas costumam ser mostradas como fonte adicional de gastos e preocupações, que desvia a empresa de sua finalidade produtiva e prejudica sua competitividade, e como algo cuja provisão não é de sua competência, e sim, do próprio trabalhador ou, no máximo, do Estado.

Mesmo sem dispor de números aproximados sobre o montante de famílias atingidas pelo desmonte dessas vilas e núcleos fabris, pode-se afirmar que não é irrelevante: se trata de um processo que ocorre a nível nacional, que atinge diferentes ramos da produção e que afeta empresas pequenas e grandes, privadas e estatais. Muitas vilas e núcleos fabris parecem não estarem em vias de serem atingidas, em outras o desmonte é seletivo afetando apenas algumas categorias profissionais, em muitas outras entretanto é rápido e definitivo. Nestes casos a pressa das empresas em arrasar as construções, parece indicar um desejo de apagar os vestígios de uma época em que o bem-estar do trabalhador - embora voltado a um maior controle sobre ele - interessava de algum modo ao patrão.

Em alguns casos, é surpreendente a forma brusca como ocorre o redirecionamento da política da empresa sobre a questão. Um exemplo, neste sentido, é a empresa agro-extrativa Giacomet-Marodim, no Paraná, que construíu casas nas suas diferentes vilas operárias até início dos anos oitenta, em meados dos quais iniciou a venda de casas para seus operários e funcionários graduados e a transferência da administração de escola e posto de saúde para o Estado. Neste caso o desmonte das vilas operárias existentes na cidade de Guedas do Iguaçú e de diversos núcleos existentes na área rural pertencente à empresa está associado com processo de terciarização, que nos últimos anos reduziu o número de funcionários de 1400 para 1000.

As vilas e núcleos fabris da Giacomet-Marodim no Paraná começaram a ser construídas nos anos 60, pela proprietária anterior do empreendimento - a Companhia de Celulose e Papel de Iguaçú, pertencente ao Grupo Votorantim. A construção de casas para seus funcionários teve continuidade após a aquisição do empreendimento pela Giacomet-Marodim nos anos 70. Em 1976 foi criada a vila Taromã e já nos anos oitenta a vila Pindorama, em localidade rural. A Empresa contava com cerca de 900 moradias, quando iniciou a venda das casas aos funcionários em 1987.

A forma como a empresa se desfez dos núcleos e vilas obedeceu a procedimentos variados, dependendo da localização das casas na cidade de Guedas de Iguaçú ou em áreas rurais. As casas maiores - 31 casas na Vila Pinheirais, seis casas na Vila Jacarandá e seis casas Centrais dos Gerentes - habitadas por gerentes ou por funcionários mais graduados, foram vendidas aos moradores a preços subsidiados. No caso das casas pequenas de madeira localizadas na Cidade, o procedimento mais usual foi a venda da casa ao morador e do lote à Prefeitura, que o doava ao morador. Este foi o caso de cerca de 250 moradias da Vila Plátano, Vila Taromã, Serrraria 1, Vila 6 e Serraria 2 e 3. Embora distante seis quilômetros da Cidade, Pindorama teve suas 251 casa repassadas aos moradores em condições semelhantes às das vilas urbanas. No local a Prefeitura adquiriu além dos terrenos ocupados por casas, terrenos vazios que foram doados a pessoas relocadas de outros núcleos. A escola e o posto médico de madeira criados anteriormente pela Empresa foram substituídos por outros maiores de alvenaria construídos e administrados pela Prefeitura. Na Vila Triângulo na Cidade, as casas foram desmontadas e a área loteada e vendida. Neste caso utilizou-se um procedimento semelhante ao empregado nos núcleos em localidades rurais, de desmontar as casas e vender seu material ao morador, que as reconstruíram na cidade em terrenos doados pela Prefeitura. Este procedimento foi adotado em relação às cerca de 80 casas da Vila Nova e Pousada. Em julho de 1996, achava-se em pleno desmonte o núcleo denominado Formiga. A igreja, o posto de saúde e a escola, todos de madeira, já haviam sido desmontados. As casas de madeira estavam sendo demolidas e o material vendido a prestação aos moradores por 120 reais, os quais as estavam reconstruindo em Pindorama.

O desmonte entretanto, não é total. Alguns núcleos residenciais no campo estão sendo mantidos. Este é o caso de Pinhão Ralo com 23 casas de alvenaria alugadas, de Rio Campo Novo com 22 casas de madeira e o Rio Iguaçú com 6 casas. Na Cidade a Empresa ainda conserva a propriedade do chamado Condomínio, um grupo com duas casas e oito apartamentos. Na cidade, a Empresa mantém um armazém que vende artigos diversos - alimentos, vestuário, etc. - a preços subsidiados a seus funcionários e um ambulatório. Por outro lado, coerente com a intenção de reduzir seu papel na gestão do cotidiano de seus empregados, criou em 1996 a Fundação Giacomar que assumiu o patrimônio da Sociedade Esportiva Giacomet (com estádio, etc.).

O caso da Giacomet-Marodim revela uma participação ativa da Prefeitura local no processo de desmonte, adquirindo da Empresa os lotes e os repassando aos funcionários, assumindo a gestão de escola e posto de saúde. Enfim, financiando e viabilizando um processo rápido de desmonte, extremamente vantajoso para a Empresa, que se beneficia ainda do preço pago pelos lotes - 350 reais em 1996. As caraterísticas das habitações - de madeira, vendidas ao funcionário - e a participação da Prefeitura - adquirindo lotes para a relocação das casas e os doando - permitiu um desmonte que não é dos mais traumáticos para o morador (KIRSCHEN, 1996; SOUZA, 1996). De todo modo uma casa própria na cidade pode significar mais autonomia na vida doméstica e o acesso a uma pequena propriedade, mas tem como contrapartida uma tendência à perda do emprego, que já atingiu cerca de um terço dos empregados. Muitos dos que trabalham no campo após ser demitidos pela empresa são recontratados para os mesmos serviços por empreiterias. Neste caso, além de perdas salariais, sofrem perdas nas condições de vida, ao ter que se deslocar de sua residência na Cidade durante alguns dias da semana para um alojamento no campo. Tais alojamentos compõem-se de galpões precários de madeira que servem de dormitórios coletivos, de sanitários, cozinha e refeitório, este um espaço aberto, com piso de terra. Nestes alojamentos, são aplicados programas de "qualidade total", que submetem os trabalhadores a uma disciplina rígida, consubstanciada em metas referentes a higiene, ordem, silêncio, etc. Não alcançar as metas estabelecidas significa perdas salariais coletivas, fato que reduz cada companheiro em um vigia atento e exigente. Portanto, com a relocação das casas para a cidade, o trabalhador empregado no campo vê-se afastado do ambiente doméstico e constrangido a um cotidiano rigidamente limitador nestes alojamentos.

O processo em andamento de aceleração da demolição de vilas e núcleos empresariais ainda é bastante recente para indicar uma tendência definitiva. Um número bastante significativo de núcleos fabris em todo o Pais estão sobrevivendo às mudanças recentes. No contexto atual, o desmonte tem se configurado inequivocamente como um momento da perda de estabilidade no emprego: o desmonte tem surgido como um primeiro passo num processo de terciarização da produção, onde operários contratados diretamente pela fábrica são substituídos por outros contratados por empreiteiras com salários mais reduzidos e condições de trabalho piores. Trata-se efetivamente de redefinições nas relações trabalhistas, com vistas a um aumento da exploração na esfera da produção, baseado na redução do valor dos salários, na eliminação de salários indiretos e na acentuação da instabilidade e rotatividade nos empregos. Nesse processo, a grande empresa procura se desvencilhar do vínculo direto com o trabalhador, transferindo-o para uma empresa menor contratada para serviços específicos. Com isso livra-se de parte dos inevitáveis desgastes políticos, decorrentes do redirecionamento da política de pessoal em curso. Por outro lado, o agravamento tensões sociais pode conduzir a um novo redirecionamento das políticas sociais, onde o desinteresse das empresas na conservação de vilas e núcleos fabris possa resultar numa transferência destes para seus ocupantes ou para o Estado ou onde a estabilidade no emprego e um controle mais efetivo da empresa sobre o cotidiano do trabalhador voltem a ser valorizados como instrumentos importantes de dominação e exploração do trabalho .

BIBLIOGRAFIA E FONTES

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CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operário no Sertão. O projeto urbano de Delmiro Gouveia . São Paulo, FAU-USP, 1995. Tese de Doutorado.

FERNANDES, Hellê Vellozo. Monte Alegre, Cidade Papel . Curitiba, Símbolo S.A., 1974.

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PEDROSO, Valdilua M . Entrevista , outubro 1991. São Paulo, Centro de Documentação e Memória de Klabin.

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